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CAPITULO I

CAMÕES E A EXPEDICÃO A' AFRICA

Começa agora a parte mais dolorosa da vida do poeta; vamos vel-o chegando á velhice, luctando dia por dia com a miseria e a fome, implorando da morte o fim de tantos soffrimentos e extinguindo-se pouco a pouco, em sua enxerga, como a respiração da patria.

Em quanto não produzio o seu poema, completo como o plano que delle tinha concebido, Camões viveu entregue á esse unico pensamento. Tinha elle vivido sempre longe da patria; em vez de desprezar seu paiz com o scepticismo de quem reside nas côrtes, o poeta tinha aprendido na historia e no passado á amar a sua raça. Chegado á Lisboa, não tinha elle á principio des coberto a imminencia da desgraça nacional; absorvido em uma idéa fixa, tinha vivido d'ella. Fôra o ascetismo do genio com todos os seus extasis e suas chimeras.

Publicado, porem, o poema, começou esse homem que não se lembrava da fome, quando tinha ainda uma estancia que compor, á sentir o pezo da realidade. Elle que tanto fiava de seu livro, via-se, quando seu nome já era celebre e depois de impressos os Lusiadas, desterrado e só no meio do paiz.

Depois veremos a extensão da desgraça de Camões, por agora vejamos como seu destino está entrelaçado com o de Portugal.

Os oito ultimos annos da vida de Camões são os mais sombrios da historia portugueza; seus biographos pintam com as mais negras côres essa épocha de aviltamento e infortunio, que nos entristece ainda hoje.

Estava Portugal nas mãos do joven rei, neto de D. Manoel; reinado nenhum foi mais infeliz do que o seu. Muito moço, fiando tudo de seu talento, de uma audacia cega, promettia elle desde o começo ser o flagello de um paiz, já de si exhausto por ter realisado uma obra superior ás suas forças.

Entre os annos mais tristes de que a historia faz menção está esse em que appareceram os Lusiadas. Esquecendo-se tão maravilhoso clarão foi um anno de desolação e trevas. Na Inglaterra morria no cadafalso o duque de Norfolk, o que annunciava a morte de Maria Stuart, essa bella criminosa sobre a qual a historia não pronunciou ainda seu ultimo juizo; a Polonia via extincta a dynastia dos Jagellões e com o principio da electividade do rei adquiria o germen de seu futuro desmembramento. O que, porém, escurece data de 1572 é a noite de 24 de Agosto. Pariz

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foi theatro da mais sanguinolenta das carnificinas humanas a traição, a cobardia, o fanatismo, o odio, todos os baixos sentimentos, tiveram uma medonha explosão.

A França atravessou antes e depois epochas difficeis, mas as tradições do Terror e as da Communa não causam uma impressão igual á desse immenso assassinio, friamente meditado, hypocrita e cobardemente executado no silencio da noite, á um signal do rei e em nome de Christo. Foi n'esse anno de sinistra recordação que appareceram os Lusiadas. Em Portugal a scena era tão negra como na Europa.

Havia-se ferido no anno anterior a grande batalha de Lepanto e havia já em Lisboa os materiaes de uma nova cruzada, proclamada pelo Papa. O Tejo estava coberto de náos destinadas á tomar posse do Bosphoro; os confederados queriam d'essa vez aceitar a conselho do joven D. João d'Austria e ir com elle á Constantinopla. Uma tempestade das que mais destruição teem produzido cahio sobre a cidade de Lisboa, e de todos esses navios não ficaram senão as taboas fluctuantes.

As riquezas immensas, que elles haviam custado, afundaram no rio,e essa destruição foi para Portugal um novo golpe da fortuna.

Sem insistir em outros tantos revezes, com que foi o paiz experimentado n'esses ultimos oito annos de liberdade, ha dois factos por si sós muito eloquentes que não podem omittir-se. A joven e bella princeza, mãi de D. Sebastião, falleceu em 1573 e com ella perdeu o paiz uma voz que se faria ouvir do rei antes de cada loucura, e que talvez, por ser a de uma mãi, pezasse no seu animo.

Em 1574 teve lugar a expedição de Tanger, expedição funesta e que devia, por ter sido esteril, determinar uma segunda, que realizou-se cinco annos depois. Em 1579 partiu de novo D. Sebastião para a Africa; nem as ultimas palavras de sua avó moribunda, nem o derradeiro pedido de seu mestre, nem a dor do povo, visivel em cada rosto, poderam impedir ou sustar essa successão de desgraças.

Diz Faria e Souza que muito soffreu Camões por ter sido escolhido pela côrte para seu poeta Diogo Bernardes.

A versão do critico é verosimil. Ao terminar os Lusiadas, Camões pedio á D. Sebastião, como o havia pedido na dedicatoria do poema, que passasse á Africa; vimos que esse sonho do joven rei teve nos versos do poeta uma eterna consagração. O Sr. Juromenha, que julga pouco provavel ter tido o poeta um tal desgosto chega á conjecturar, e (parece-nos) sem fundamento historico, que elle se achava na jornada de Tanger. O certo é que ao escrever os ultimos versos do poema, Camões sonhava ainda ser o cantor de uma nova epopéa.

Eis as duas oitavas em que o pensamento do poeta é expresso de um modo a não consentir duvidas:

<< Pera servir-vos, braço ás armas feito;
Pera cantar-vos, mente ás Musas dada:
Só me fallece ser a vós acceito,

De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto o céo concede, e o vosso peito
Digna empreza tomar de ser cantada,
Como a presada mente vaticina,
Olhando à vossa inclinação divina;

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