brada emquanto houvesse no mundo saudade " em que as lagrimas cahiram tantas dos olhos da amante que com as suas Juntando-se formaram largo rio ? Elle accusa a amante, mas só o seu tempo era culpado, e, se não nos repugnasse admittir a fatalidade nos sentimentos humanos, o seu genio. Se Camões fosse o noivo de Catharina, e os seus desejos eram por um casamento, se a esposasse, se entrasse para a alta nobreza de seu tempo, se tivesse uma vida feliz, seria isso muito melhor para o homem, seria talvez a morte do poeta. Não se dando o casamento, naturalmente contrariado pelos preconceitos do tempo (um preconceito contra o genio!) Catharina de Athaide devia occultar um amor... impossivel! A honra de sua familia diz-nos que ella sacrificou-se a vontade dos seus. Não morreria ella d'essa concentração do amor? da desesperança? Aquella alma obrigada á viver dentro de si mesma, á alimentar-se com os seus sonhos da manhã, que já eram á noite outros tantos desenganos, á dominar o coração, a desviar o curso de seus sentimentos do alveo em que elles correram tanto tempo, não teria morrido por esse ingrato dever? Eis o que talvez Camões não soubesse, e por isso offendesse, duvidando d'ella, essa martyr do amor. A memoria de Natercia desperta hoje o interesse de todos; e já que o poeta fel-a immortal, como seu poema e seu nome, ella pertence-nos e devemos honral-a. E' por isso que com essas hypotheses, todas verosimeis, cumprimos o dever de restituir todo o brilho ao puro amor de Camões e 8 de Catharina. São perfumes esses de uma adoração sempre crescente e de que as almas ainda devem gozar; esses amores constantes de que foram, sem que o soubessem, o objecto, são flores derramadas na campa dos grandes poetas e de que elles em vida não sentiram a fragrancia. E tanto mais obrigados estamos todos a respeitar a lenda, quanto um cantor distincto e digno em tudo de sua fama (1) deu-lhe um novo colorido e uma grande popularidade. Todo aquelle que, lembrando-se de Catharina de Athaide, repete comsigo esses versos: Alma minha gentil que te partiste continua logo: Rosa d'amor, rosa purpurea e belle, Quem dentre os goivos te esfolhou da campa ?! (1) Garrett-Camões. CAPITULO III CAMOES NA INDIA Em 1553 partio Camões para a India. Tinha elle voltado de Ceuta, para onde partira em 1516, e d'onde trouxera em seu rosto uma honrosa cicatriz. Em 1550 alista-se para seguir para o Oriente, mas só parte tres annos depois. O que póde explicar-nos todos esses actos do poeta, essas resoluções tão ousadas e tão subitamente trocadas por outras, essa viagem para um mundo tão distante? Não se pode escrever com exacção a historia da alma do poeta. A collecção de versos que nos deixou, e nos quaes elle lançava suas impressões de momento, suas magoas e suas alegrias, não tem ordem chronologica, e não se sabe nem quando nem onde o poeta os escreveu. Era, porém, Camões uma alma que só obedecia á nobres e poderosas attracções. Algum movel honesto e desinteressado, alguma paixão de alma grande o teria por certo levado a tão distantes terras. Quem sabe se o tumulo de Catharina não tornava já para elle em um vasto deserto o paiz de sua infancia e de seus amores? Quem sabe se, desilludido do amor, não buscava elle avidamente na gloria uma felicidade que estava condemnado a não encontrar na terra? Quem sabe mesmo, como o dissemos já, se não obedecia elle a uma affinidade intima de seu genio para os lugares, o mar, e a scena da epopéa que elle queria cantar? O certo é que em 1553 partio o poeta para a India em um profundo desalento. E' elle mesmo quem o pinta em uma carta celebre. E' elle quem diz-nos que não queria que em si,, ficasse pedra sobre pedra." Medonho esboroamento de uma alma como a delle!,,E assim posto em estado, que me nam via se nam por entre lusco e fusco, as derradeiras palavras que na náo disse foram as de Scipião Africano: Ingrata patria, non possidebis ossa Dessas palavras fez-se uma accusação ao poeta, mas quem o lê o absolve. Disse-as elle, sim, mas disse-as em sua magoa, quando elle mesmo só se via atravez das sombras, que o desfallecimento lançava em seu coração. „Nam me via se nam por entre lusco e fusco." Quando, ao afastar-se da patria, Camões pronunciava baixinho essa maldição contra ella, desvendava-se-lhe já no mar o segredo de seu destino e a vasta extensão de sua gloria! A vida do poeta na India póde ser contada em bem poucas palavras. No governo de D. Affonso de Noronha, acompanhou-o o poeta em uma expedição contra o rei de Chembé. No de D. Pedro de Mascarenhas, acompanhou a expedição de Manoel de Vasconcellos, voltando em 1555 á Gôa, onde encontrou Francisco Barreto com o titulo de governador. Foi no governo deste que soffreu Camões a pena de um novo desterro, e dessa vez para a China. Qual foi o crime do poeta assim tão severamente punido? Uma satyra, um riso de escarneo de sua alma cheia de ideal diante da humilhação do nome portuguez no Oriente, que elle tanto tempo enchera ! D. Francisco Barreto, e é grande a reacção operada em seu favor, póde ter sido um militar senhor de si no perigo e um bom governador da India. Não lhe disputaremos nenhuma de suas glorias tão pobremente enterradas em um sepulcro desconhecido do deserto africano; mas D. Francisco Barreto merece bem a sentença da historia, que ligou sua fama á de Camões. O desterro do poeta para a China foi uma pena injusta e uma pena cruel. O bispo de Vizeu, tão sympathico ao juiz, condemna a sentença do modo mais eloquente:,, confesso, diz elle, que todo o bom Portuguez, ao lembrar-se do naufragio na embocadura do Mecon, deve estremecer com a idéa de que podiamos ter por este meio a desventura de não lograrmos a lição deliciosa, e os creditos que ganhamos com os Lusiadas. " Por uma satyra era o poeta condemnado, depois de tantos serviços, a atravessar os mares tormentosos da China; por uma satyra escapou elle de morrer na foz de um rio asiatico ou, o que talvez fosse o mesmo para a gloria portugueza, de ver arrebatadas pelas ondas as folhas de seu poema. |