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APOLOGIA

DE EL-REI D. SANCHO I DE PORTUGAL,
EM CONTRAPOSIÇÃO

DE HUMA CARTA QUE LHE ESCREVEO O PAPA

INNOCENCIO III

POR ANTONIO PEREIRA DE FIGUEIREDO

APOLOGIA

DE EL-REI D. SANCHO I DE PORTUGAL, EM CONTRAPOSIÇÃO DE HUMA CARTA QUE LHE ESCREVEO

O PAPA INNOCENCIO III,

POR ANTONIO PEREIRA DE FIGUEIREDO

El-Rei D. Sancho I do nome, e o segundo na ordem dos nossos Reis, está commummente reputado por hum dos nossos Soberanos, que mais se distinguirão no valor, na piedade, na liberalidade, no prestimo para com os subditos, e para com o reino todo. Elle com a conquista de Silves e de Alvôr adquirio para si e seus successores o titulo de Rei do Algarve, sendo o primeiro que delle usou. Elle tendo dado a cidade de Idanha aos Cavalleiros Templarios, fundou de novo a cidade da Guarda, e transferio para ella a Cadeira Episcopal da Idanha. Elle conhecendo a utilidade que o reino percebia de outras Ordens Militares, deo aos Cavalleiros da Ordem de S. Thiago as villas de Alcacer, Palmella, Almada e Arruda: aos da Freiria de Evora as villas de Alpedriz e Alcanede, promettendo-lhes tambem Juromenha, se Deos fosse servido ajudal-o a recobrar esta villa do poder dos Mouros. Elle povoou a grande villa da Covilhãa, e admittio no reino para a população de outras, hum grande bando de Francezes, que para isso se lhe vierão offerecer. Elle confirmou ao mosteiro de Alcobaça todas as doações e privile

gios, que el-Rei D. Affonso seu pai lhe tinha outorgado. Elle supplicou ao Papa Urbano III que tomasse debaixo da sua especial protecção o outro insigne mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Elle assignou particulares rendas aos Conegos do mesmo mosteiro para a sua vestiaria, para o seu refeitorio, e para a sua enfermaria. Elle em seu testamento deixou pingues legados a todas as Cathedraes do reino, Ordens Militares e Ordens Monasticas. Finalmente, em o fazer pai de tres Infantas Santissimas, quaes fôrão Santa Thereza, Rainha de Leão, Santa Sancha, Senhora de Alemquer, e a Beata Mafalda, Rainha de Castella, mostrou o ceo ser el-Rei D. Sancho I hum Principe de sua particular escolha, hum Principe abençoado por Deos.

Entretanto, se estivermos por huma Carta, que a este mesmo Rei escreveo o Papa Innocencio III, no xiv anno do seu pontificado, e ultimo do reinado daquelle Principe, que foi o anno de Christo de 1211, a qual na edição de Baluze he a outava do livro XIV: se estivermos, digo, por esta Carta, todo o bom conceito que as acções acima apontadas tinhão excitado em nós a favor de el-Rei D. Sancho I, se trocará nas mais feias idéas contra elle, de sorte que se até ali o tinhamos por hum Principe optimo, e como tal de recommendavel memoria, agora o devamos reputar por hum não só impio, mas pessimo Soberano, que na iniquidade não tem parceiro.

Posto nestas escabrosas circumstancias, em que parece forçoso, ou desmentir hum Summo Pontifice, tão letrado que de suas decisões se formou a maior e melhor parte do direito canonico; ou qualificar de sobremaneira irreligioso hum Rei, que entre nós sempre passou por hum dos mais benemeritos da nação Portugueza: que meio poderei eu seguir, que não seja não só desagradavel, mas ainda perigoso?

Porém n'outro tempo seria racionavel o meu receio; não no presente, em que os serios estudos do direito pu

blico universal tem demarcado tão exactamente os limites dos dous poderes ecclesiastico e secular, que se algum ainda hoje vacilla nesta materia he por puro effeito das nossas inveteradas prevenções: não no presente, torno a dizer, em que a frequente lição da historia antiga nos está fazendo ver, como ainda nos seculos, em que a mais profunda ignorancia tyrannisava todos os Estados da Europa, sabião os Principes cohibir valerosamente com a espada material da sua auctoridade todo o abuso da espiritual; e longe de obedecerem cegamente a quaesquer mandatos pontificios, resistião com illuminado zêlo a todos os que pugnavão com a sua real soberana independencia. Tão claras como isto erão as idéas, que sobre os limites de hum e outro poder inspirava em todos os tempos a boa razão!

A Carta de Innocencio para o nosso Rei, no texto latino, começa por estas palavras Si tu diligenter attenderes, e vertida em portuguez diz assim:

«Se Vossa Magestade bem considerára, como devia, que quando se offende a Espoza daquelle, que o elevou ao throno do reino, incorria tambem na indignação do mesmo Espozo; he sem duvida, que não aggravaria a Igreja que tem por Espozo a Christo, nem os seus Ministros, nem sujeitaria as mesmas Igrejas á escravidão de lhe pagarem tributo, temendo justamente, que por este crime de ingratidão não reduza o Senhor a Vossa Magestade ao estado de servo, e o torne a entregar ás mãos do antigo tyranno; porque Vossa Magestade não deve ser oppressor das Igrejas, mas defensor dellas, como quem recebeo de Deos a espada para castigar os malfeitores e premiar os bons.

« Porém Vossa Magestade, segundo por escripto nos informou nosso veneravel irmão o Bispo de Coimbra, sem attender a nada disto, como convinha, esquecido da sua salvação e honra, e sem respeito ao Redemptor, intro

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