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Foi esta tarefa magnanima que emprehendeu e nobremente executou o Sr. Commendador Antonio Joaquim de Mello, salvando dos abysmos do esquecimento algumas glorias immortaes da nossa provincia, e cercando-as com esse reconhecimento sympathico que sempre consola e encanta os vivos.

O distincto autor das-Biographias, convencido de que a historia dos povos antes se encontra nas lendas, nas tradições e nas poesias populares, do que nos campos de batalha, nas proezas dos exercitos, no sangue dos martyres, e nas tyrannias dos despotas, occupou-se primeiramente com os canticos suaves da musa pernambucana, que primeiro saudara o horisonte purpureo da patria,e primeiro colhera o perfume e o mel nos jardins encantados de uma natureza ainda virgem em todos os sentidos.

Assim, os primeiros capitulos do seu livro são consagrados á memoria de varios poetas illustres, nascidos nesta provincia, cujos trabalhos attestão evidentemente o vigor do talento aquecido pelos raios vivificadores e esplendidos do sol intertropical; mas este livro não é somente uma collecção de producções poeticas, é tambem uma pagina importante da historia de Pernambuco, enriquecida de notas curiosas, producto de um exame profundo de muitos phenomenos politicos, que tiverão lugar depois da gloriosa revolução de 1817 até os ultimos momentos do primeiro imperio brasileiro.

O preambulo com que o Sr. Antonio Joaquim de Mello começa a sua obra, é digno da maior attenção dessa geração talentosa, que hoje corre após das seducções da gloria litteraria, a mais santa e mais veneravel de todas as illusões deste mundo. Segundo o autor, » um dos serviços importantes que á sua terra devem os Brasileiros, é não deixar perder-se toda a sua litteratura antiga, mesmo tal qual é, como na maxima parte ja se tem perdido, dando esta perda causa a suppor-se, que ella é absolutamente nenhuma. Cumpre não afrouxar no empenho de recolher e publicar esses restos preciosos, e dar-lhes perpetuidade, salvando igualmente do esquecimento os nomes dos seus illustres autores. Essa litteratura não é tão tenue e baça, que quasi se não veja, e nenhuma luz reflicta; as obras

noticiadas e insertas nas revistas do instituto historico e geographico do Brasil o provão. De que apreço não são ellas dignas ? De que louvores não são benemeritos aquelles Brasileiros, que em tempo mais remoto jazião em falta absoluta de meios de instrucção, que lhes offerecesse o Estado, e em tempos mais proximos quasi na mesma falta, sem que tivessem sahido do Brasil, alguns nem de suas provincias, quasi sem emulação, abso lutamente sem fautores, antes desprezados, senão perseguidos, nenhum rico, alguns em triste penuria, e todavia comsigo se instruirão, escreverão e poetarão com tanto saber e gosto, que as suas poucas obras, são e serão sempre lidas com admiração e recreio? >>

O que precede é um conselho animador, uma doce esperança para todos aquelles que sonhão o futuro do paiz, na esphera elevada das sciencias e das lettras, mas não é um conselho mesquinho e egoistico, não tem por limites o horisonte desta provincia, é um appello generoso feito a todos os filhos da terra da Santa Cruz, cujas cabeças estão cheias de sonhos poeticos, e que tem diante de si os mais preciosos assumptos para cantar, desde a ballada até o idyllio, desde o idyllio até o dithyrambo, desde o dithyrambo até a ode, desde a ode até o poema epico, até o dia em que se possa definitivamente sentar no throno do verdadeiro cantor.

Quatro biographias são dedicadas á memoria de quatro Pernambucanos illustres pelas lettras, e duas a dous capitães, que em verdade são duas glorias immortaes da coragem e valor desta proviucia.

Mas o sentimento de patriotismo que induzio o Sr. Mello a emprehender este trabalho, não se limita somente aos mortos. O nosso distincto comprovinciano, o Sr. Maciel Monteiro, tambem occupa varias paginas das « Biographias » com diversas das suas producções. Entre estas producções do Sr. Maciel Monteiro encontramos uma, que não podemos resistir á tentação de trasladar para aqui; é uma das mais sympathicas composições poeticas que conhecemos; é dedicada a um anniversario, celebrado no dia 25 de março de 1849:

Trôa o canhão terribil, que apregoa
Os patrios foros em marcial linguagem :
Eis o dia, Senhora, de pagar-vos
O annuo feudo da minha vassallagem.

Mais uma vez o astro soberano
Seus dominios correu no firmamento;
Hoje assente em seu throno, ei-lo que espalha
Graças de luz ao vosso nascimento.

Balançando-se n'haste voluptuosa,
Quão linda gala trajão hoje as flores!
Dir-se-hia, para gloria de enfeitar-vos,
Qu'orvalhou-as na aurora a mão d'amores.

As aves, que na selva a alva saudão
Com seus molles cantares á porfia,
O perfume nas rosas aspirando,
Os ares embalsamão de harmonia.

O sol tem mais fulgor, a flôr mais mimos,
A ave mais doçura em seu trinado;
Ah! como a Creação dobrou seu fausto
Neste dia, Senhora, abençoado!

