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cer, teve o Passe da respectiva Carta de Perdão, pagando préviamente quatro mil reis para a Arca da Piedade. Obtido o Assignado do Bispo de San Thomé, de que lhe fôra entregue essa multa, e o recibo pelo escrivão Alexandre Lopes em como o carregou em receita, foi a final assignada Carta de Perdão a Luiz de Camões, em 7 de Março de 1553, pelos dois desembargadores D. Gonçalo Pinheiro e Dr. João Monteiro. Levou onze dias este processo de indulto, o que perante a morosidade da justiça do tempo, leva a inferir que teve Camões pessoa influente que interveiu para lhe ser dada a liberdade; e que, apesar de constar na propria Carta de perdão que era um mancebo pobre, a exigencia dos quatro mil reis para a Arca da Piedade só poderia ser satisfeita por uma sublime generosidade, para depois ser solto. Vencida a reluctancia de Gonçalo Borges, accedendo ao que se lhe impoz por cortezania, faltava o caso de lesa-magestade, e para conseguir-se o perdão real, foi preciso quasi como uma commutação de pena offerecer-se o poeta para ir servir como soldado na India, partindo logo na Armada d'esse anno!

Carta de perdão a Luis de Camões

D. Johão Et. A todollos corregedores. ouvidores Juizes e Justiças officiaes e pessoas de meus reinos e senhorios a que esta minha Carta de perdão for mostrada, e o conhecimento d'ella com direito pertencer, saude: faço-vos saber que Luis Vaar de Camões filho de Symão Vaaz, Cavalleiro fidalguo de minha casa morador em esta cidade de Lisboa, me enviou dizer per sua petiçam que elle estáa preso no tronquo desta

cidade por ser culpado em huma devassa que se tirou sobre o ferimento de Gonçallo borges que tinha carreguo dos meus arreos por se dizer que andando o dito gonçallo borges passeando a cavallo no rocio desta cidade dia de Corpore Xpti na rua de Sancto antão alem de S. domingos, defronte das casas do pero Vaaz que dous homens emmascarados a cavallo se poseram a passear e a zombar com o dito gonçallo borges, e que na dita zombaria vieram a haver brigas d'arrancar e que elle supplicante acudira em favor dos ditos emmascarados conhecendoos por serem seus amiguos. E que de proposito com huma espada ferira ao dito Gonçallo borges de huma ferida no pescoço junto do cabello do toutiço, estando eu nesta cidade com minha côrte e casa de supricaçam e levando outros em sua companhia. E o dito gonçallo borges he são e sem aleijão nem deformidade, e lhe tem perdoado como se mostra do perdão junto a sua petiçam. e elle supricante he hum mancebo e pobre e me vay este anno servir á India, enviando me elle supricante pedir por mercê ouvesse por bem de lhe perdoar a culpa que no dito caso tem da maneira que diz, e o instrumento de perdão que apresentou parecia ser feito e asynado por antonio vaaz de Castelbranco pubrico tabalião das notas em esta cidade de Lixboa e seus termos aos XXIII dias do mez de fevereiro do anno presente de mil quinhentos cinquenta e trez annos pello qual se mostrava gonçallo borges que tem carreguo dos meos arreos por ser ja são da ferida sem aleijão nem desformidade para que o senhor deus lhe perdoe seus peccados de sua boa livre vontade perdoar ao dito Luiz Vaaz de Ca mões toda sua justiça, que contra elle possa ter e o não queria por ello acusar nen demandar crimemente nem civelmente e lhe perdoava toda justiça dano corregimento, e todo o que contra elle per dereito podesse alcançar com tanto que o dito supricante se livre do dito caso a sua custa e despeza e me pedia por mercê lhe perdoasse minha justiça segundo que todo esto melhor e mais compridamente em o dito instrumento de perdam se conthem. E eu vendo o que me elle supricante assi dizer e pedir mandou se asy he como elle diz e hy mais não ha, visto um parecer com o meu passe e querendo-lhe fazer graça e mercê tenho por bem e me praz de lhe perdoar a culpa que tem no caso conteudo em sua pitiçam pelo modo que nella de

clara visto o perdam da parte que apresenta e pagará quatro mil reis pera piedade. E por quanto, logo pagou os ditos quatro mil reis pera ao bispo de Sancthomé do meu conselho, e meu esmoler segundo delle fuy certo per hum seu assynado e, per outro de alexandre lopes meu capellão e escrivam do dito carguo que os sobre elle carregou em recepta Vos mando que o mandeis soltar se por al não for preso. E da quy em diante o não prendaes, nem mandeis prender, nem lhe façaes nem consintaes ser feito mal nem outro desaguisado quanto he por razão do conteudo em sua petiçam em esta ultima carta declarado por que minha mercê e vontade he de lhe assy perdoar pela guisa que dito he. O que asy compry huns e outros e al não façaes. Dada em esta minha cidade de Lixboa aos sete dias do mez de Março e feita aos 3 do dito mez. El Rei nosso Sr. o mandou por dom gonçallo pinheiro bispo de Viseu e per o doutor Joham Mont ro chanceler do mestrado de nosso senhor Jesu Christo ambos do meu conselho e seus desembargadores do paço e petições. francisco martins a fez por antonio godinho anno do nascimento de nosso Senhor Jesu Christo de mil quinhentos e cincoenta e tres annos, e eu antonio godinho a fiz escrever. Concertado. Pedro de Oliveira. Concertado. Luis Carvalho, Pedro Gomes. 1

