motivasse, e sangue que se derramasse, perante as Cortes, com quem elle Luiz do Rego contrairia a mais restricta responsabilidade. Então Luiz do Bego Barreto officiou á Camara da Cidade do Recife para que fizesse uma convocação dos magistrados, officiaes da 4a, e 2a linha, corpo do commercio, membros dos tribunaes, chefes de familia, e mais pessoas que julgasse conveniente, para que deci dissem sobre a forma de governo necessaria naquellas circunstancias para manter a paz na Provincia, em quanto o Soberano Con gresso das Cortes não determinava a forma do governo politico, que devia reger o Brasil; ficando todos na intelligencia de que nada lhe seria mais grato do que a installação de uma junta de governo interino, para ver se por este modo cessavão os partidos, ou acabava o protexto, que se tomava para elles; e que receberia com a maior satisfação a noticia de que esta era a resolução da assemblea. Note se porém, que elle nunca diz, que resigna o governo, ou que regeita votos para nelle contiuuar de qual quer modo que seja. E que se decidiria em tal reunião, de tão poucos habitantes da capital, chefes militares, empregados, e outros subordinados, e satelites freneticos do Capitão general? Apezar das fortes vozes, e brados em contrario dos que forão espancados, e expellidos da casa da camara, resolveo-se, que de nenhuma forma servia então mudança alguma de governo, a não ser aquella que fosse decretada pela soberania; e que portanto devia continuar no seu governo o referido Exm. Senhor, sendo a elle a quem cumpria, por effeito dos poderes, que The forão legitimamente conferidos, dar todas as providencias necessarias, não so para extinguir o motim começado em Goiana, mas para tudo o mais que tendesse a manter a segurança publica. Sciente Luiz do Rego desta parcial, e desasisada resolução, não so nada fez em demostração de não lhe convir, ou não querer continuar no governo, mas não estando ainda lavrada a acta respectiva, compareceo perante a reunião o doutor Antonio de Moraes Silva, é disse por parte de Luiz do Rego, que este não queria por si so continuar no governo, e por isso pedia ou a confirmação dos membros do governo, que aconselhavão, ou despachavão com elle, ou que se no meassem outros, ou os mudassem, como fosse mais vontade do povo, e que tanto os ja eleitos, como os que de novo se elegessem ficassem responsaveis com elle nos negocios, que decidissem relativos ao governo. Vêm ? He sempre Luiz do Rego pertinaz em conservar-se no governo. Decidio-se, que dos membros do conselho fosse o Ouvidor geral substituido pelo commandante do batalhão n. 2 de Portugal, e outros tres por outros; declarando-se outrosim, que todos os individuos que antigamente existião no governo, como os novamente eleitos, tivessem voto decisivo, e ficassem responsaveis pelas suas decisões nos negocios relativos ao governo; e que a força armada ficasse á disposição delle Capitão general tão somente nos casos repentinos, e urgentes, que não admittissem a menor espera pela convocação do Conselho; porem que em todos os mais casos ella ficaria à disposição de todo o governo. Apadrinhado por esta resolução, participou Luiz do Rego ao Go verno de Goiana, que estava creado o governo constitucional, e o convidou a unir-se-lhe; mas que bem longe estando de querer arrogar-se a representação de toda a Provincia, pelo contrario passara desde logo a chamar as Camaras da Provincia para que ao congresso da capital enviasse cada uma os seus representantes; que a villa de Goiana elegeria dous, e as outras o mesmo. A resposta foi negativa, porque como primeira rasão o Governo de Goiana não reconhecia ter sido livre a eleição feita na Camara do Recife, de que se prevalecia o Capitão general. Recorreo este a Enviados com instrucções ao Governo de Goiana, ante o qual se apresentarão como taes os Ouvidores das Commarcas do Recife, de Olinda, e do Sertão; mas em nada