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Pois digo-vos, que só se a minha Aldonsa
Fôr de contrario voto, o meu dinheiro
Servirá para as barbaras ideias,

De que prenhes trazeis essas cabeças.
Aprigio. Aldonsa, minha Aldonsa, que nos dizes?
Aldonsa. Eu digo, que me louvo no teu voto.
Gil. Falla, formosa Aldonsa, tu bem sabes
Quaes são as leis e regras do Theatro.
Aldonsa. Não acceito a lisonja; porém digo,
Q'emfim approvo quanto tu votaste.
Aprigio. Eu que tenho dous votos, digo o mesmo.
Arthur. Acabou-se a questão; vivamos todos.
Aprigio. Agora, amigo Gil, que obra faremos?
Gil. Eu tenho varios Dramas traduzidos

De Sophocles, d'Euripedes, Terencio. (282) Aprigio. Nada de grego, nada: fóra, fóra:

Gil.

Aprigio.

Gil.

Aprigio.

Gil.

Sempre te ouvi dizer, que elles não tinham
Os lances amorosos de que gosta
O povo portuguez.

Queres a Castro

Deus me livre!

Tragedia do Ferreira ?

Amigo Gil Leinel, eu desejava
Um drama teu: conheço nesses olhos
A suave ternura de teus versos.
Pois, amigo, encetêmos o Theatro
Com a minha Iphigenia.

Bello nome!
Isso é que eu chamo titulo arrogante;
E que em vermelhas lettras, nas esquinas
Ha de pescar curiosos a cardumes.
Repartam-se os papeis; vamos a isso.
Iphigenia, será Aldonsa bella.

Aldonsa. É extenso o papel?

Gil.

Não; é pequeno.
O senhor Jofre seja Achilles: seja...

Arthur. Espere; tenha mão, senhor Poeta;
Veja como reparte essas garrochas,
O primeiro Galan a mim me toca.
Não pode ser Galan; ha de ser Barbas.

Gil.

Arthur. Eu Barbas! Eu que empresto o meu dinheiro? E que tem o dinheiro co'a figura ?

Gil.

Um velho nunca póde ser mancebo.

Arthur. Senhor Poeta Gil, faça-me graça,
E ponha-se na rua.

Aprigio.

(Levantam-se todos.)

Arthur....amigo..

Onde está a prudencia desses annos?

Arthur. Quaes annos. Antes que todo es mi Dama:
Aldonsa, não a largo; tenho dito.
Que tal, senhora Aldonsa?

Jofre.
Aldonsa.

Escuta, Jofre. Branca. Senhor Arthur Bigodes, não se engrile; Será o que quizer: quer ser Achilles? Arnaldo amigo, vamo-nos çafando,

Braz.

Que isto não pára aqui.

Arnaldo.

É gente douda.

(Vão-se os dous.)

Scena VII

Aprigio. Oh! paz, serena paz! Que nos deixaste,
E abrindo as brancas azas te sumiste!
Inspira-me palavras com que possa

O velho socegar encarniçado.

Amigo Arthur Bigodes, que me perdes! Arthur. Queria o Doutor Gil, esse barbicas, Poeta bordalengo, defraudar-me

D'ametade de mim: Fóra c'o talho! Inigo. Jofre amigo, despede-te de Aldonsa. Amigo Aprigio Fafes, eu attendo

Gil.

Ao respeito devido á tua casa;

Por isso não respondo a taes injurias.
Arthur. Adeus senhor Poeta; faça versos
As moças do seu bairro; não se metta
A padre cura de outra freguezia.
Senhor Arthur Bigodes, fallaremos.

Gil.

(Vae-se.)

Scena VIII

Arthur. Amigo Aprigio Fafes, de Theatro
Bem te podes deixar; assás nos bastam
Os Theatros, que temos em Lisboa:
Nem tudo ha de ser Operas ou Comedia.
Eu caso com Aldonsa, e doto Branca :
O noivo, lá o busca; pois conheces
Os bonifrates de chapeu pequeno,
De rabicho, e casacas estiradas,
De que gostam as moças deste tempo.

Aprigio. Inda o Fado não quer, inda não chega
A epoca feliz e suspirada,

De lançar do Theatro alheias Musas,
De restaurar a scena portugueza.
Vós, Manes de Ferreira e de Miranda:
E tu, ó Gil Vicente, a quem as graças
Embalaram o berço, e te gravaram
Na honrada campa o nome de Terencio;
Esperae, esperae, qu'inda vingados,
E soltos vos vereis do esquecimento.
Illustres Portuguezes, no Theatro
Não negueis um logar ás vossas Musas;
Ellas, não as alheias, publicarão
De vossos bons Avós os grandes feitos,
Que eternos soarão em seus escritos:
E podeis esperar paga tão nobre,
Se detestando parecer ingrato,
Lhes defenderdes o paterno ninho,
E quizerdes com honra agazalhal-as.

Obras Poeticas de Pedro Antonio Correia Garção. Lis-
boa, 1778-pag. 206.

A ASSEMBLÉA OU PARTIDA (283)

Braz Carril e Gil Fustote

Gil.

Braz. Entendes, Gil Fustote, o que te digo?
Entendo, entendo: dizes que partida
Hoje em casa terás ou assembléa;
Amigo Braz Carril, estas galhofas,
Jantares e merendas são o fructo
Da reloucada teima de fidalga

Com que tua mulher sagaz te enloixa,
Ou te embrulha na rede em que perneias:
Compaixão, grande compaixão me deves,
Partidas! Assembléas! que mania!
Braz. E chamas tu mania, Gil Fustote,
O viver como vive a gente séria
Hoje em Lisboa? grandes e pequenos
Todos querem gozar das suas delicias
Do suave prazer da companhia.

Gil.

Gil.

Amigo, amigo, estás perdido... doudo...

Braz. Com os olhos abertos.

Gil.

Não t'o invejo,
Nem quero governar a casa alheia:
Fica-te em paz com tuas assembléas,
Pódes sem mim fazer a synagoga.
Braz. Caro Fustote, espera que não posso..
Gil. Eu não canto, nem sou árreburrinho:
Pouco gosto de chá, menos de jogo:
Falta că não farei: adeus, amigo.
Braz. Espera, espera, podes divertir-te,
Ouvindo duas arias, temos doce,
E doce delicado se quizeres.

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Espera, escuta...

Gil.

Meu Gil Fustote.

Dize, que mais queres? Braz. Eu queria pedir-te algum dinheiro,

Porque estou sem real: olha em que dia! Gil. Pois a perpetua lei da Natureza,

Que murcha as folhas, e que traz partidas, Não dá tambem dinheiro para o gasto? Braz. Amigo Gil Fustote, eu pouco peço;

Gil.

Dá-me, sequer, seis mil e quatrocentos:
Acode-me; e conforme o nosso ajuste,
Sete e duzentos lançarás na conta.
Seis mil e quatrocentos! Quem m'os dera!
Não me pagam tão bem os meus foreiros:
E a divida vae já de foz em fóra.

Braz. Oito mil réis porás.

Gil.

Braz. Qual perder-me.

Gil.

Isso é perder-te.

Amigo, eu não podia ;

Mas vejo o grande aperto... Toma... escuta:
Eu chamo a Deus dos Ceus por testemunha
Sem juro te levar, sem interesse

De tão forçosa vexação remir-te ;

E que o pouco que mandas que accrescente
A nossa conta, é dado, e não por força,
Sim, de livre vontade. Adeus amigo,
Que vou vestir-me, e logo torno.

(Vae-se.)

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