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de forças para espiritualizar o individuo, contendo-lhe os impulsos animaes. Foi ella que transformou o anthropopitheco de BLAINVILLE e MORTILLET no homem dos nossos dias. A razão juridica é a intelligencia illuminada pelo saber e guiada pelos ideaes, que representam a cultura integral do momento historico.

III

A lei é a fórma principal que reveste o direito. Mas é fórma pouco flexivel. Para adaptal-a á variedade infinita dos casos da vida, dar-lhe suavidade e extensão, multiplicar-lhe a efficacia, insuflar-lhe vigor, descobrir-lhe os intuitos reconditos, acommodal-a ás situações novas, apagar-lhe as falhas e salientar-lhe as virtudes, ha o interprete, que é um orgam precioso do systema juridico e uma força considerave na evolução do direito.

O interprete é um creador, como o artista. Da pedra ou do bronze do edito, elle extrae a construcção e a doutrina, que são novas elaborações da lei, algumas de uma luz tão forte, outras de uma delicadeza tão penetrante, que empolgam a mente como um formoso producto de alta esthetica.

E' tambem um sabio, porque a materia prima sobre que trabalha é feita de experiencia e de estudo: a experiencia dos factos, que, pela continuação, apura a sensibilidade moral e fortalece a intelligencia; o estudo das leis, que não poderá ser fecundo si não obedecer ao criterio sociologico, ao methodo historico e comparativo.

O verdadeiro interprete é o jurisconsulto. E esse nome só deve dar aos sacerdotes do direito, como essas gloriosas figuras romanas, que tanto mais se impoem á nossa admiração, quanto mais se afastam de nós pelo tempo, e nós melhor as vemos pela meditação das suas sentenças. Merecem-no os CUJACIO, OS MELLO FREIRE, OS POTHIER, OS MERLIN, OS SAVIGNY, OS JHERING, OS COGLIOLO e os GABRA.

O Brasil tem tido eximios cultores do direito, e a impressão que me deixa o exame de nossa literatura juridica é, não somente, que ella tem solidez, como que se acha em um periodo de florescencia. Não me proponho, entretanto, a organizar uma bibliographia dos nossos autores juridicos, alguns dos quaes de grande merecimento. Os contemporaneos, e até alguns jovens, entrariam nessa lista com muito garbo e louçania. A alta magistratura possue representantes de grande brilho mental e extensa erudição; o constitucionalismo póde orgulhar-se com figuras de forte valor; no direito commercial e no civil, apontam-se mestres, que poem galhardamente a nossa jurisprudencia ao nivel da cultura do tempo.

Não importa nomeal-os. O que me interessa affirmar é que todos esses cultores do direito positivo, como os philosophos e os sociologos do direito, apresentam um ar de familia, porque, differentemente do que acontece na literatura amena, si o estudioso do direito se interna pelas legislações extranhas e ouve, solicito, a lição dos mestres de nomeada universal, jamais esquece, de todo, os seus guias domesticos e familiares, cuja doutrina acata e procura desenvolver. Si a nossa literatura juridica timbra em acompanhar o movimento universal das idéas, não permittindo que um grande vulto assome na jurisprudencia extrangeira sem que um raio de sua luz se reflicta sobre nós, os estimulos e a orientação que lhe vêm do exterior apenas vivificam ou transformam o acervo intellectual do direito patrio, suscitando o apparecimento de obras genuinamente nacionaes.

Quando as tempestades da politica européa arrojaram ás nossas praias a côrte

portugueza, que fugia á colera do corso genial, e aqui, por força desse acontecimento, uma era nova se inaugurou, terminando o periodo colonial, destacou-se um jurisconsulto egregio, como si as circumstancias o creassem. Foi JOSÉ DA SILVA LISBOA, autor dos Principios de direito mercantil, a quem se attribue a sugestão da abertura dos portos do Brasil ao commercio do mundo, em 1808. Era essa medida uma necessidade do constrangido momento em que se achava o reino de Portugal, mas não perde, por esse motivo, o seu caracter liberal e sympathico. Apenas se deverá accrescentar que foi opportuna.

Não direi que o valoroso espirito, que inspirou esse acto de grande significação para o nosso desenvolvimento economico, fosse um grande interprete de nosso direito, porque antes lhe cabe o posto de glorioso propulsor da vida economico-juridica de nossa patria. Apparecendo no momento em que se iniciava a transformação politica da qual havia de surgir a independencia do paiz, exprimiu, com extraordinaria felicidade, a orientação liberal do direito que melhor convinha ao Estado americano, cujos destinos elevados a sua aspiração patriotica propiciava. Ainda não se assignalou, com justiça, o valor deste homem. Póde-se, porém, dizer desassombradamente que a sua influencia na formação das idéas politicas e juridicas do Brasil de seu tempo foi altamente benefica e das mais efficazes. E para que o não esquecesse, neste momento, bastaria ter sido, como foi, o creador da doutrina do direito commercial, em lingua portugueza.