poderão estes demover de seo firme proposito aos Patriotas de Goiana; apezar de saberem estes que Luiz do Rego ja tinha feito marchar tropas sobre elles. O Ouvidor de Olinda, tendo abusado do seo caracter de Enviado, ficou em Goiana preso. Nestas circumstancias officiou Luiz do Rego ao Governador da Provincia da Paraiba Joaquim Rebello da Fonceca Rosado, que vigiasse, que daquella Provincia se não mandassem soccorros á Goiana; e tratou de fortificar-se, e defender-se. Tomou o Governador da Paraiba algumas cautellas, mas desgostou tanto com isto a Provincia, que se formou logo planos para o depor; a que elle prudentemente se submetteo. No dia 26 de Outubro nomearão os Paraibanos a sua Junta de governo provisorio, composta de sete membros; e Rosado retirou-se á Lisboa, onde participou o referido ás Cortes Tendo porem Luiz do Rego pedido á Junta governaliva da Provincia da Bahia a remessa de alguma tropa, com o fim de tirar aos de Goiana a esperança de auxilio, ou mesmo neutralidade daquella Provincia, vierãolhe, e desembarcarão em Pernambuco no dia 30 de Setembro trezentos e cincoenta homens; ao mesmo tempo que mandou aquelle Governo sahir da Bahia em tres dias os Enviados, que por parte do Governo de Goiana se lhe apresentarão a reclamar, que ao menos não soccorres sem a Luiz do Rego, e nos deixassem a sos com elle. Pedio tambem Luiz do Rego reforço de tropas ao Rio de Janeiro, e quiz D. Pedro mandar-lh'o; mas não o pôde, porque a mandar Portuguezes, enfraquecia-se, e os Brasileiros dizião não estarem dispostos a combater seus irmãos. (*) A guarnição de Olinda foi reforçada como uma das chaves do Recife; este foi guarnecido em suas cercanias de fortificações de campanha; a maruja das embarcações foi empregada no serviço militar de terra com etapes dobradas; affixarão-se editaes declarando inimigos da Patria os que pegarão em armas para atacar a capital, e que os individuos que se bandeassem com elles, ja tomando armas, ja dando gritos sediciosos contra o Governo na capital do Recife estabelecido, fossem igualmente tidos como rebeldes, e inimigos da Nação; e outros muitos meios de defesa forão pelo energico, e bravo Luiz do Rego diligentemente empregados. (*). Veja-se a Carta de D. Pedro 1o de 21 de Outubro no tomo 10 pag. 235. Diversas representações havia elle feito ás Cortes, e ao Rei, e tambem as fizera a Camara municipal do Recife; ás quaes se acummulavão assignados da tropa, dos empregados publicos (muitos sem liberdade) e de outras pessoas suas devotas, mormente Portugnezes, justificando-o, e accusando, e denegrindo os movimentos de Goiana. O Governo de Goiana tambem não dormia: publicou um Manifesto, creou guerrilhas, organisou corpos, estabeleceo commandos, e deo accesso aos Militares, fazendo promoções; correspondia-se com as Camaras do centro, a mor parte das quaes ja se lhe tinha submettido, e o coadjuvava com gente, e de todo o modo possivel; representava, e expunha o estado das cousas ás Cortes, e ao Rei; e mandou á Lisboa por seo procurador. autorisado por uma sua credencial, a Manoel Clemente Cavalcante de Albuquerque para tratar dos negocios tocantes á Provincia, o qual dirigio uma representação ás Cortes, mensionada na Sessão de 11 de Dezembro de 1824. Quasi todo o 1o, e grande parte do 2o batalhões de caçadores de 4a Linha, e aquelle com bagagem, musica, armas, e niunições, e delle o tenente Dumenaque, e o capitão Aleixo, a mor parte do 3o, e 40 batalhões de Milicias do Recife, e do Corpo de Cavallaria, deixárão as fileiras de Luiz do Rego, e passarão-se ás de Goiana; assim com.o o Pernambucano Antonio Correa Siara, e o senhor José Joaquim Coelho, Portuguez, que erão sargentos, e no serviço da causa de Goiana forão promovidos a officiaes, e começarão a felicitar-se. Siara faleceu no posto de Tenente General, e Conselheiro de Guerra; e Coelho existe nos mesmos postos: ambos distinctos pas campanhas do sul, e