Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

de Athaide ou D. Catharina de Almada; podem dizer mesmo que não se conhece a pessoa de quem Camões quiz perpetuar a belleza sob esse nome, que é um anagramma de Catharina. Mas em que esclarece essa questão, aliás delicada e respeitosa para a memoria do poeta, a de saber se Camões amou ou não amou? se o amor inspirou-lhe ou não parte d'essas melodias suaves que nos legou em suas Rimas?

Fosse quem fosse essa Natercia cruel, a posteridade tem um nome para ligar ao do poeta; que mais quer ella? seu culto prende-se á mulher adoravel que o poeta amou. Certamente a investigação historica prestar-nos-hia um grande serviço se nos dissesse á quem pertenceu esse nome, quem foi essa musa; na impossibilidade, porém, de descobril-o e de decidir-se por uma das conjecturas existentes, póde-se duvidar de que fosse Natercia uma das pessoas de quem fallam os contemporaneos, mas nunca de que uma mulher existisse, adorada pelo cantor e ao qual elle deu a immortalidade que terão seus versos. Natercia, tal é o nome sob o qual conhecemos a amante do poeta; não queremos outro. A immortalidade da gloria só é uma recompensa se existe a da alma, e a alma daquella, que foi a inspiração do grande épico, recolherá o perfume de todo o incenso queimado ao nome, que elle lhe deu em seus cantos.

Parece, porém, que se póde dizer que Natercia foi D. Catharina de Athaide, e as razões dessa hypothese historica são para nós as produzidas por Faria e Souza. E' certo que o poeta amou uma pessoa altamente collocada; ora, D. Catharina de Athaide era dama do paço, circumstancia

que influiu e determinou o desterro do poeta da cidade de Lisboa.

Não queremos dizer que o poeta fosse desterrado como Ovidio, ao qual se compara. O poeta romano soffreu uma pena, a natureza do lugar, para onde foi elle exilado, prova bem que se tratava de um verdadeiro castigo em proporção com a offensa; Camões, porém, foi apenas afastado da Lisboa, e é natural que interviesse nesse tempo a autoridade do conde da Castanheira para impedir o desenvolvimento do amor de D. Catharina, o qual só podia acabar em um casamento muito desigual para ella segundo os principios da antiga nobreza. Demais, essa senhora, a quem parece ter pertencido o nome de Natercia, seu anagramma, tambem é uma razão mui valiosa n'um tempo em que se tiravam elogios para a pessoa do seu proprio nome, morreu na flor da idade, e á ella deve referir-se immortal soneto XIX.

que

Os ditos do poeta e o testemunho do proprio biographo, reunidos aos argumentos acima apresentados, tornam provavel a opinião de que a mulher amada pelo poeta foi D. Catharina de Athaide.

Talvez entre os sonetos attribuidos a Luiz de Camões, assim como ha traducções italianas, haja sonetos alheios, e d'ahi provenha a idéa dos que affirmam que Camões amou muitas mulheres, e que foi apenas, como o chama o bispo de Vizeu

um moço namorado." Póde-se escrever sonetos a muitas pessoas, sem que se tenha verdadeiramente amado mais do que uma. N'um tempo sobretudo em que as letras erão tidas em tão boa acceitação pela fidalguia, um homem que possuisse

[ocr errors]

o genio de Camões seria obrigado muitas vezes a emprestar sua linguagem aos amantes da côrte. D'ahi talvez a origem dos sonetos que parecem não ser dirigidos á Natercia, sonetos restituidos ao espolio do poeta, quando Faria e Souza tratou de colleccionar as suas Rimas, pelos fidalgos que delles haviam se servido em sua mocidade. Quem lançará á conta de Bocage todas as paixões de que foi elle o echo ?

E' impossivel, felizmente para nós, que essa critica de dissecção e de morte produza com o poeta portuguez todos os seus effeitos. Não se poderá negar áquelle que teve o privilegio do genio a faculdade de amar! nem se dirá que, não tendo encontrado na terra a creação de sua phantasia, levou uma vida incompleta e solitaria, e que todo esse poder de querer, de que foi dotado, só lhe servio de poder escrever um dia:

Em prisões baixas fui um tempo atado!