Passada a Carta de Perdão em 7 de Março, obteve Camões a soltura na hypothese mais favoravel no dia seguinte, tendo apenas dezeseis dias de liberdade até á hora do embarque para a India em 24 de Março de 1524. Nem tempo teve para preparar-se com roupas e alimentos para uma tormentosa viagem de

1 Perdões e Legitimações de D. João III, Livro xx, fl. 296 v. - Juromenha, Obr., t. I, p. 166. - Custa a crêr como este documento tão patente na Torre do Tombo não despertou a curiosidade de nenhum investigador camoniano, D. Antonio Alvaro da Cunha no seculo XVII ou D. Francisco Alexandre Lobo, no seculo xix.

seis mezes e sob a disciplina inflexivel do homem de guerra.

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D'esta vez não se appresentou seu pae como fiador, no Registo da Casa da India, como em 1550. D'aqui se infere que estava ausente de Lisboa, ou que, melindrado pela prisão do filho se não quizesse prestar a nova responsabilidade. As tradições, colhidas pelos linhagistas, auxiliam o esclarecimento do problema. No Manuscripto genealogico de Cabedo (1602 a 1604) encontrou Camillo Castello Branco esta referencia a Simão Vaz de Camões: « que foi por Capitão de uma náo á India, e deu á cósta á vista de Goa; salvou-se em uma taboa, e lá morreu, deixando viuva Anna de Macedo, dos Macedos de Santarem.>

Quasi dez annos depois d'este trecho de

1 Quando era ainda ignorada a existencia da Carta de Perdão, que authentica a data da partida de Camões para a India, já Severim de Faria tinha determinado o anno de 1553 por um processo deductivo: Não achei em seus versos, nem em memoria alguma o anno em que se embarcou. Sómente escreve, que tanto que chegou a Gôa sahiu o Vice-Rei com uma armada sobre o Rey da Pimenta Foi esta empreza, segundo referem as historias da India, no fim do anno de 1553 Pelo que consta que partiu de Lisboa no março de 1553 com Fernando Alvares Cabral, que, indo por Capitão de quatro náos, só elle chegou á India no primeiro de Setembro do mesmo anno.» (Disc., fl. 3 ) Fixada tão lucidamente esta data, para que havia Faria e Sousa fabricar um documento, como o increpa o Dr. Storck, repetindo o que já estava sabido?

A Carta de perdão a Camões nada tem de humilhante; já em 1551 fôra passada a Christovam Falcão uma carta de perdão por ter ferido o Meirinho de Portalegre.

Cabedo, publicou Pedro de Mariz em 1613, na biographia do poeta, que Simão Vaz: «foy por Capitão de uma náo á India, naufragando nas costas da terra firme de Gôa.›

E fallando do naufragio do poeta, confunde-o com o do pae, misturando dados da tradição de Cabedo, d'esta fórma: « E como o nosso Poeta ficou sem pay, e tão pobre, que se salvou em uma taboa em tempo que espe rava ficar rico: vendo-se n'este desamparo (ou como dizem homiziado ou desterrado por huns amores no Paço da Rainha, se embarcou para a India.» Pelo Indice de toda a Fazenda, por Figueiredo Falcão, sabe-se que uma Não Conceição, em 1553 arribada, tinha em 1555, no seu naufragio, segundo a relação de Manoel Rangel, por Feitor um tal Simão Vaz, que ahi morreu.

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1 Na Relação do Naufragio da Náo Conceição em 1555, no Baixo de Pero dos Banhos, lê-se: « Tanto que Simão Vaz, Feitor da Náo, a viu arrombada, logo se metteu na primeira batelada, em a qual saíu em terra, e andou n'ella por espaço de uma hora toda em redondo, tão pasmado, como homem fóra de seu juizo. Lembrou-se que lhe ficára um pouco de dinheiro em um cofre; tanto que lhe lembrou, tornou-se a embarcar para tornar á Náo, e quando lá foi já o não achou; então se tornou com o Capitão e com Affonso da Gama, que inda não tinha vindo á terra, e quando se veiu ao desembarcar não se quiz sahir do batel, e disselhe o Capitão Affonso da Gama : Não torneis á Náo, que não tendes lá que fazer. Elle, dizem que, respondeu: Eu quero tornar para fazer tirar algumas cousas que são necessarias. E não se quiz sahir e ficou em o batel com o Contra-mestre e marinheiros; e tanto que o batel foi remando e que se afastou das pedras, olhou para terra e então disse que o tornassem a por

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