Este acha-se no portico, onde nobremente se destaca. Penetrando no adyto do pantheon de nossa jurisprudencia, tres figuras nos impressionam. São tres organizações mentaes radicalmente differentes, que se applicaram a ramos diversos do saber juridico: PAULA BAPTISTA, TEIXEIRA DE FREITAS e CANDIDO MENDES. Não estão isoladas. Em torno dellas, agrupam-se outras, de nomes apagados ou brilhantes. Mas ellas indicam tres orientações differentes da idéa juridica no Brasil, como outras indicarão TOBIAS BARRETO, secundado por SYLVIO ROMERO, esse grande morto de hontem, LAFAYETTE e RUY BARBOSA.

PAULA BAPTISTA escreveu dois compendios modelares: A theoria e pratica do processo civil e a Hermeneutica juridica. São dois primores de synthese, onde se condensam, com firmeza e elegancia, os conhecimentos da época. Numa fórma lucida e animada, encerra-se uma sciencia exacta e segura. Uma lenda, cuja origem ignoro, porém que teve curso no meu tempo de estudante, quando PAULA BAPTISTA ainda illuminava a cathedra de pratica, segundo lá se dizia então, fazia o segundo desses manuaes, a Hermeneutica, traduzida para o allemão e adoptado, como livro de texto, na celebre universidade de Heidelberg. Outra lenda nol-o mostra vestindo, ás pressas, as insignias doutoraes, para salvar a honra da congregação, compromettida na defesa de these de LIBERATO BARROSO, que, deante da victoriosa dialectica do erudito professor, se viu forçado a negar, tres vezes, a opinião sustentada. Eram os transbordamentos da admiração dos coevos, impressionados com a perfeição magistral da obra, no primeiro caso, e com a poderosa logica servida por extensa erudição, no segundo.

O que é certo, porém, como lembra PHAELANTE DA CAMARA, que refere os dois casos, no seu estylo movimentado e colorido, é que o nome do sabio professor do Recife, desde o apparecimento dos seus dois livros, anda frequentemente citado "nos trabalhos forenses, na doutrina e nos estudos de interpretação de leis", entre as maiores autoridades da materia.

TEIXEIRA DE FREITAS produziu dois livros capitaes, que sobrelevam a todos os outros, aliás excellentes, que andou prodigamente espalhando: A consolidação das leis civis e o Esboço. A phrase é menos limpida do que a de PAULA BAPTISTA,

A. B. 33

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mas o saber attinge a uma enorme extensão, e a intelligencia é bastante poderosa para mover essa massa consideravel, sem perder a sua originalidade, e sabendo, com ella, produzir fórmas novas, de uma energia de traços, que nos levam a proclamar esse grande espirito o jurisconsulto maximo do Brasil. Na Consolidação das leis civis, as faculdades organicas de TEIXEIRA DE FREITAS desbastam, condensam, vivificam dispositivos de uma legislação secular e prescripções numerosas de datas mais recentes. No Esboço, a força creadora do jurisconsulto move-se mais livremente e erige um monumento imperecivel, que ficou definitivamente incorporado no acervo juridico da America do Sul.

Os outros seus livros, as annotações aos praxistas, a critica ao Codigo civil portuguez, os additamentos ao Codigo commercial, são guias preciosos, que muito contribuiram para a comprehensão das leis e o desenvolvimento da vida juridica. Não se elevaram, porém, á altura dos dois que acabam de ser nomeados, dos quaes um deu expressão ao direito vigente e o outro preparou o desdobramento do direito futuro.

Mas, quer PAULA BAPTISTA, quer TEIXEIRA DE FREITAS, abeberando-se da sciencia do tempo, elegendo por guias insignes mestres alienigenas, conservaram-se brasileiros na essencia do pensamento, porque as idćas extrangeiras, que assimilaram, foram, em suas mãos, simples instrumentos para elaborar as construcções de indole nacional, que nos deixaram.

CANDIDO MENDES, no Codigo philipino, no Auxiliar juridico e no Direito canonico foi, sobretudo, um erudito. Todas as fontes do direito foram por elle perquiridas, algumas restauradas e muitas outras postas ao alcance dos juizes e advogados. Possuindo uma grande penetração mental, como revelou em seus ensaios historicos, utilizou as suas faculdades de tempera não commum, em reunir documentos juridicos, esclarecendo-os, quando era mister, de notas de uma erudição impeccavel. Não foi um creador, nem um doutrinario, mas foi um investigador infatigavel, que influiu sobre o desenvolvimento de nossa jurisprudencia, poupando penosos labores aos estudiosos, e indicando-lhes o caminho a seguir. Esse caminho conduz, pelo amôr das cousas patrias e dos monumentos do saber juridico, á formação dos espiritos que se consagram ao estudo no direito, e á consolidação de uma doutrina juridica nacional.

