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outra nos castellos feudaes; que amavam a vida, como ella se mostrava, e que morriam um dia com a harpa ao lado, cantando a ultima serenata n'um campo de batalha, como o Ministrel de Thomas Morus, são a tradição mais poetica, mais ideal, que a idade media nos deixou.

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Era um d'elles Bernardim Ribeiro. Como disse o poeta de D. Branca foi elle o cantor da saudade." Soffreu quanto póde soffrer uma alma sensivel; mas sua melancolia é doce, sua dôr é amavel; a tristeza do seu exilio e de seu pranto, quizeramos todos possuil-a. Amante de uma filha de D. Manoel, seguiu-a por toda a parte como sua sombra que era, e para a qual ella olhava com esse amor, com que as mulheres contemplam o seu reflexo.

Não houve em Portugal mais puro coração que o do poeta do Alemtejo; com elle devia conviver Luiz de Camões, as suas almas poderam comprehender-se. Se Bernardim Ribeiro tivesse sobrevivido ao cantor dos Lusiadas, a gloria d'este teria sido vingada mais cedo; mas elle devia só dar ao coração de seu joven amigo certos sentimentos, que fariam d'elle na poesia lyrica o seu unico herdeiro.

Outros talentos honraram n'esse tempo a poesia portugueza. Era o tempo em que Sá de Miranda estava na intimidade de D. João III. Sá de Miranda é um espirito culto, innovador e ousado para sua idade, mas não é um poeta. A poesia tem outra missão, o poeta tem outra alma; mais poeta que elle é Antonio Ferreira, é Caminha, e, ainda mais, esse Fernão Alvares d'Oriente, um precursor de Gonzaga.

Tal era o estado das letras, quando Camões, fin dos os seus estudos, veio á Lisboa. Acolhido na côrte, onde florescia n'esse tempo o gosto da poesia edo bello, e onde dominava o espirito do infante D. Luiz, não tardou Camões em ser objecto de geral acceitação. O infante D. Luiz, filho de D. Manoel, tornou-se celebre por seus amores com a Pelicana. Caracter generoso e ardente, lançara-se á guerra de Tunis com Carlos V, e ahiganhara merecidos louros. Filho de um rei, recusou todos os casamentos que se offereciam á sua elevada posição, e, se não desposou-se, viveu sempre com sua bella amante.

O fructo d'esses amores discretos e pudicos foi D. Antonio, prior do Crato, em cuja mão tremulou pela ultima vez a bandeira da independencia. D. Luiz dava á côrte, no reinado sombrio, aspero e monotono de seu irmão, alegria e movi

mento.

Era em torno d'elle que se reuniam os nobres do reino. Em Portugal não havia, como na Italia, 0 Costume de terem as côrtes os mais notaveis poetas junto a si. Quando á Camões foi dada essa tença de 158000 por seus serviços em Africa e por seu poema, a clausula-emquanto residir elle em minha côrte- deixou á posteridade como um eni igma a intenção do rei. Seria ella um signal da avareza de D. Sebastião, ou antes a prova de que • rei prezava em tanto o genio do poeta que não queria vel-o distante de Lisboa?

Se, porém, D. Sebastião sentiu necessidade de prender á sua côrte o cantor dos Lusiadas, D. João III não teve em conta alguma o merecimento do poeta. E' certo que n'esse tempo elle

se estreava, e o poeta dos idyllios, e das Rimas não deixava ainda bem medir a elevação de seu genio; mas isso mesmo que elle compunha na mocidade era superior ao que seu tempo conhecia. Ainda na flôr dos annos era elle o primeiro poeta portuguez, e para exceder á todos não precisava dos Lusiadas

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Os poucos annos que demorou-se Camões em Lisboa, antes de seu primeiro desterro, foram os mais bellos de sua vida; foram elles a florescencia da alma, o tempo dos sonhos e das illusões. O amor encheu todas as horas de seus dias; cantou elle o amor sob todas as formas, e sentiu-o com todos os extasis. O desterro, porém devia encerrar essa quadra. Com ella morreu no coração do poeta a confiança, depois d'ella sua vida não offerece mais uma epocha, em que o espirito poise sem dôr. Vejamos, pois, como passaram os poucos annos felizes da existencia de Camões: são elles a alvorada risonha de um dia escuro e de uma noite tempestuosa.

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CAPITULO II

OS AMORES DE CAMÕES

A posteridade cria lendas da vida dos grandes poetas; dos infortunios, que soffreram, faz ella uma aureola, e prende ao d'elles para sempre o nome da mulher, que amaram.

Essas mulheres celebres, que acompanham os poetas deante da posteridade, representam um brilhante papel; os destinos dos dois amantes andaram tão ligados, que quasi sempre se póde attribuir a inspiração ao amor. As causas exteriores, os accidentes, exercem na natureza uma tão incontestavel influencia, que se não sabe o que teria produzido o mais elevado de todos os genios se não nascesse no berço que teve, se não tivesse conhecido as alegrias, as tristezas e até as miserias por que passou na vida. Ora o amor é a mais forte das causas exteriores, e a maior influencia que se conhece no mundo, é a da mulher.

Por isso não se póde desprender na morte o

que foi unido em vida; essas duas vontades, uma das quaes dominava a outra que produzia, tem uma parte determinada na obra commum; não se póde, olhando a solidão do passado, dizer tudo que aprendeu um grande poeta no coração da mulher que amou; o que se póde dizer, é que ella perfumou sua existencia, que desenvolveu, porque nobres paixões desenvolvem o genio, sua faculdade creadora, que dominou seu destino. E' por isso que na memoria da posteridade Tasso e Eleonora, Dante e Beatriz, Petrarca e Laura, Ossian e Malvina, Camões e Catharina, apresentam-se no mesmo momento; uma faz parte da fama do outro. Não se póde prestar maior homenagem aos grandes poetas que repartir por aquellas, que foram a origem de sua inspiração, os louros de sua gloria.

A eschola historica, porém, decompondo as lendas populares, e fazendo o inventario da memoria humana, chega não só a negar o amor de alguns dos grandes poetas, como sua existencia.

N'esse Homero, que tantos seculos a humanidade considerou o pai da poesia, não vê ella um homem, mas um grupo, como a astronomia que onde vemos uma unica estrella e um unico raio descobre uma pleiade e muitas scintillações.

Parece, porém, que a immortalidade que o poeta quiz dar á sua amada triumphará de todos os argumentos da critica.

O que tem querido provar os criticos? Que Camões nunca amou? Seria preciso não distinguir a linguagem da paixão da fria linguagem da imaginação. Que amou mais de uma mulher? Se começam por negar a existencia da primeira! Podem contestar, isso sim, que Natercia fosse D. Catharina

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