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DISCURSO APOLOGETICO

FEITO A FAVOR DE EL-REI D. SANCHO II DE PORTUGAL NO CONCILIO DE LEÃO DE FRANÇA, EM 1245

ADVERTENCIA

O seguinte discurso foi feito pelo Bispo de Lisboa D. Ayres Vaz em presença do Santo Padre Innocencio IV, no Concilio de Leão de França, anno de 1245, quando ahi se tratava de tirar a el-Rei D. Sancho II o governo de Portugal.

Pareceo-nos digno, não só de se conservar em memoria, mas tambem de se incorporar na historia daquelle infeliz Principe. D. Rodrigo da Cunha o traz na Historia dos Bispos de Lisboa, part. 2.a, cap. 45.o, donde o copiou Jorge Cardoso no Agiologio Lusitano, Comment. ao dia 4 de Janeiro, e nós o passámos a este papel, estando na Serra de Ossa, aos 4 de Abril de 1832.

DISCURSO APOLOGETICO

FEITO A FAVOR DE EL-REI D. SANCHO II DE PORTUGAL NO CONCILIO DE LEÃO DE FRANÇA, EM 1245

Não se pode negar, Santissimo Padre e Senado Sapientissimo, que são grandes os males que padece o reino de Portugal; mas nunca confessarei são tantos, que hajão de obrigar a tão nobres e leaes vassallos, como os Portuguezes, intentarem huma tão exorbitante novidade. Pedem que, em lugar de seu Rei, os governe o Conde de Bolonha seu irmão, como se o Rei, ou pela idade, ou pelo juizo, ou pela prudencia e zêlo de seus vassallos, não fôra para isso.

Está nosso Rei D. Sancho, o II deste nome, na idade varonil, no melhor de seus annos: tem presença, tem disposição, tem magestade digna de Rei. A piedade e respeito com que abraça e venera todas as cousas que pertencem á Religião, he invencivel. Escassamente tinha seis mezes de reinado, quando com tantos gastos de sua real fazenda mandou dar satisfação ao Arcebispo de Braga D. Estevão da Silva, que nunca em tempo de seu pai D. Affonso pôde haver, por mais que o apertavão os Summos Pontifices com censuras. Concertou-se com as Infantas suas tias, e de maneira que ellas se derão por

contentes, e a Sé Apostolica, a que recorrêrão, por satisfeita.

Que direi, Padre Beatissimo, da liberalidade que el-Rei D. Sancho tem usado atégora com a Igreja? Grandes forão neste particular seus antepassados. O Conde D. Henrique seu tresavô, el-Rei D. Affonso seu bisavô, seu avô D. Sancho, e seu pai D. Affonso II do nome, muitas igrejas fundárão, muitos mosteiros, muitos hospitaes, muitas cazas de piedade: mas se quizermos computar os annos de seu governo, e fazer comparação com os do Rei que hoje nos governa, porventura o julgaremos a elle por superior a todos neste particular.

E começando, Beatissimo Padre, pelas Religiões da Trindade, S. Domingos e S. Francisco, acharemos que, se bem entrárão em nosso reino, vivendo ainda seu pai el-Rei D. Affonso, todavia assim vivêrão encantoados e pobres, que mais parecia estavão em cazas alheias, que nas proprias. Elle lhe fundou a huns e a outros conventos, que pelos edificios promettem estabilidade perpetua, e pelo amor e benevolencia com que os trata, e a seu exemplo, seus vassallos, grandissimos acrescentamentos. Fundação sua he, quanto à grandeza em que hoje está, ás rendas de que vive e fóros de que goza, o mosteiro da Trindade, da villa de Santarem, que nestes poucos annos resgatou de terra de Mouros grande numero de Christãos, com esmolas de el-Rei D. Sancho. Tambem he obra sua o mosteiro de S. Domingos, da mesma villa de Santarem, o de Lisboa, o do Porto, e pelo favor e esmolas que lhe dá, persevera o de Coimbra, e o de Guimarães, da mesma Ordem. O mesmo digo, Beatissimo Padre, dos mosteiros dos frades menores, que já achou fundados, e agora vai de novo fundando.

Escassamente se achará igreja em seu reino, cujos calices, cujos ornamentos não sejão dadiva de el-Rei D. Sancho. Quanto podéra contar fez á Igreja de Braga, á de

Lisboa, á do Porto e de Coimbra, á de Lamego e de Viseo, á da Guarda, que por ser tão nova, ama e estima mais particularmente! Quaes são os privilegios por que nos respeitão aos ecclesiasticos os seculares? Quaes são as rendas de que vivemos, senão as que deo ou confirmou este poderoso Rei? Quantas cidades, quantas villas e fortalezas desmembrou de sua real corôa, para as sometter á jurisdicção da Igreja? Se aqui tivera presentes aos Cavalleiros da Ordem de S. Thiago, elles testificarão como além de lhes confirmar todas as terras que, dos Reis passados houverão, lhes dera de novo as villas de Aljustrel, Alfaiar de Pena, Mertola, Ayamonte, que todas são nobilissimas no reino de Portugal. Calo a de Marichal, que doou á Igreja do Porto; a de Arronches, de que fez mercê ao mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, e outras que seria largo referir.

No zêlo de acrescentar seu reino e de dilatar sua corôa pelas terras inimigas teria de seus avós quem o igualasse, mas não quem o vencesse. Elle foi o que tomou Elvas aos Mouros, e destruio sua comarca. Elle o que por Alemtejo restituio villas, que já erão perdidas, e acquirio outras, que obedecião aos Reis infieis de Sevilha. Elle o que maior guerra fez aos Mouros do Algarve, o que lhe matou mais gente, e occupou maior numero de fortalezas, e isto, não vivendo ocioso em sua côrte, senão meneando as armas, governando os exercitos, entrando nas batalhas, e fazendo per sua lança e espada proezas, em que os vindouros tenhão muito que imitar.

Nada disto, Beatissimo Padre, poderão negar os que diante de vossa presença o desacreditão; nem com razão o podem chamar auctor dos males que contão, porque logo que delle são entendidos são remediados. A bondade de sua condição, a facilidade de seu trato, fez que homens malignos e perversos se apoderassem delle, e sem consentimento ou noticia sua commettessem as exorbitan

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