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achavão presos centenares de Pernambucanos illustres, inclusive Manoel Caetano, por causa da revolução de 1817.

Isto nos traz á memoria um episodio da historia dos Girondinos por Lamartine, no qual figurão duas heroinas francezas, que levadas pelo amor que consagravam a dous officiaes do exercito de Demourier, deixavam a casa paterna todas as noites, e ião para um posto de guarda partilhar os perigos, que corrião, de dous jovens officiaes francezes..

Procedendo dest'arte as duas Bahianas querião demostrar não só a sympathia e respeito que tributavam ás victimas da liberdade, mas tambem quanto se lhes tornaria a situação e a sorte feliz, se isto não dependesse mais que de suas vontades. Em nossa opinião é uma poesia, que denota o grande talento do autor:

Os Anjos não cantam sós,
E quando Delfina canta,
Anjo Custodio me encanta,
Tendo compaixão de nós.

Fallei primeiro em Delfina
Como visita de fóra,

Mas conto meu pasmo agora
Só por Custodia divina.

Não só com voz que admira
A' outra primeira iguala,
Mas nos consola e regala
Tirando almos sons da lyra.

E' nosso prazer notorio,
Se a voz de Custodia admira,
Quando em cada artigo tira
Mil almas do purgatorio.

Passo os dias como um réo,
E por bulla sabbatina
Levão Custodia, e Delfina
Tudo á noite para o Céo.

Quem se queixa de estar preso,
Tem nos queixumes mentira,
Que a não vir cá, nunca ouvira
Juntos Leo, e Pergolezo.

Eu cá por mim franco fallo,
E no que affirmo não erro,
Que affronto ferro, e desterro,
Tendo á noite um tal regalo.

Em Delfina um Seraphim
Escuto, se á noite canta;

Outro em custodia me encanta :
Feliz sou, se são por mim!

O Sr. commendador Antonio Joaquim de Mello escrevendo este livro, prestou um serviço inestimavel ás lettras patrias, que certamente lhe grangeará o respeito, e admiração da posteridade.

Os nomes de João de Nepomoceno da Silva Portella, do padre Manoel de Souza Magalhães, do padre José Gomes da Costa Gadelha, de Filippe Bandeira de Mello, de Pedro de Albuquerque, e de Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque, e de outros muitos Pernambucanos distinctos, ja não ficarão sepultados no pó do esquecimento: a uns o perfume da poesia, a outros a gloria das victorias no campo dos combates: tudo isto está veneravelmente guardado no livro do Sr. Antonio Joaquim de Mello, de quem podemos dizer, como dizia A. Thierry: que os estudos da antiguidade foram a sua paixão mais viva, nos annos de força e de mocidade, e que hoje o consolam no meio de desgostos, e de contrariedades injustas.

BIOGRAFIAS.

Luiz Francisco de Carvalho Couto.

Agora toma a espada, agora a penna.

CAMÕES.

Docemente suspira, doce canta.

FERR. CARTA 10.

A Musica, e a Poesia tecem a laurea do tenente Luiz Francisco de Carvalho Couto: ella não fulge rasgos altivolos de aguia soberana; mas recorda o galante poetar mimoso, e aprasivel melodia, que adoção os desabrimentos, e trabalho da vida. O tempo em que floreceo na cidade do Recife, donde nunca sahio, Luiz Francisco de Carvalho Couto, nascido no bairro da Boavista, da mesma cidade, foi um tempo de paz, e amizade. As ambições, e odios politicos não dividião, e atormentavão os homens. Elles não gosavão na Monarchia absoluta, em que vivião, da liberdade, e direitos politicos de hoje, e suas vantagens; mas os sentimentos de honra, os habitos de ordem, e temperança, uma cordial urbanidade em fim os unia em geral, e tanto ou quanto os compensava. Parece mesmo, que os homens tinhão mais amor a seu estado, ás virtudes naturaes, e que em sua frugalidade, e trabalho assas prezavão sua pacifica obscuridade. A Provincia como que continuava sobre a espada, e á sombra dos louros a descançar, e a restaurar com alegres diversões as forças fatigadas. No verão mormente, nos arrabaldes de proverbial divertimento, e sociabilidade, á mar

