pretendentes, até que a Igreja decidisse qual tinha o melhor direito. O mesmo rumo foi seguido por Aragão. Era isto em 1379. No anno seguinte porém de 1380, reinando já em Castella D. João I, veio a Hespanha D. Pedro de Luna, Legado de Clemente VII, e avistando-se com Tenorio em Medina del Campo, allegou tão efficazmente os direitos de Clemente, que Tenorio fez segunda junta de ecclesiasticos e letrados para novamente se tratar e resolver o ponto, e passando elle mesmo pessoalmente a Salamanca, ahi se decidio no claustro pleno daquellas escolas, que o verdadeiro Papa era Clemente VII, ficando este tão reconhecido e obrigado do zêlo do Arcebispo de Toledo, quanto Urbano VI queixoso e agastado. Na guerra civil entre el-Rei D. Pedro, o Cruel, e seu irmão D. Henrique, Conde de Trastamara, diz o mesmo auctor Castelhano, que D. Pedro Tenorio seguira as partes de D. Henrique, e que sendo aprizionado na batalha de Naxera, escapára á crueldade de D. Pedro, por ter sido prizioneiro dos Inglezes, que o não quizerão entregar ao Rei. Diz mais, que alguns lhe attribuirão a lembrança de se abolir o uso de contar os tempos pela era Hespanhola, e de se lhe substituir a do nascimento do Senhor, mudança que effectivamente executou D. João I. Rei de Castella, nas Côrtes de Segovia, em 1383. Nas guerras, que houve entre Castella e Portugal por morte de el-Rei D. Fernando, seguio Tenorio com grande zélo e constancia as partes de Castella, e foi hum dos que mais influirão para a concordia do Principe Castelhano com o Duque de Lancastre. Teve sempre muita mão no governo de Castella, e fez grande figura nas desavenças e controversias, que naquelles reinos se suscitarão pela menoridade, e acerca da tutoria de D. Henrique III, que por morte de seu pai D. João 1, em 1390, ficára de onze annos. As variedades dos tempos e da fortuna lhe trouxerão então pezados desgostos, e até a prizão, tendo não pequena parte nisto o Arcebispo de S. Thiago, D. João Garcia Manrique, perpetuo e irreconciliavel émulo e competidor de Tenorio. Em 1393, tomando el-Rei D. Henrique III o governo, por haver concluido o tempo da sua menoridade, teve D. Pedro Tenorio artes para tornar a entrar no valimento; e tanto nisto trabalhou, que o Arcebispo de S. Thiago chegou a desnaturalizar-se do reino, sob pretexto de que a sua consciencia lhe não consentia obedecer ao Papa de Avinhão; e deixando Castella, veio para Portugal, aonde foi administrador perpetuo dos Bispados de Coimbra e Tuy. Tenorio continuou na sua dignidade de Arcebispo de Toledo, e nella veio a fallecer em 1399 com vinte e tres annos de arcebispado. Delle diz o já citado auctor Castelhano,que era gran cabeça, e hum dos maiores Prelados, que tem presidido áquella Igreja. Foi Tenorio muito amigo de obras de publica utilidade, e nisto deo bem a conhecer o seu zêlo, a sua intelligencia, e a grandeza do seu animo. Foi fundação sua a claustra da Cathedral de Toledo, e reedificou na mesma cidade o castello chamado de S. Servando, hoje destruido. Fez a ponte de S. Martinho de Toledo, derribada nas guerras civis. Ampliou o convento dos Padres Mercenarios, e a sua igreja de Santa Catharina. Fabricou alguns castellos e fortes na fronteira do reino de Granada. Fundou a povoação, chamada Villafranca, e ao pé della a famosa ponte, que se ficou denominando ponte do Arcebispo. Finalmente fundou ainda outras obras, todas em beneficio publico, e por ultimo a capella de S. Braz junto ao claustro da Cathedral, aonde quiz ter o seu jazigo. Em frente do altar principal desta capella ha dous sepulcros de marmore, com figuras em habito episcopal, relevadas sobre as caixas dos tumulos. O do lado direito he o de Tenorio, seu fundador, e tem em volta, em letra do tempo, este letreiro: « Aqui yace D. Pero Tenorio, Arzobispo de Toledo, Primado de las Españas, Chanciller mayor de Castilla, cuya anima Dios haya. Fallesció dia de Sanctispiritus, año de nuestro señor Salvador Jesu-Christo de mil trescientos noventa y nueve annos. » Em baixo: « Feran Gonzales Pintor e Entallador... » Na torre da ponte de S. Martinho de Toledo, que acima dissemos, fundada por Tenorio, gravou-se esta inscripção: « Pontem, cujus ruinae in declivi alveo proxime visuntur, fluminis inundatione, quae anno Dni. MCCIII. super ipsum excrevit, dirutum Toletani in hoc loco aedificaverunt. Imbecilla hominum consilia! Quem jam amnis laedere non poterat, Petro, et Henrico fratribus pro regno contendentibus, interruptum