Dir-se-á que são homens de outra geração. Foi intencionalmente que não quiz individualizar os vivos, que apenas nomeei LAFAYETTE, cujos livros gosam de uma estima tão extensa quanto merecida, e RUY BARBOSA, cuja autoridade é sem par no direito constitucional. E não tentei caracterizar a acção de TOBIAS BARRETO, porque ella se fez sentir no dominio da philosophia juridica, e eu, agora, considero o direito positivo. Mas uma affirmação posso fazer com segurança e desvaneço-me de fazel-a. Os juristas brasileiros de hoje, si alargaram mais a esphera de suas observações, si se puzeram em contacto mais frequente com a doutrina e as legislações extranhas, souberam manter as tradições dos seus predecessores e continuam a interpretar a lei brasileira com sentimento juridico brasileiro. Esse sentimento é resultante da sensibilidade propria da raça, combinada com a expressão particular do direito nacional. Foi um grande bem que os nossos jurisconsultos tivessem comprehendido e sentido a expressão propria do direito patrio, de modo que, interpretando-lhe os editos e desenvolvendo-lhe os disposi tivos, não lhe perturbaram a marcha natural, não lhe prejudicaram a espontaneidade, não lhe desviaram as energias nativas, não o reduziram a uma caricatura inexpressiva ou grotesca, perigo de que estavamos ameaçados pela formidavel avalanche de imitação de leis e institutos extrangeiros, que tem posto á prova

a nossa capacidade assimiladora. Devido a essa harmonia consubstancial, entre a consciencia do povo e a dos grandes interpretes do direito patrio, tem esse direito uma individualidade assignalavel, caracteres inconfundiveis, feição geral distincta.

E' um patrimonio sagrado de que nos podemos gloriar, e que nos impõe deveres muito arduos, para que se não desfaça. Mas, tenho fé segura, os que assumiram a responsabilidade do pensamento juridico, em nossos dias, marcharão nas pégadas luminosas dos que já foram para a gloria. Conservando o acervo hereditario, fal-o-ão mais opulento e cada vez mais caracteristicamente nosso.

O direito é sentimento e razão, porque é moral e justiça. E, si o direito patrio deixou desenvolver-se a parte do sentimento, regosijemo-nos com esse facto, porque, si a razão é fagulha do cerebro humano, o sentimento é luz da alma universal !

A VIDA ECONOMICA E FINANCEIRA DO BRASIL

CONFERENCIA REALIZADA PELO DR. AMARO CAVALCANTI A 5 DE SETEMBRO DE 1911

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Antes de iniciar a sua conferencia, proferiu o dr. Amaro Cavalcanti as palavras seguintes:

Ao thema da conferencia podendo ser dado um sentido muito mais lato, devemos desde logo advertir que apenas nos propomos fazer uma breve resenha de varios factos da nossa historia, pelos quaes se possa ajuizar da marcha da nossa vida economica e financeira em seu aspecto mais geral, segundo os dados conhecidos da Administração Publica; procurando mostrar, ao mesmo tempo, que 0 nosso atraso a esse respeito póde ser attribuido, muito principalmente, á preferencia sabida, que os nossos dirigentes têm dado infelizmente aos interesse3 da politicagem em todos os tempos.

Curto e raro será o periodo governamental em o qual isso não haja succedido.

I

Já temos a curta distancia, ao alcance dos proprios olhos, o primeiro marco centenar de nossa existencia, como nação independente.

E a dizer simples verdade, si não temos, com effeito, conseguido o grande prestigio que nos devia caber na communidade das nações mais importantes do Mundo, sob o ponto de vista da civilização, do direito e da politica internacional, nem por isto deixamos de ter uma posição manifestamente condigna no conceito das mesmas. O Brasil já é innegavelmente considerado uma das nações mais adiantadas do Continente Americano e, como tal, parte integrante das demais nações cultas do Globo.

Mas, si sob este aspecto nos é licito pretender com razão semelhante posição mundial, por outro lado, é de confessar, embora com tristeza, que a nossa estimação na ordem economica, nacional ou mundial, se resente ainda de grande inferioridade.

con

Não obstante o acaso feliz de nos haver tocado por sorte um territorio que a nenhum outro cede em bôas condições ou fontes de riqueza natural, tinuamos, todavia, na dependencia crescente das outras nações em quasi tudo que respeita ao desenvolvimento material do paiz e até ás necessidades do nosso viver quotidiano!

Este facto, mais do que nenhum outro, é que devia merecer a attenção incessante das nossas classes dirigentes; não receiando mesmo acrescentar, que é tempo de pôrmos termo, ao menos em parte, a essa politicagem, que tem absorvido a melhor attenção dos nossos governos e directores da vida publica, para occupar-nos, seriamente e de preferencia, de desenvolver os elementos da riqueza commum, sem a qual nenhuma nação poderá gosar de verdadeiro prestigio entre as demais. Importa reconhecer de vez, que o primeiro problema da bôa politica

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