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com que o nosso poeta imaginou e conduzio a sua
fábula. Porque, tendo elle em vista erguer um pa-
drão eterno á gloria da sua patria, immortalizando
não só esta, mas todas as mais façanhas de seus
concidadãos (como elle mesmo expressamente diz,
Canto V, Est. 100.

Porque o fraterno amor e puro gôsto
De dar a todo o Lusitano feito
Seu louvor, he somente o presupposto
Das Tagides gentis e seu respeito)

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depois de haver medido as suas forças, de tal mnaneira traçou o plano da sua obra, que, cantando a acção principal do descobrimento da India, viesse ao ini mesmo tempo a cantar tudo quanto os Portuguezes havião feito digno de memória nas quatro partes do mundo. Para o que, mui judiciosamente rejeitando Polyphemos, Sirenas, magas Circes, Calypsos namoradas, encantamentos e outras ficções desta natureza, que não podem interessar o Leitor, senão pela arte com que são contadas, todos os seus episodios tirou da história Portugueza: pondo na boca do heroe a narração de tudo o succedido até á sua partida do Tejo; na do Adamastor a predicção dos naufragios e desastres de nossas frotas naquella paragem do cabo da Boa Esperança; na de Velloso a singular aventura dos doze de Inglaterra; na de Paulo da Gama a exposição de alguns factos avulsos de nossa história

Camões I.

b

plia.

antiga e moderna, na explicação, que faz ao Catual, das figuras pintadas nas bandeiras e tapeçaria com que se adornou a Capitaina para o receber: cfinal-mente no canto prophetico da Nympha, e na prática de Tethys com o heroe, na Ilha dos Amores, a relação das nossas futuras descobertas e conquistas. Com o que não só conseguio, com admiravel felicidade, o grandioso fim que se propuzera, mas ainda levar a palma a todos o epicos antigos e modernos em misturar o util com o agradavel.

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E porque assim concebeo e traçou a fábula do seu poema, o entitulou Os Lusiadas isto he: Os filhos de Luso; titulo, que perfeitamente lhe quadra. E pela mesma razão, e não (como pretende Severim de Faria) por seguir a Apollonio Rhodio no seu poema dos Argonautas, disse na proposição:

As armas e os Barões assinalados,

continuando a mencionar todos os Reis e Capitães, que illustrárão o nome Portuguez, dilatárão o imperio, e n'Africa e n'Asia propagárão a Fé de Christo; não obstante não ser costume dos poetas incluir na proposição o que só entra na fábula como episodio. No que mui bem andou o nosso poeta, porque, sendo o seu presupposto fazer um poema regular e uma perfeita história, o que nesta admiravel composição he episodio, como poema, vem a ser parte essencial, como história.

Deve advertir-se tambem, que n'um poema onde figurão tantos e tão distinctos heroes, merecedor cada um delles de uma epopeia por cada uma das acções que obrárão, sería como faltar á veneração devida a tão altas personagens antepor-lhes Vasco da Gama, postoque heroe tambem illustre e egregio. E por sem dúvida temos que os que nisto censurárão o poeta, se o houvessem entendido, em vez de o reprehender, o louvárão. Muito mais quando o exordio não he parte tão essencial da fábula, que alguns se não persuadão (e dessa opinião he o judicioso Boileau *) que um poema epico mui bem póde subsistir sem elle.

Tambem na invocação principal mui advertidamente se affastou o nosso poeta do trilho dos outros epicos, dirigindo-se ás Nymphas de Tejo, por não julgar proprio n'um poema eminentemente nacional invocar as divindades fabulosas da Grecia, e porque n'um trabalho por amor da patria unicamente emprehendido, só o mesmo amor da patria o poderia ajudar.

"proposição invocação dedicaçãi

Na dedicatoria, visto não ser parte essencial da fábula, não temos que observar, senão que neste genero he a melhor cousa que até hoje se tem escripto.] Nella a cada palavra respira a dignidade, a nobreza d'alma, e a independencia do poeta.

* Un poëme subsistira fort bien sans exorde.

Reflexions sur Longin.

b*

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Na escolha dos episodios e maneira de os introduzir e ligar com a principal acção, se mostrou o nosso Camões mui superior ao poeta Latino. Os deste quasi todos são imitados de Homero: os de Camões quasi todos de sua propria invenção: em Virgilio se nota que muitas vezes estas acções accessorias fazem desapparecer a principal: em Camões todas servem ao desenvolvimento della, e a fazem sobresahir.

Tão perfeito he o nexo entre todas as partes deste poema, que nenhuma dellas se póde transpor ou separar, sem que o todo se resinta e desfigure. Isto nega M. de Voltaire; mas por meio da seguinte analise faremos ver que M. de Voltaire ou não entendeo a obra que censurava, ou não disse o que entendia.

7

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Começa o poeta, á imitação de Virgilio, appresentando os seus Argonautas navegando com vento próspero entre a costa da Ethiopia e a ilha de SãoLourenço. Jupiter chama os deoses a concelho para deliberar sobre a sorte desta expedição, de que depende o destino de todo o Oriente. Oppõe-se Baccho á empresa dos Portuguezes; Venus e Marte a favorecem. Chega a frota a Moçambique. Baccho, ardendo em ira, depois de uma breve falla consigo mesino, em tudo semelhante á de Juno em o 1o 1. da

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Eneida, desce á terra, e tomando a figura de um mouro conhecido naquella ilha e mui valido do Xeque ou governador della, o induz a machinar a destruição dos navegantes. Descobrem os Portuguezes e castigão a traição; e passão a Quiloa, onde lhes estão preparados novos laços. Venus com ventos contrarios desvia as naos do porto. Não tendo podido entrar, se derigem a Mombaça, onde os esperava igual sorte. Venus, descendo outra vez do Olympo, com o auxilio das Nereidas, lhes impede a entrada da barra; e vai interceder a Jupiter polos Portuguezes: este para a consolar lhe abre os arcanos dos Fados, e envia Mercurio á terra, para que tenha apparelhado um porto seguro, onde as naos se possão abrigar e prover do necessario. Mercurio, comprida a ordem de Jupiter, avisa em sonhos ao Capitão, que fuja daquellas praias crueis, e lhe ensina o porto a que deve dirigir-se. Entra o Gama em Melinde, onde he benignamente recebido. Expede um mensageiro ao Rei pedindo auxilio para a viagem, e desculpando-se de não sahir logo a terra, por lhe ser defendido no regimento que trazia. Vem o rei visitar as naos, e o Capitão sahe a recebê-lo no seu batel. Segue-se uma breve prática entre elles, na qual o poet

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