Tudo, tudo obedece á voz do Eterno
Rendendo cultos á belleza tanta!
Só o Bardo na lyra envolta em crepe,
Se emprehende cantar, geme, não canta!

Muda a lyra, na qual sagrei outr'ora
Tantos hymnos de amor á formosura;
Se do prazer dedilho as cordas d'ouro,
Vibrar a corda sinto da amargura.

Mas já que em vosso gyneceo risonho
Não pode o canto meu ser hoje ouvido;
Dai, Senhora, que aos echos da alegria
Ao menos se misture um meu gemido.

Ah! se em pomposo altar a Divindade
Insenso, flôres, canticos aceita,
O orar do Infeliz tambem acolhe,
E as lagrimas do Afflicto não regeita.

A mesma urna, que no Tabernaculo
Recebe o ouro farto da Opulencia,
Tambem, modesta aos votos de humildade,
A oblação recolhe da Indigencia.

Pequeno é meu tributo: ei-lo qual posso,
Qual me é dado pagar-vos reverente:
Não é o dom opimo do Opulento,

E' sim a escassa offrenda do Indigente.

Esta inspiração tremula de emoção e de enthusiasmo, é um dos reflexos mais brilhantes do grande poeta em toda a accepção do vocabulo, é um dos brados mais sympathicos do cantor pernambucano, que com as suas melodiosas e divinas producções tem encantado a sua geração, desde a morada mais humilde até as residencias mais opulentas.

Entre as biographias do erudito Sr. Antonio Joaquim de Mello, ha uma que por si só era bastante para eternisar o nome do autor no coração dos Pernambucanos: é a consagrada a Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque: é por que este nome é uma recordação contemporanea, por assim dizer, para o Sr. Antonio Joaquim de Mello, é por que este nome é uma saudade santa, que lhe deixou o seu mestre e companheiro de prisão, victima, como elle, da oppressão do despotismo, que em outros tempos pesou sobre esta provincia.

E' neste artigo que autor manitesta todo o seu amor ardente pela liberdade, e todo o seu sentimento de gratidão e memoria do homem ja feito, que lhe dirigira os primeiros passos na carreira das lettras. « Despreze-se embora a insania estulta do trovador enfadonho, burlesco arremedo da linguagem divina (diz elle, fallando de Mahometh,) mas salvem-se da injusta proscripção do nosso esquecimento os nomes dos predilectos das musas, e decore hoje a nossa chronica o de Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque, se não com a riqueza e primores que desejaramos, ao menos do modo que o permitte a debilidade de nossas forças. » E' o voto da sympathia mais pura que liga dous corações neste mundo, e dous espiritos nas espheras celestes da creação.

Ora, não admira que os filhos desta época de liberdade e progresso apresentem trabalhos da ordem destes, que nos tem dado a musa fadada do Sr. Maciel Monteiro; pois que, como já dissemos em outra occasião, o que fará a honra eterna deste 2

TOMO III.

seculo, é que as sciencias, e as lettras, até então exclusivamente nas mãos de alguns espiritos corajosos e privilegiados, se tem tornado a preoccupação das multidões, é que cultivadas por todos, ellas fazem progressos immensos, por meio dos quaes abraçam hoje toda a esphera das realidades que nos cercam, é que vulgarisadas, e tornadas accessiveis a todos, revelam a todos os instantes em torno de nós um mundo de maravilhas por muito tempo encerradas no gabinete de alguns homens escolhidos, hoje derramam em todas as partes a sua luz prestigiosa que illumina tudo, e com as suas producções incessantes vão enriquecendo a geração actual.

Assim, não sorprende hoje o gráo de prosperidade intellectual, a que se tem chegado. Mas nessas épocas remotas de privilegios de todo o genero, e de um despotismo brutal, são dignos de todo o acatamento, e de toda a veneração os trabalhos desses varões illustres, que entre nós deram os primeiros passos na estrada das lettras e das sciencias, e que algumas vezes sacrificaram a propria vida para nos legarem a porção de liberdade de que hoje gozamos. Honra pois a estas sombras illustres, que o Sr. Mello, inspirado pelo ardor do patriotismo litterario, evocou dos abysmos do esquecimento.

Ainda repetimos, é na biographia de Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque, onde o autor derrama os thesouros da sua alma de poeta, e todo o amor que consagra á sua patria ; e a critica prudente, esclarecida e philosophica, que elle faz acerca da dissolução do nosso Congresso Constituinte, e da revolução de 1824, é uma pagina eloquente e preciosa, que certamente ha de passar para a nossa historia: são successos contemporaneos do autor, e por elle apreciados hoje, com a calma e a prudencia que só os annos dão.

Para que o leitor faça uma idéa approximada do estro poetico de Almeida e Albuquerque, copiaremos aqui uma poesia que elle dedicou a duas senhoras da cidade da Bahia, de nomes Delphina, e Custodia, que forão duas, ou tres noites de sabbado tocar e cantar, de fóra da cadeia daquella cidade, onde se

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