THOMAS JOSEPH DE AQUINO, PRESB. SEC. NESTA SUA SEGUNDA EDIÇÃO DAS OBRAS DE LUIS DE CAMÕES, AO LEITOR. AQUELLE mesmo gosto, e zelo pelos interesses litterarios da Naçao Portugueza, com que nos annos de 1779, e 1780 dei ao público, na Officina Luisiana, huma ediçaõ completa, e exacta (em quanto ao que elle escreveo) das Obras de Luis de Camões; esse mesmo me estimula ainda agora para lhe dar na sua repetiçao, e na multiplicidade de exemplares huma segurança, e huma certeza da aceitaçao, que ella mereceo, e conseguio. Já nas Prefações, e advertencias daquelles quatro volumes, me parece deixei aos meus Leitores sufficientemente informados, das razões que me movérao a entrar nesta empreza; como tambem de tudo o mais, que julguei conducente, para a cabal intelligencia do que alli ha, e por isso naõ era por ora da minha intençao molesta-los de novo com mais satisfações, depois de tantas, quantas alli se achaõ : porém como, ou pela angustia da conjunctura, ou pela occurrencia de occupações ao tempo de trabalhar aquelles escriptos, me escapassem algumas cousas, dignas de saber-se, e que tinha em apontamentos, me vejo presentemente obrigado a fazer ao mesmo Leitor, nesta segunda ediçao, algumas advertencias, que julgo indispensavelmente necessarias. Em primeiro lugar devo advertir, que tanto naquella, como nesta ediçao, vai emendado, segundo a judiciosa reflexao do erudito Joao Franco Barreto, aquelle notavel lugar da Lusiada, canto IV, estancia LXVII, onde o Poeta finge o mysterioso sonho, em que ao Senhor Rei D. Manoel apparecêrao os Rios Indo, e Ganges. Quem poderia convencer-so (nem ainda sonhando) que a falta de hum accento, SObre huma letra, omittido pela negligencia de Amanuenses, ou Impressores havia de fazer o sentido de hum periodo tao duvidoso, que huns affirmassem, que o Poeta dizia, que o sonho do dito Rei fora á prima noute, e outros, que sobre a madrugada? Pois tudo isto aconteceo. Levantou-se huma chusma de Criticos presunçosos, e importunos (em todos os tempos os houve com estas qualidades, que persuadindose ganhaō nome, e fama mordendo alheios escriptos, o que conseguem he só soffrer o desprezo commum, e mostrar a pouca, ou nenhuma sciencia das cousas) os quaes pondo-se em campo, com mais malevolencia, ou inveja, que Criterio, derao principio á peleja, dizendo: Que o Poeta errára contra as leis dos Poemas Epicos, por haver fingido o sonho do sobredito Rei logo á entrada da noute; por quanto os sonhos annunciadores de felicidades, que nos mesmos Poemas se introduziaõ, deviaõ ser sobre a madrugada, e naõ á prima noute: o que provavao com seus exemplos. Ao encontro destes sahirao outros, que com as armas de vigorosos, e concludentes argumentos, tirados do contexto das mesmas Estancias do Poema, naquelle lugar, se esforçáraõ a provar, que o Poeta fingira o sonho sobre a madrugada, e naõ á prima noute. Durou este combate, e contenda litteraria largo tempo; até que vindo finalmente Joao Franco Barreto, primeiramente com hum Discurso (de que já fiz mençaõ no Discurso Preliminar) e depois com a sua Orthographia, como em soccorro, e ponderando a necessidade que ha do uso dos accentos no nosso Idioma, desenganou os contendores, deixando assaz provado, que o sonho do Senhor Rei D. Manoel, introduzido excellentissimamente por Luis de Camões na sua Lusiada, fora sobre a madrugada, e naõ á prima noute. E porque eu nao saberei explicar-me tao bem, e as minhas palavras naõ teraõ talvez a mesma clareza, a mesma energía, e propriedade, transcreverei as do mesmo Barreto, que sao da sua Orthographia, impressa em Lisboa por Joao da Costa, no anno 1671, p. 207. « He taō importante (diz elle) a observan<< cia destes accentos, que por falta della foi |