São curiosos os argumentos com que o bispo de Vizeu (1) rebate a opinião dos que sustentam o amor do poeta. Assignala elle a difficuldade de medir-se a paixão verdadeira por uma poetica, o habito de encarecerem os poetas suas paixões amorosas, talvez creação de sua fantasia, e a influencia da escola de Petrarca, seguida muito de perto pelo poeta portuguez; esses argumentos, porém, apresentados de passagem, não lhe mere

(1) Memoria Historica e Critica acerca de Luiz de Comões e das suas obras.

cem demora, e elle annuncia os tres grandes motivos em que funda-se sua opinião.

[ocr errors]

Hum amor fino e subido, permitta-se-me o empregar aqui a linguagem dos iniciados em taes mysterios, qual se o pinta o cavalleresco, e Camões nos inculca o seu, deve ser essencialmente Platonico; de maneira que eu concordaria de bom grado com Faria e Souza, se elle nos explicasse Platonicamente só aquellas passagens em que o poeta exprime o amor exaltado; se não hé o mais proprio termo requintado: porém, como se póde reputar o verdadeiro amor de Camões esse fino, subido e Platonico por essencia, quando algumas pinturas bem pouca delicadas, em que o pintor parece trabalhar muito segundo a sua natural inclinação, estão fortemente arguindo, que dos seus extravios desta qualidade mais foi, como elle diz de outrem, a culpa da Mai que a do menino? e quando vemos que arrastado desta sua propensão, careceu da força necessaria para imitar o bom senso de Virgilio, que tanto se propõe seguir, e não teve em sua mão ser nos Lusiadas tão casto pintor como o poeta romano? Hum amor, em segundo lugar, na realidade tão impetuoso e violento, como o que indica a maior parte dos versos namorados de Camões, não se declara por conceitos tão agudos, com requebros tão ponderados, e por tão affectado estylo, como elle faz tantas vezes, ou para melhor dizer, como faz em todos esses lugares em que mais se pretende engrandecer. Ultimamente, o arrancar-se da margem do Tejo, e procurar as afastadas regiões da India, mal póde conciliar-se com tão ardente amor, se a sua dama ainda vivia ; e se ella já não vivia, como quer Faria e Souza,

que credito devemos dar ás finezas e extremos ditos á primeira, se o vemos dizer depois finezas e extremos iguaes a outras? Hum bom Cavalleiro nem sequer soffria o pensamento de cortejar com a mesma finura a mais de huma Dulcinéa; hé pouco menos que hum aforismo da filosophia e da experiencia, que as paixões de impeto desmarcado nunca, ou quasi nunca, se repetem.

66

Os argumentos de D. Francisco Lobo nada absolutamente provam. O primeiro é, o que se póde chamar um argumento da inquisição. Admira-nos isso tanto menos quanto, folheando um pouco as suas obras, achamos algumas paginas escriptas para defender o Santo Officio, nas quaes se falla na honra da inquisição, e na pena que requeria a perversidade dos Brunos e dos Vaninis!

Devia ser quem tal escrevia cioso do estylo e da menor liberdade erotica em as obras do genio. Infelizmente, porém, para seu argumento, o bispo não citou um exemplo, senão á nota a ilha dos Amores. Dizer que Camões não amou D. Catharina de Athaide pela pintura um pouco lasciva que fez dessa ilha, é esquecer que quando essa descripção foi feita Natercia tinha morrido, havia annos. Na constancia mesma de seu amor, podia o poeta ter por um momento deixado as côres predilectas de sua palheta. Quem nega que o autor das Tristes fosse o mesmo do livro dos Amores? Não parece, porém, contra producente que D. Francisco Lobo ao mesmo tempo descubra em Camões um emulo de Petrarca, e lhe negue o ter amado platonicamente?

O que distinguiu Petrarca? O amor platonico. Esse melodioso cantor possuio o conhecimento de

« VorigeDoorgaan »