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tugal solidario no desenvolvimento da Civilisação moderna, a Epopêa de Camões foi o pregão do ninho seu paterno, que accendeu nas gerações os impetos da independencia nacional, e pela inspiração universalista impoz aos seculos que este pequeno povo sobreviverá como factor da historia da humanidade. Sob este aspecto escreveu Edgar Quinet: «Quanto mais reflicto, mais me convenço que nada ha de mais vivo e grande, nas cousas e obras humanas, em que se não encontre este duplo caracter: o geral e o particular, a cabeça e o coração, a humanidade e a patria. A immensa Odyssea gravita em torno da pequena Ithaca. Que ha de mais collossal do que o poema de Dante? Transpõe o céo e o inferno, e comtudo nada ha mais florentino. Onde encontrar-se um horisonte mais vasto que nos Lusiadas de Camões? fluctuamos em mares desconhecidos, e comtudo o que haverá de mais portuguez? Topa-se com a Lisboa querida nos confins da terra.» (Revol. d'Italie, p. 74.)

Estudado Camões sob o exclusivo aspecto litterario, apparece a par dos maiores espiritos, mas será incompleta a comprehensão do seu genio, porque ha em Camões uma feição organica que o torna o representante da raça e o fez synthetisar o genio da litteratura portugueza. Descendente de um trovador-fidalgo emigrado da Galliza por luctas politicas, e parente da familia dos Gamas do Algarve, n'elle se unifica a antiga unidade ethnica e territorial da Lusitania, que comprehendeu toda a região do oéste da Hespanha, do Cabo Cronium até ao Promontorio Sacro. Tendo

nascido em Lisboa e passado a mocidade em Coimbra, o poeta percorreu as conquistas da Africa e da India, levando-o a contemplação do dominio portuguez á concepção do ideal da Epopêa gloriosa da nação nunca de outrem subjugada, chegando mesmo ao sonho da Monarchia universal. O contacto da realidade fel-o reconhecer a decadencia moral das classes dirigentes, o abysmo das ambições clericaes, e os prenuncios do iberismo fortificado pela Liga catholica. O regresso com o seu Poema á ditosa Patria tanto amada, foi para um maior soffrimento, assistindo á austera, apagada e vil tristeza em que se afundou a nacionalidade.

E o poeta, que no seu temperamento e caracter individual encarnou a feição typica da raça lusitana, fortificou o ideal da Patria pela Tradição e deu o maximo relêvo artistico, fazendo vibrar o ethos da nacionalidade. A Tradição é que dá unidade moral a um povo, a vibração unisona na emoção nacional. Os Poemas homericos encerram o conjuncto das Tradições hellenicas; sentindo este influxo, o genio grego fortaleceu-se com esses poemas todas as vezes que precisou de affirmar a sua independencia ou unidade moral. Na educação grega, o estudo de Homero formava o nucleo fundamental da cultura; narra Xenophonte, que seu pae intentando fazer d'elle um homem de bem, o mandara decorar Homero: «Quando uma criança começa a apprender alguma cousa, o ensino deve saír de Homero, e esses cantos heroicos devem alimentar sua alma, apenas sahido do berço, como o leite mais puro; elle ficará o compa

nheiro da nossa vida; com o estudo torna-se o nosso confidente, e na velhice, se o abandonamos por um momento, voltamos logo a elle famintos.» Esta unidade moral realisada pela Tradição fez da Grecia a mais bella floração humana, e a impulsora de todas as Renascenças.

Elaborando a Epopêa da nacionalidade portugueza, sente-se quanto em Camões a poesia da Tradição o animava sob o prestigio dos modelos classicos. Todas as pittorescas lendas que bordam a historia de Portugal, como a Apparição de Ourique e o sonho da Quinta Monarchia, as façanhas de Egas Moniz, Geraldo Sem-pavor e dos Doze de Inglaterra, os amores patheticos de Ignez de Castro e de Leonor de Sá, as lendas geographicas do Dragão de Colchos transformado no Adamastor, e das Ilhas Fortunatas na Ilha dos Amores, revelam como se fundiam as duas correntes poeticas, medieval e classica, na fórma definitiva, que não é só de Portugal mas da Renascença.

E quando o palacianismo adoptava como lingua da côrte o castelhano, repellindo a linguagem nacional para o vulgo rude, tambem Camões deu fórma perfeita e imperecivel a esta fronteira moral da nacionalidade: foi elle o que melhor fundou a disciplina grammatical da lingua, enriquecendo-lhe o vocabulario com os archaismos e neologismos necessarios á expressão pittoresca, fixando accentuações e dando á construcção syntaxica a plasticidade latina. Embora a sua linguagem represente todo o purismo dos Quinhentistas, ella é ainda hoje actual e corrente. Póde-se

dizer, que os Lusiadas, e tambem toda a sua obra lyrica, sempre imitada, obstaram á scisão da lingua portugueza em dialectos, sendo sob o dominio castelhano o maior estimulo para a restauração da nacionalidade.

Como individualidade preponderante, Camões hombrea com as maiores que se destacaram no quadro do seculo XVI; a sua vida atormentada, cheia de decepções, mas sempre enlevado em uma esperança ideal, é uma encarnação do temperamento affectivo da raça soffredora e aventureira. Os desdens de uma côrte fanatica, injustiças, destêrros e vida errante de soldado na India, naufragios e miseria, tudo veiu em vez de quebral-o accentuar-lhe mais a individualidade. João Paulo Richter, em um relampago de genio mede lhe assim a estatura: «Os poetas da antiguidade eram cidadãos e soldados antes de serem poetas, e em todos os tempos, a mão dos grandes poetas épicos, em particular, teve de manobrar o timão nas ondas da vida, antes de empenhar o pincel que traça a viagem; assim CAMÕES, Dante, Milton... Quanto foram Shakespeare e mais ainda Cervantes, atormentados, matraqueados, sulcados pela existencia, antes que em cada um d'elles o germen da flor poetica se desenvolvesse e engrandecesse.» (Poetica, c. 1, § 2.) As particularidades e minucias biographicas com que desde o fim do seculo XVI se tem procurado esclarecer a vida de Camões, conduzem a esta synthese entrevista por João Paulo. Mesmo o poeta na sua morte é luz philosophica que nos orienta: no momento em que não pôde mais tocar a patria livre, expirou com ella,

como em um só paroxismo. O seu genio e a alma nacional ficaram immortaes na Epopêa dos Lusiadas, um Symbolo vivo para os portuguezes, e para a Europa culta a expressão esthetica da civilisação moderna idealisada pelo Homero das Linguas vivas, como lhe chamou o sabio Alexandre de Humboldt.

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