gem do Capibaribe, a gente de alguma possessão, e meios, embevecida em tal bonança, e enfeitiçada das infiuencias de uma natureza risonha, e benefica, fugindo á calma da cidade, entregava-se a todos os prazeres faceis, a todos os gosos innocentes. Musicas, danças, collações familiares, e alternas, entre pessoas de diversas casas, torneios, e folias, de preferencia nos dias feriados, e das novenas, e festas dos Oragos das Igrejas do Poço, Monteiro, e Apipucos, abreviavão as deliciosas noites, dias. E que ha nisto de novo, ou estranho? Os prazeres tomados moderadamente são como o orvalho ás flores, reanimão tudo. Vede como em um dos Coros de Euripedes o Guerreiro exclama: O' rainha das riquezas, feliz paz, das deosas a mais bella! Com quanta impaciencia te espero, e quanto te demoras! Temo que a velhice me opprima, e quebrante, antes que eu possa tornar a ver-te tão bella, e cheia de graças, e gozar de tuas danças, e cantos, de tuas flores, e coroas, de teus festins. Tristitiam longe repelle á te (diz Salomão) multos enim occidit tristitia, et non est utilitas in illa.

"Nas obras da creação (diz um sabio Escriptor) tudo conspira a procurar impressões agradaveis á vista, ou aos sentidos. Cada ser destinado ao nosso uso tem uma belleza, que he independente de sua utilidade: os mesmos objectos que não tem uma relação immediata comnosco, parece que so recebem uma figura, e cores agradaveis, porque tem de ser expostos a nossas vistas. A natureza trabalhando assim por toda parte em affluir sobre nós as sensações agradaveis, tem sem duvida por fim excitar, e fortificar em nós uma doce sensibilidade, que tempere o fogo das paixões, e a aspereza do amor proprio. »> Feliz o homem. que ouve, e guarda discreto esta muda exhor tação da natureza, insinuante, e divina! Mas porque as flores, e fructos de uma paz dourada deleitavão então Provincia de Pernambuco, como dizemos, não se presuma dahi que o seo espirito, e costumes estivessem ignobilmente effeminados, e corrompidos. Certamente uma sensibilidade refinada tem consequencias funestas desde que não he constantemente dirigida pela rasão; vem dessa fonte a molleza do sybarita, que rebaixa

o homem a um ser degenerado, fraco, e despresivel. Mas não he este o caso de Pernambuco : recreações naturalmente necessarias, e uteis, prazeres inoffensivos, mormente após trabalhos durissimos, privações terriveis, e perdas enormes, não se confundem com a depravação. De Esparta cantou Pindaro:

Sparte unit à la fois le conseil des vieillards,

L'ardeur des jeunes gens, dignes enfants de Mars,

Le fer etincelant, la danse, la musique,

Les fetes, les plaisirs, l'allegresse publique:

E ja em 1807 foi admiravel, e grande o numero de voluntarios Pernambucanos, e muitos das principaes familias, que se alistarão no exercito de 1a linha, á voz do seu Governador, em nome da Patria ameaçada. (1) Em 1809 sahio de Pernambuco uma expedição militar ao Pará composta de tres companhias de infantaria, e duas de milicianos, homens pardos, e uma tambem de milicias de homens pretos. (2) Em 1817 esta Provincia arvorou resoluta, com espantoso impulso, prodiga do sangue de seus filhos mais charos, e respeitaveis, o pendão da liberdade, e independencia, a estimulos so do seu caracter generoso, e livre. O rompimento de Goiana, e seu governo em 1821, foi um passo arrojado, e nobre para a realidade da regeneração politica constitucional representativa, e livramento de oppressões, e loucuras governamentaes. (3) E em 1824? Podereis estigmatisar essa revolução do que quizerdes, menos de interesses pessoaes, de falta de amor da liberdade, e honra politica, de cobardia, e abjecta humiliação ao poder. Assim pois não procede um Povo apodrecido nos vicios, e poltroneria. Mas se reconhecemos a nobreza dos principios daquelles movimentos, e pelejas, tambem condemnamos altamente o açodamento, e selvatiquez com que na Provincia outras vezes se tem com o ferro decidido mesquinhas divergencias, e passageiros interesses politiços. Que um Povo não selvagem, que estima as vantagens da paz, e tranquilidade, as não deve malbaratar á qual quer infimo preço, ou falso interesse.

Dans les seditions les plus mechants prosperent.

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