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BREVE NOTA

ÁCERCA DE D. FR. BALTHAZAR LIMPO, BISPO DO PORTO, HUM DOS PRELADOS DO CONCILIO DE TRENTO,

E DA PARTE QUE O MESMO BISPO, A INSTANCIAS
DE EL-REI DE PORTUGAL, TOMOU NO ESTABELECIMENTO
DA INQUISIÇÃO EM PORTUGAL

D. Fr. Balthazar Limpo, Bispo do Porto, foi mandado por el-Rei ao Concilio de Trento, cuja primeira sessão foi a 13 de Dezembro de 1545. Desde este anno até o de 1549 não ha memoria delle no seu Bispado. A primeira vez que se achou no Concilio foi em 13 de Janeiro de 1547. Seguio o Concilio para Bolonha. Veio a Roma e delle diz Cunha:

«O P. Fr. Jorge de S. Thiago, da Sagrada Ordem dos Prégadores, hum dos Theologos, que el-Rei mandou ao Concilio, e fez depois Bispo de Angra, lhe intimou quam necessaria era sua presença em Roma (donde elle voltava) para ajudar a Balthazar de Faria, que servia de embaixador na pretenção do Tribunal do Santo Officio para este reino, em que trabalhava muito, e alcançava pouco. O mesmo lhe persuadia por Carta sua tambem de Roma o Dr. Gaspar Barreiros. Emfim houve o Bispo de partir-se a Roma, onde teve tanta liberdade em avisar ao Summo Pontifice Paulo III do que convinha a bem do Concilio, e felicidade no negociar o Tribunal da Santa Inquisição, que

a elle particularmente se devem todos os bens, que d'aqui pelos tempos adiante se forão seguindo.

« Não queremos dizer que pela industria deste grande Prelado se concedeo pela Sé Apostolica a primeira vez este Sagrado Tribunal; porque já a concessão estava feita, quando elle chegou a Roma, porém com clausula, que ou nos primeiros cinco annos se não procedesse contra os Christãos novos, ou elles se poderem sahir do reino dentro de hum anno para terras de Principes Christãos, qual destas duas mais quizessem: no que el-Rei D. João III por nenhum caso vinha, offerecendo a Sua Santidade, que antes perdoaria aos culpados nos dez annos a confiscação de seus bens, que deixar-se de proceder nos cinco annos contra elles, ou dar-lhes licença para sahirem do reino; porque em huma e outra cousa pretendião só viver com liberdade, e tornar outra vez ao judaismo. Neste estado andava o negocio, quando o Bispo o tomou entre mãos: o modo que nelle teve contará melhor Gaspar Barreiros na Carta que sobre estas materias escreveo a el-Rei D. João III em 22 de Outubro de 1547. Communicouno-la da Torre do Tombo o Licenciado Gaspar Alvares Lousada em 30 de Maio de 1625; mas como he larga e trata outros negocios, poremos della só o que pertence ao nosso Bispo.

« Vindo o recado de V. A. de como não queria acceitar a Inquisição da maneira que o sollicitador de Balthazar de Faria a levou, suspendeo a partida deste cavalheiro Ugolino, e o Papa se partio para as terras da Igreja, com que se não pôde negociar cousa alguma: pelo que Fr. Jorge de S. Thiago se partio de Peroza para Bolonha, e lá avisou ao Bispo do Porto dos mãos termos, em que estavão estas cousas da Inquisição, e do desgosto, que V. A. por isso tinha, o que eu tambem escrevi ao dito Bispo e lhe disse quam necessario me parecia dar cá huma chegada, maiormente pois o Concilio de Bolonha não era tão

importante, que delle se não podesse ausentar quinze dias, ou vinte. O que o Bispo do Porto logo fez, e crêa V. A. que o trouxe Deos a esta corte, porque do dia que chegou a dous dias foi fallar ao Papa, o qual the fez muito gazalhado e honra, mas o Bispo lhe fallou primeiro no Concilio com tanta liberdade e ousadia, misturada com tanta prudencia, que o Papa ficou attonito por não ter as orelhas acostumadas a semelhantes liberdades de fallar das cousas do Concilio. Desceo ás da Inquisição, e lhe representou a perda das almas de tantos meninos e mancebos Christãos novos, que de Portugal se vinham circumcidar a Italia, parte dos quaes elle vira em Veneza, e lhe constava haver muitos em Ferrara e Ancona, e n'outros lugares da Italia, e nas terras da Igreja, lembrando-lhe quam catholico era V. A., e os serviços que elle e seus antecessores tinhão feito a Deos em Africa e na India, onde havia tão poucos dias, que por sua industria se bautisárão tantos milhares de almas de infieis, e de como V. A. não tinha nisto outro interesse da fazenda dos Christãos novos mais que zêlo da salvação de suas almas; e que olhasse S. S. em quam mãos tempos queria escandalisar hum tão virtuoso Rei, que tanto merecia ser tratado de S. S. de outra maneira, fallando tambem do Cardeal, e nos trabalhos em que se quizera metter, por servir a Deos, e que se lembrasse S. S. que da perdição de todas estas almas havia de dar conta a Deos, que elle viera do Concilio aqui a descarregar sua consciencia, assim ácerca destas cousas, como do dito Concilio.

