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CI

Já no batel entrou do Capitão

O Rei, que nos seus braços o levava;
Elle co'a cortezia, que a razão
(Por ser Rei) requeria, lhe fallava.

C'humas mostras de espanto, e admiração,
O Mouro o gesto, e o modo lhe notava ;
Como quem em mui grande estima tinha
Gente que de tão longe á India vinha.

CII

E com grandes palavras lhe offerece
Tudo o que de seus reinos lhe cumprisse,
E que se mantimento lhe fallece,

Como se proprio fosse lho pedisse :
Diz-lhe mais, que por fama bem conhece
A gente Lusitana, sem que a visse :
Que já ouvio dizer, que n'outra terra
Com gente de sua lei tivesse guerra.

CIII

E como por toda Africa se soa,
Lhe diz, os grandes feitos, que fizeram,
Quando nella ganharam a corôa
Do reino, onde as Hesperidas viveram.
E com muitas palavras apregoa
O menos que os de Luso mereceram ;
E o mais que pela fama o Rei sabia :
Mas desta sorte o Gama respondia.

CIV

O tu que só tiveste piedade,
Rei benigno, da gente Lusitana,
Que com tanta miseria, e adversidade,
Dos mares exprimenta a furia insana;
Aquella alta, e divina Eternidade,

Que o céo revolve, e rege a gente humana,
Pois de ti taes obras recebemos,

Te pague o que nós outros não podemos.

CV

Tu só de todos quantos queima Apollo,
Nos recebes em paz, do mar profundo ;
Em ti dos ventos horridos de Eolo
Refugio achámos bom, fido, e jucundo.
Em quanto apascentar o largo polo
As estrellas, e o Sol der lume ao mundo,
Onde quer que eu viver, com fama e gloria,
Viverão teus louvores em memoria.

CVI

Isto dizendo, os barcos vão remando
Para a frota, que o Mouro ver deseja ;
Vão as náos huma e huma rodeando,
Porque de todas tudo note, e veja.
Mas para o céo Vulcano fuzilando,
A frota co' as bombardas o festeja;
E as tromhetas canoras lhe tangiam;
Co' os anafis os Mouros respondiam.

CVII

Mas despois de ser tudo já notado
Do generoso Mouro, que pasmava,
Ouvindo o instrumento inusitado,
Que tamanho terror em si mostrava;
Mandava estar quieto, e ancorado
N'agua o batel ligeiro que os levava,
Por fallar de vagar co' o forte Gama
Nas cousas de que tem noticia, e fama.

CVIII

Em praticas o Mouro differentes
Se deleitava, perguntando agora
Pelas guerras famosas excellentes,
Co' o povo havidas, que a Mafoma adora :
Agora lhe pergunta pelas gentes

De toda a Hesperia ultima, onde mora;
Agora pelos povos seus visinhos;
Agora pelos humidos caminhos.

CIX

Mas antes, valeroso Capitão,
Nos conta, lhe dizia, diligente

De terra tua o clima, e região
Do Mundo onde morais, distinctamente;
E assi de vossa antigua geração,
E o principio de reino tão potente;
Co' os successos das guerras do começo,
Que sem sabe-las, sei que são de

preço:

CX

E assi tambem nos conta dos rodeios
Longos, em que te traz o mar irado;
Vendo os costumes barbaros alheios,
Que a nossa Africa ruda tem criado.
Conta que agora vem co' os aureos freios
Os cavallos, que o carro marchetado,
Do novo Sol, da fria Aurora trazem ;
O vento dorme, o mar, e as ondas jazem.

CXI

E não menos co' o tempo se parece
O desejo de ouvir-te o que contares;
Que quem ha, que por fama não conhece
As obras Portuguezas singulares?
Não tanto desviado resplandece

De nós o claro Sol, para julgares,

Que os Melindanos tem tão rudo peito,
Que não estimem muito hum grande feito.

CXII

Commetteram soberbos os Gigantes
Com guerra vãa o Olympo claro e puro :
Tentou Pirithoo, e Theseo, de ignorantes,
O reino de Plutão horrendo e escuro:
Se houve feitos no mundo tão possantes,
Não menos he trabalho illustre e duro,
Quanto foi commetter inferno, e céo,
Jue outrem commetta a furia de Nereo.

CXIII

Queimou o sagrado templo de Diana,
Do subtil Ctesiphonio fabricado,
Herostrato, por ser da gente humana
Conhecido no mundo, e nomeado :
Se tambem com taes obras nos engana
O desejo de hum nome avantajado,
Mais razão ha que queira eterna gloria,
Quern faz obras tão dignas de memoria.

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