cobertos de condecorações. Abundavão as provisões de boca, e não faltavão as munições de guerra, e numerario com que se fazia regular, e pontual pagamento dos soldos á tropa; tudo mormente por doações gratuitas, e da mais espontanea, e boa vontade; porque pequenos dinheiros publicos forão recolhidos para este effeito das mãos dos respectivos Exactores daquella Commarca. Seria conveniente, e justo mensionar por seus nomes todos esses contribuintes liberaes, e os respectivos dons; mas so podemos com certeza consignar a seguinte minima parte da totalidade dessas pessoas, e offerendas. Donativo para a tropa recebido de diversos, e entregue por Manoel Clemente Cavalcante de Albuquerque, 400 000 reis. Pelo mesmo, e na mesma conformidade, 405 000 reis. Do Coronel Henrique Ferreira de Moraes, donativo seo, 100,000 reis. Donativo de Manoel Lopes de Mendonça, 108000 reis. "Donativa de João Ribeiro da Silva, 18920 reis. Donativo de Francisco de Brito Camello, 68000 reis. Donativo de Manoel Clemente Cavalcante de Albuquerque, 400$ reis. Donativo de João Soares de Albuquerque, 100 000 reis. Donativo de Christovão de Olanda Cavalcante, 400, 8000 reis. Donativo de Roberto Pinto, 405000 reis. Donativo de Filippe Bezerra Cavalcante, 50 000 reis. Donativo do Capitão mor Christovão de Olanda, 300/000 reis. Emprestimo que fez o Coronet Manoel Correia de Araujo, por mão de Francisco Cesario de Mello, 800 000 reis. Por emprestimo de Agostinho José de Figueiredo, 150 000 réis. Donativo de João Cavalcante de Albuquerque, 4045080 reis. Donativo de diversas pessoas por mão do capitão mor Ignacio Cavalcante de Albuquerque, 968000 reis. Idem por mão do sargento Antonio José de S. Anna, 654000 reis. Donativos do capitão Antonio Bernardo, e do capitão Coelho, moradores na Povoação de N. Senhora de Nasareth, por mão do sargento mor Manoel Ignacio de Mello, 800 000 reis. Donativos de diversos, por mão de Manoel Joaquim de Lima, 899$400 reis. E de Antonio José Vieira da Cunha, senhor do engenho Araripe de baixo quarenta bois, e oitenta sacas de farinha; e mandou a seus dous filhos Manoel Vieira da Cunha, tenente do batalhão de milicias de Iguaraçú, e João Vieira da Cunha, capitão do esquadrão de cavallaria da decima primeira brigada, reunirem-se ao exercito Goianense. Não pareça frivolo a memoria das pequenas offertas; ellas forão muitas, e provão a adherencia dos menos abastados, que sendo a grande maioria da população, sem ella nada se faria; provão ainda por sua vez, que os pobres não o são de sentimentos generosos. E o valor meritorio do obolo da viuva não he acima da oblação mais ampla do opulento? Já com dous a tres mil homens em armas, considerando-se forte, e em termos de tomar a offensiva, o Governo de Goiana com suas forças levantou o acampamento, demorou-se pouco em Iguaraçú, e veio estabelecer o seo quartel a duas legoas de Olinda. Do norte, e sul marchavão forças contra a capital do Recife. No dia 21 de Setembro pelas sete horas da manhã foi Olinda atacada com vigor pela tropa Goianense, e a povoação dos Afogados tambem o foi depois, e occupada. Destacou desta uma forte partida para o Atterro com tanta ufania, e inconsideração, que se avisinhou a uma bateria de quatro canhões, que defendia a entrada da cidade do Recife a meio tiro de peça da fortaleza das Cinco Pontas. No ataque de Olinda commandou em chefe o Commandante das armas; nos altos o senhor Aleixo José de Oliveira, então capitão, elevado pelo Governo de Goiana a Tenente Coronel, e hoje Brigadeiro reformado, natural de Portugal, optimo militar de campo, e honrado; e no lugar denominado Maria Simplicia commandou, no posto de tenente o Sr. José Maria Ildefonso Jacome da Veiga Pessoa, antigo soldado probo da liberdade, natural da Provincia da Paraiba, que servia de Quartel Mestre geral, commandando tambem forças avulsas, hoje Coronel do Corpo do Estado maior da segunda classe. No ataque dos