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XXXIII.

Ouvio-lhe estas palavras piedosas

A formosa Dione; e commovida,

De entre as Nymphas se vai, que saudosas
Ficárão desta subita partida.

Ja penetra as estrellas luminosas;
Ja na terceira esphera recebida,
Avante passa; e lá no sexto ceo,
Para onde estava o Padre se moveo.

XXXIV.

E, como hia affrontada do caminho,
Tão formosa no gesto se mostrava,
Que as estrellas, e o Ceo, e o ar visinho,
E tudo quanto a via namorava.

Dos olhos onde faz seu filho o ninho

Huns espiritos vivos inspirava,

Com que os polos gelados accendia,

E tornava do fogo a esphera fria.

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E por mais namorar o soberano

Padre, de quem foi sempre amada e chara, Se lhe apresenta assi como ao Troiano

Na selva Idea ja se apresentára.

Se a víra o caçador, que o vulto humano
Perdeo, vendo Diana na agua clara,
Nunca os famintos galgos o matárão;
Que primeiro desejos o acabárão.

XXXVI.

Os crespos fios d'ouro se esparzião

Pelo collo, que a neve escurecia;

Andando, as lacteas tetas lhe tremião,
Com quem amor brincava, e não se via:
Da alva petrina flammas lhe sahião,
Onde o menino as almas accendia;

Pelas lisas columnas lhe trepavão
Desejos, que como hera se enrolavão.

XXXVII.

Chum delgado cendal as partes cobre,
De quem vergonha he natural reparo;
Porém nem tudo esconde, nem descobre
O veo, dos roxos lirios pouco avaro:
Mas para que o desejo accenda e dobre,
Lhe põe diante aquelle objecto raro.
Ja se sentem no ceo, por toda a parte,
Ciumes em Vulcano, amor em Marte.

XXXVIII.

E mostrando no angelico semblante

Co'o riso huma tristeza misturada;

Como dama, que foi do incauto amante
Em brincos amorosos maltratada,

Que se aqueixa, e se ri n'hum mesmo instante,

E se torna entre alegre magoada:

Desta arte a deosa, a quem nenhuma iguala, Mais mimosa que triste ao Padre falla.

Camões I,

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,

XXXIX.

Sempre eu cuidei, ó Padre poderoso,

Que para as cousas, que eu do peito amasse,
Te achasse brando, affabil, e amoroso,

Postoque a algum contrário lhe pezasse.
Mas, pois que contra mi te vejo iroso,
Sem que to merecesse, nem te errasse,
Faça-se como Baccho determina;

Assentarei em fim que fui mofina.

XL.

Este povo que he meu, por quem derramo
As lagrimas que em vão cahidas vejo,

Que assaz de mal lhe quero, pois que o amo,
Sendo tu tanto contra meu desejo!

Por elle a ti rogando, chóro e bramo,

E contra minha dita em fim pelejo.
Ora pois, porque o amo he maltratado,
Quero-lhe querer mal, será guardado.

XLI.

Mas moura em fim nas mãos das brutas gentes, Que pois eu fui... E nisto de mimosa,

O rosto banha em lagrimas ardentes,

Como co' o orvalho fica a fresca rosa:

Callada hum pouco, como se entre os dentes
Se lhe impedira a falla piedosa;

Torna a segui-la; e indo por diante,

Lha atalha o poderoso e grão Tonante:

XLII.

E destas brandas mostras commovido,

Que movêrão de hum tigre o peito duro,
Co' o vulto alegre, qual do ceo subido,
Torna sereno e claro o ar escuro,
As lagrimas lhe alimpa, e accendido
Na face a beija, e abraça o collo puro;
De modo que dalli, se só se achára,
Outro novo Cupido se gerára.

XLIII.

E co' o seu apertando o rosto amado,
Que os soluços e lagrimas augmenta;
Como menino da ama castigado,

Que quem no affaga, o chôro lhe accrescenta;
Por lhe pôr em socêgo o peito irado,
Muitos casos futuros lhe apresenta:

Dos fados as entranhas revolvendo,

Desta maneira em fim lhe está dizendo:

XLIV.

Formosa filha minha, não temais
Perigo algum nos vossos Lusitanos;
Nem que ninguem comigo possa mais,
Que esses chorosos olhos soberanos:
Que eu vos prometto, filha, que vejais
Esquecerem-se Gregos e Romanos,
Pelos illustres feitos, que esta gente
Ha de fazer nas partes do Oriente.

XLV.

Que se o facundo Ulysses escapou
De ser na Ogygia ilha eterno escravo;
E se Antenor os seios penetrou
Illyricos, e a fonte de Timavo;

E se o piedoso Eneas navegou

De Scylla e de Charybdis o mar bravo;
Os vossos, mores cousas attentando,

Novos mundos ao mundo irão mostrando.

XLVI.

Fortalezas, cidades e altos muros
Por elles vereis, filha, edificados;
Os Turcos bellacissimos e duros
Delles sempre vereis desbaratados;
Os Reis da India, livres e seguros,
Vereis ao Rei potente sobjugados:
E por elles, de tudo em fim senhores,
Serão dadas na terra leis melhores.

XLVII.

Vereis este que agora pressuroso

Por tantos medos o Indo vai buscando,
Tremer delle Neptuno, de medroso,

Sem vento suas aguas encrespando.

Oh caso nunca visto e milagroso,

Que trema e ferva o mar, em calma estando! Oh gente forte, e de altos pensamentos,

Que tambem della hão medo os elementos!

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