E como o Bispo trazia bom zêlo recresceo-lhe tanto a indignação nesta pratica, que tomou a Balthazar de Faria por testemunha, que presente estava, perante o qual The disse que o havia por citado para diante de Deos, para S. S. dar conta assim destas cousas do Concilio, e Inquisição, como das que se seguissem destes escandalos, que queria fazer a el-Rei, porque tinha por sem duvida não

os haver V. A. de consentir, e que tinha letrados, que lhe aconselhavão, que com boa consciencia podia prover em cousa tão justa, e de tanto serviço a Deos, quando S. S. não quizesse a isto condescender. Dizendo-lhe mais que se S. S. não pozesse Inquisição em Roma, e em toda Italia, que segundo as cousas hião de mal em peor, Deos havia permittir a destruição de Italia, como permittio a de Jerusalem e dos Gregos, por suas dissoluções e peccados incorregiveis, porque notorio era estar Italia cheia de Judeos, que primeiro forão Christãos, e de Lutheranos, e de outras heresias peores, notorias a todo o mundo, as quaes S. S. não queria mandar castigar, nem o deixava fazer aos Cardeaes, que para isso deputou em Italia.

<< Dizendo mais que o Concilio da maneira que se fazia, importaria pouco que se lembrasse S. S. do nome que Innocencio III cá deixou, e de outros Santos Pontifices, que tanto trabalhárão pela reformação da Igreja. Finalmente que a pratica foi tal, e tão larga que o Papa ficou mui atalhado, e disse ao Bispo, que era «rara avis» e que lhe agradecia muito todas aquellas lembranças, dando-lhe muitas vezes agradecimentos por ellas, e lhe prometteo que elle faria em todas as cousas em que lhe fallára, o que fosse rasão, mandando-lhe que desse informação de tudo o que lhe dissera ao Cardeal Crecencio, ao qual logo o dito Bispo foi, e com a mesma liberdade, com que foi ao Papa, o reprehendeo pelos favores que fazia a esta gente, dizendo que Deos o havia de destruir, porque elle era o que impedia estes despachos, e muito bem o sabia el-Rei nosso Senhor, fazendo-lhe lembrança do officio que tinha, e da morte do Cardeal Ardinelo e Sadoleto, que tão pouco havia que morrêrão; que se guardassem de hum açoute de Deos com outras cousas mais, que seria hum grande processo escrever a V. A., com que logo começárão estas cousas

hir em melhoria, e pouco a pouco lhe foi o Bispo tirando pontos, que juntos fôra difficultoso: convem a saber, tirou-lhe que a Inquisição fosse sem clausula de se poderem os Christãos novos sahir do reino, e depois lhe tirou outro, que se procedesse logo; porque lhe davão a escolher de duas cousas huma, ou que d'aqui a cinco annos se procedesse, como de antes, ou que em hum anno se não procedesse na Inquisição. A todos estes pontos o Bispo sahio, escreveo ao Papa, e a Farnés muitas vezes, e a Crecencio, e debateo ácerca dellas assás, dizendo ao Papa, que lhe mandasse dar Cardeaes letrados e audiencia publica, e que sustentaria quam mãos despachos estes erão, com que lhe tirárão o anno em que se não havia de proceder, e dos cinco tirárão tres, ficando dous annos nos quaes se procedesse como in caeteris criminalibus.

« Não se contentou o Bispo com isso; mas tornou outra vez ao Papa, e disse por derradeiro a Farnés e a Crecencio, que se não havia de sofrer querer S. S. fazer muito bem os seus negocios e haver as rendas de D. Miguel, e que a Inquisição ficasse por despachar conforme a vontade de V. A.: que os desenganava, que não havia V. A. mandar dar a posse; e assim o disse a Farnés, que se elle em Portugal queria ter bom despacho do seu conselho, despachasse bem este negocio, aliás, que lhe não succederia bem, até que vespera de todos os Santos, por final resolução, lhe mandou o Papa dizer, que se fizesse tudo o que elle quizesse » ... &c.

O mesmo Bispo, em Carta sua a el-Rei, diz que dissera ao Papa na ultima despedida, entre outras cousas que não são do nosso assumpto, estas palavras:

«Que esperança se terá de reformação em tempo, que sendo V. S. informado por outras pessoas e por mim da grande quantidade de almas que por muitos annos forão Christãos em Portugal, agora estão judaizando, circumci

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