Guarda-lhe por entanto hum falso Rei A cidade Hierosolyma terreste,
Em quanto elle não guarda a sancta lei Da cidade Hierosolyma celeste.
Pois de ti, Gallo indigno, que direi? Que o nome Christianissimo quizeste, Não para defendê-lo, nem guardá-lo, Mas para ser contra elle e derribá-lo.
Achas que tees direito em senhorios
De Christãos, sendo o teu tão largo e tanto; E não contra o Cinypho e Nilo, rios
Inimigos do antiguo nome santo?
Alli se hão de provar da espada os fios Em quem quer reprovar da Igreja o canto. De Carlos, de Luis, o nome e a terra Herdaste, e as causas não da justa guerra?
Pois que direi daquelles, que em delicias Que o vil ocio no mundo traz comsigo, Gastão as vidas, logrão as divicias, Esquecidos de seu valor antigo?
Nascem da tyrannia inimicicias,
Que o povo forte tée de si inimigo:
Comtigo, Italia, fallo, ja submersa
Em vicios mil, e de ti mesma adversa.
Oh miseros Christãos! pola ventura, Sois os dentes de Cadmo desparzidos,
Que huns aos outros se dão a morte dura, Sendo todos de hum ventre produzidos? Não vêdes a divina sepultura
Possuida de Cães, que sempre unidos Vos vem tomar a vossa antigua terra, Fazendo-se famosos pela guerra?
Védes que tee por uso e por decreto,
Do qual são tão inteiros observantes,
Ajuntarem exército inquieto,
Contra os povos que são de Christo amantes;
E entre vós nunca deixa a fera Aleto
De semear cizanias repugnantes:
Olhai se estais seguros de perigos,
Que elles e vós sois vossos inimigos.
Se cobiça de grandes senhorios
Vos faz ir conquistar terras alheias, Não vêdes que Pactolo e Hermo rios, Ambos volvem auriferas areias?
Em Lydia, Assyria, lavrão de ouro os fios; Africa esconde em si luzentes veias; Mova-vos ja sequer riqueza tanta, Pois mover-vos não póde a Casa santa.
Aquellas invenções feras e novas De instrumentos mortaes da artilheria Ja devem de fazer as duras provas Nos muros de Byzancio e de Turquia. Fazei que torne lá ás sylvestres covas Dos Caspios montes, e da Scythia fria A Turca geração, que multiplica Na polícia da vossa Europa rica.
Gregos, Thraces, Armenios, Georgianos, Bradando-vos estão, que o povo bruto Lhe obriga os charos filhos aos profanos Preceitos do Alcorão: (duro tributo!) Em castigar os feitos inhumanos Vos gloriai de peito forte e astuto;
E não queirais louvores arrogantes De serdes contra os vossos mui possantes.
Mas em tanto que cegos e sedentos Andais de vosso sangue, ό gente insana,
Não faltarão Christãos atrevimentos Nesta pequena casa Lusitana.
De Africa tee maritimos assentos; He na Asia mais que todas soberana; Na quarta parte nova os campos ara; E se mais mundo houvera, lá chegára.
E vejamos entanto que acontece Áquelles tão famosos navegantes, Despois que a branda Venus enfraquece O furor vão dos ventos repugnantes; Despois que a larga terra lhe apparece,
Fim de suas porfias tão constantes,
Onde vem semear de Christo a lei, E dar novo costume, e novo Rei.
Tanto que á nova terra se chegárão, Leves embarcações de pescadores Achárão, que o caminho lhe mostrárão De Calecut, onde erão moradores. Para lá logo as proas se inclinárão; Porque esta era a cidade das melhores Do Malabar melhor, onde vivia
O Rei, que a terra toda possuia.
Além do Indo jaz, e aquem do Gange, Hum terreno mui grande e assaz famoso, Que pela parte Austral o mar abrange, E para o Norte o Emodio cavernoso. Jugo de Reis diversos o constrange A várias leis: alguns o vicioso Mafoma, alguns os idolos adorão,
Alguns os animaes, que entre elles morão.
Lá bem no grande monte, que cortando Tão larga terra, toda Asia discorre; Que nomes tão diversos vai tomando, Segundo as regiões por onde corre; As fontes sahem, donde vem manando Os rios, cuja grão corrente morre
No mar Indico, e cercão todo o pêso Do terreno, fazendo-o Chersoneso.
Entre hum e o outro rio, em grande espaço, Sahe da larga terra hũa longa ponta, Quasi pyramidal, que no regaço Do mar, com Ceilão insula confronta: E junto donde nasce o largo braço Gangetico, o rumor antiguo conta, Que os visinhos, da terra moradores, Do cheiro se mantée das finas flores,
Mas agora de nomes e de usança Novos e varios são os habitantes;
Os Delijs, os Patanes, que em possança De terra e gente, são mais abundantes: Decanis, Oriás, que a esperança
Tée de sua salvação nas resonantes Águas do Gange; e a terra de Bengala, Fertil de sorte, que outra não lhe iguala.
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