P. Tenorius Archiep. Tole. reparandum. C. » Noticia de D. Domingos Annes Jardo, Bispo de Evora e de Lisboa, Chanceller de el-Rei D. Diniz Este varão illustre foi natural de Jarda, pequeno lugar da freguezia de Bellas, termo de Cintra, filho de pais humildes e pobres; e pelo que se pode conjecturar da sua chronologia, seguida pelos nossos escriptores, e conforme com alguns documentos authenticos, parece que nasceria pelos annos de 1230, pouco mais ou menos. De idade de quatorze annos (dizem os mesmos escriptores) sahio de casa de seus pais a buscar fortuna, e hindo dar a Pariz, se accommodou em casa de hum estudante Portuguez, que lá frequentava os estudos. Na quella celebre Universidade seguio as lições de Theologia e Direito Canonico, e depois de dez annos, em que concluio a carreira dos estudos ordinarios com credito dos seus talentos, tendo já vinte e quatro de idade, ordenou-se clerigo, e voltou a Portugal, aonde obteve uma conezia na Sé de Evora; e dizem os escriptores Portuguezes que el-Rei D. Affonso III, inteirado da sua capacidade e saber, o fizera seu Capellão, e depois o admittira ao seu conselho, dignando-se de lhe dar demonstrações de particular estima e benevolencia. No anno de 1272 o apresentou e recommendou el-Rei ao Cabido da Sé de Braga, para lhe conferir, como effectivamente conferio, em commenda, a igreja de Mugadouro, como consta do documento, copiado por integra nas Dissertações Chronologicas e Criticas do Sr. João Pedro Ribeiro, tom. 3.o, part. 2.a, pag. 78, num. 27, aonde se nomea Dominicum Johannis, dictum Jardum, canonicum Eborensem, Domingos Annes, appellidado Jardo, Conego em Evora: e achâmos, em memoria particular, que em hum documento do anno de 1279 se denomina Clerigo de el-Rei, o que póde significar Secretario de el-Rei, ou empregado no expediente do seu despacho, e em notar ou escrever os diplomas reaes, segundo a opinião do auctor do Elucidario, v. Clerigo de el-Rei. No mesmo anno de 1279 falleceo el-Rei D. Affonso III, e subio ao throno seu filho o grande Rei D. Diniz, em cuja chancellaria, no Real Arquivo da Torre do Tombo, liv. 1.o, fol. 34, col. 2.a, se acha huma nota, que diz «In era supradicta, videlicet, in era 1319 (anno de Christo 1281), sabbato, 19 die Julii, inter oram none et vespere, restituta fuere sigilla Domini Regis Dionisii Dominico Johannis suo cancellario per eundem Dominum ». Esta nota, em que achamos a entrega dos sellos a D. Domingos designada pela palavra restituição, e se menciona com tão particular individuação o anno, mez, dia e hora, em que se fez este acto, parece querer inculcar alguma circumstancia particularissima, ou por ventura o interesse que o publico tomaria no acontecimento; mas não nos foi possivel fazer a este respeito algum seguro juizo. Por lei de 26 de Dezembro da era 1321 (anno de 1283) revogou el-Rei D. Diniz todas as doações vitalicias, que havia feito desde o principio do seu reinado até à data da lei. E como D. Domingos entendesse por isto, que ficava revogada a chancellaria que el-Rei lhe dera em sua vida, declarou el-Rei por Carta de 15 de Janeiro da era 1322 (anno 1284) que como seu entendimento non fosse, nem era revogar-lhe essa chancellaria, de como a ante tinha; por tolher essa duvida, lhe dá de novo por em toda ssa vida essa chancellaria, assi como lha ante dera, por muito serviço (diz el-Rei) que fez a meu padre, e fez, e faz a mim, e dou-lha com aquelles prestamos, que ssom da chancellaria, e con na herdade da requeyxada, e con na outra que jaz cabo della, e con nos maravedis, que a mim an de dar pola entrega dos cartellos, assy como estas cousas tynha Steve eanes, que foy chanceler de meu padre ». Nesta Carta Regia, que se acha no Real Arquivo, liv. 4.o da Chancellaria de el-Rei D. Diniz, fol. 92, col. 2.a, e que he como vimos do anno de 1284, já el-Rei chama a D. Domingos Johanes, Eleyto de Lisboa, seu Chanceller, &c. Mas em outra Carta passada pelo mesmo D. Domingos em Lisboa a 18 de Julho da era 1324 (anno de 1286) ainda elle mesmo se diz Bispo de Evora, Chanceller de el-Rei, &c. (Nova Malta Portugueza, tom. 2.o, pag. 268.) Não sabemos a razão que houve para se demorar tanto tempo a translação de D. Domingos de Evora para Lisboa. Mas parece que este facto faz verosimil o que lemos nos nossos escriptores, a saber, que vagando a Sé de Lisboa por fallecimento do Bispo D. Estevão Annes de Vasconcellos, houvera divisão no Cabido, elegendo huns a |