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Grande era na verdade

crime assim tão severamente punido! Uma satyra feita contra uns fidalgos da India, e uma allegoria entre Babylonia e Sião, a saber, Gôa e Lisboa! Já, ao ver a capital do dominio portuguez no Oriente, Camões havia della escripto:,, mãi dos viloens ruins, e madrasta de homens honrados," E de facto nella só florescia o trafico, a exploração immoral do velho prestigio da metropole.

Não podia, não tinha Camões o direito de satyrisar esses,, que haviam convertido o astro do puro, nobre e desinteressado esforço portuguez em cubiça sanguinaria de mercadores?" (1) Tinha mais que o direito, tinha o dever. Em certas epochas a satyra é o ultimo refugio da intelligencia opprimida: Roma explica, e, o que mais é, exige Juvenal.

Um dos espiritos mais athenienses deste seculo, cujo destino parece ter-se unido, como o de Camões, á desgraça da patria, (2) escreveu allu'dindo transparentemente ao segundo imperio: viram-se tempos tão desgraçados, em que o sorriso de um homem de bem era a unica voz deixada á consciencia publica. "

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Desterrado para a China, foi Macau o lugar de seu exilio. Ahi dizem que exerceu elle um cargo de justiça, provedor dos defuntos.

Foi no isolamento de Macau - no silencio da gruta de Patane - apenas quebrado pelo ruido

(1) A. Herculano. Annaes de D. João III. Introducção.
(2) Prevost-Paradol.

monotono do mar, que Luiz de Camões escreveu a maior parte de seu poema. Nada naquelles sitios lhe fallava da patria, e por isso tanto mais se lhe gravava na mente a imagem della. Quem vive fóra de seu paiz, muitas vezes o esquece, se encontra uma hospitalidade tão franca como a da familia, se vive no seio da mesma civilisação, e sobretudo se descobre o amor; mas quem vive, por assim dizer, em outro mundo, 'separado por centenas de leguas do seu, coberto de monumentos de idades passadas, e de uma população diversa em tudo da do Occidente, em côr, religião, costumes, lingua, idéas e sentimentos, quem vive assim tão longe da patria é um desterrado que não a esquece nunca. Na solidão da costa da China o poeta revolvia na memoria as lembranças de sua mocidade, tão cedo consumida! aquella pura e ideal creação de Deus e de seu genio, Catharina, elle buscava vêl-a no espirito alongando os olhos pelo mar.

Foi então que, elevando sua alma acima das sombras do desterro, Camões compoz os Lusiadas. De volta a Gôa, naufragou na embocadura do Mekong.

Quem não tem visto o quadro do naufragio de Camões? A legenda consagrou a tradição popular.

No meio das ondas o poeta salva com temeraria audacia as folhas dos Lusiadas, para poder depois escrever com a mais palpitante eloquencia:

<< Este receberá placido e brando
No seu regaço os cantos, que molhados
Vêm do naufragio triste e miserando
Dos procellosos baixos escapados,
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
N'aquelle, cuja lyra sonorosa
Será mais afamada que ditosa. »

Chegando a Gôa depois de tantos soffrimentos, ainda é Camões lançado em um carcere, de que o livra o conde de Redondo.

Dé Gôa partiu elle com Pedro Barreto para Sofala, mas, parando em Moçambique, a náo Santa Clara tomou o para leval-o ao reino.

Alguns amigos de que a historia conserva os nomes pagaram por elle a Pedro Barreto os duzentos cruzados que esse falso amigo exigia do poeta para deixal-o partir. Foram elles Heitor da Silveira, D. João Pereira, D. Pedro da Guerra, Ayres de Souza, Manoel de Mello, Antonio Cabral, Luiz da Veiga, Duarte de Abreu, Gaspar de Brito, Fernão Gomes, Lourenço Pegado, Antonio Ferrão e Diogo do Coito. (1)

Assim voltava á patria dezeseis annos depois de a haver deixado o immortal cantor. Era outro o paiz que elle vinha achar, mas outro tambem volvia elle. Os mais bellos anaos de sua vida consumiram-nos as perseguições e as dores do coração.

Sob a acção lenta de tão diversas causas havia se transformado a natureza ardente do poeta. Uma constante melancolia se apossára dele.

Era a sombra do moço que partira, qué voltava ao reino para chorar no tumulo de Catharina, e ver em um momento resplandecer e apagar-se o brilho da patria. Nenhuma viagem foi mais longa e mais cheia de anciedade do que essa A náo corria veloz, ventos brandos impelliam-na nas ondas, mas a imaginação do poeta era mais rapida que os ventos.

(1) V. de Jur. Tomo I pag. 93.

Bem póde affirmar-se, diz eloquentemente D. Francisco Lobo, que nunca surcou as aguas de Portugal um vaso com carregação mais rica de fama e gloria para a gente lusitana." Assim, nem a náo que levára Vasco do Gama á India fôra mais gloriosa que essa que trazia Camões e os Lusiadas! Era o navio que conduzia o novo Virgilio, e ao qual Portugal, como outr'ora Horacio, pedia que lhe trouxesse incolume a outra metade de sua alma:

«Et serves animæ dimidium meæ. »

Dous annos depois de chegar ao reino, Camões publicou o seu poema. Contam-se hoje tres seculos.

Ao avistarmos, como uma cidade sagrada, esse grande monumento de nossa raça e de nossa lingua, esqueçamos por um momento as lagrimas que elle custou. O soffrimento está na origem de todas as grandes coisas; mas, se elle foi grande, tambem foi o preço de uma gloria incomparavel. Estamos em frente dos Lusiadas.

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