Affogados commandarão os Majores Manoel de Azevedo do Nascimento, e Manoel do Nascimento da Costa Monteiro, ambos Pernambucanos, cidadãos amantes da liberdade, e que por servirem á revolução de 1817 jazerão quatro annos calamitosos nas prizões da Bahia, bem como os senhores Mena, Ildefonso, Manoel Clemente, e José Camello, mensiodados acima. Luiz do Rego Barreto ercreveo na sua Memoria justificativa estas palavras: A artilharia, de que eu pude fazer uso contra montões de gente, servio-me de espanta-los: eu mesmo elevei as pontarias, não fiando esta obra de generosidade em tempo de furores, e guerras civis, dos proprios officiaes desta arma; se assim não fosse, o campo dos Affogados ficaria por duas vezes alastrado de cadaveres.-Deste proceder não temos outro abono, que o dizer do mesmo Luiz do Rego, e comtudo facilmente nos inclinamos a cre-lo; e fosse, ou não sempre assim, a historia nos impõem o dever de commemorar, por honra, e bem da humanidade, um tão bello sentimento, e norma, de que se prevaleceo, e ostentou o famoso General em sua justificação. É aqui nos recordamos da admoestação pathetica, e santa do bravo du Guesclin na hora extrema, abraçando os velhos capitães, que o rodeavão no leito: Em qualquer Paiz que fizerdes a guerra (lhes disse o Bravo) os sacerdotes, as mulheres, as creanças, e o pobre povo não são de nenhuma sorte vossos inimigos. Houve todavia, como era natural e inevitavel, mortos, e feridos de parte a parte nesses reconhecimentos, e ensaios para avezar a tropa ao fogo, e incommodar os presidios do Capitão general; e no Atterro dos Affogados um dos cidadãos soldados do partido Goianense, crivado de balas, e ja com ambas as pernas quebradas, pode ainda carregar, e disparar duas vezes a sua espingarda. A Povoação dos Affogados soffreo saque, e outras devastações, e ultrajes da tropa de Luiz do Rego, de que ahi fez parte a vinda da cidade da Bahia. Em consequencia destes ataques de Olinda, e Affogados, Luiz do Rego fez prender na capital não poucas pessoas, e as conservou prezas ate á Convenção de Beberibe. Alguns Membros da Junta ousarão ponderar-lhe quanto erão anti-constitucionaes taes prizões; mas o Capitão general as entendera uma triste necessidade das circumstancias; è demais as reclamavão muitos dos que o servião, e temião uma sublevação dentro do Recife, em adhesão á causa de Goiana. São as consequencias da sua louca obstinação em conservar-se no governo; talvez em observancia de Instrucções secretas do vacilante, e manhoso Ministerio. Que terrivel situação a dos habitantes da Cidade do Recife! Havia Luiz do Rego Barreto recebido o Aviso do Principe Regente de 24 de Agosto, que mandava crear na Provincia uma Junta Provisoria para a governar, por ser este o meio mais adequado de promover a segurança da paz, e tranquilidade publica. Era a justificação, e triumfo dos de Goiana. Este Aviso o remetteo Luiz do Rego no dia 17 de Setembro á Camara Municipal do Recife para lhe dar execução, e a Camara fez algumas convocações para o dia 22; mas ficarão sem effeito pelo estado militar de defeza, e tribulações da cidade. A pezar deste Aviso, ainda no dia 3 de Outubro Luiz do Rego encarregou a Gervasio Pires Ferreira, e a Luiz Francisco de Paula Čavalcante de Albuquerque de irem tratar com o Governo de Goiana, propondo-lhes a paz, pela decima vez, disse elle. Do Governo da Provincia da Paraiba vierão ao mesmo tempo como Medianeiros o doutor Ouvidor Francisco de Souza Paraiso, o Tenente Coronel João de Araujo da Cruz, commandante do batalhão da Cidade, e o Padre Amaro de Barros de Oliveira e Lima. Tendo-se estes entendido com Luiz do Rego no Recife, passarão ao lugar de Beberibe, onde se achava o Governo de Goiana. Ahi todos reunidos, com os Enviados de algumas Camaras, entrarão em conferencias, cujo resultado foi o armisticio, e Convenção pela qual o Capitão general, e seo conselho ainda permanecerão no |