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O DIREITO NO BRASIL. A SUA FEIÇÃO PARTICULAR. OS SEUS GRANDES

INTERPRETES

CONFERENCIA REALIZADA PELO DR. CLOVIS BEVILAQUA A 20 DE AGOSTO DE 1914

Como abertura da conferencia, o dr. Clovis Bevilaqua disse as palavras seguintes:

"Antes de começar, sinto necessidade de apresentar uma explicação aos que me ouvem: porque não deserto este posto.

Contemplando a massa enorme de interesses pacifistas: a intensidade da vida economica, a accumulação das riquezas, a febre do trabalho, a valorização do individuo e das massas populares, diante dos governantes, o progresso das artes e das sciencias, o desenvolvimento ethico do homem, a expansão salutar das idealidades, exercendo imperio cada vez mais extenso e mais forte sobre a mente humana, o poder crescente do direito, como força inhibitoria da animalidade e propulsora da cultura, estavamos a pensar que essa guerra, para a qual a Europa vinha se preparando, ha longos annos, consumindo sommas estonteantes, desviando ou inutilizando poderosas energias physicas e mentaes, seria indefinidamente adiada, até desapparecer, como um anachronismo ou uma incongruencia em face da civilização.

Enganamo-nos. Ella estalou e ruiu devastadora, quebrando nos dentes de aço a cadeia espiritual em que a cultura pretendia contel-a. E o que ouvimos desabar, em torno de nós, não são as muralhas das cidadelas nem as abobadas metallicas dos fortes, ć, sim, a gloriosa construcção ideal, que os philosophos, os socialistas, os jurisconsultos, os philanthropos, os homens, no trabalho, e as mulheres, no lar, estavam, amorosamente, erguendo para as gerações futuras. O que afundou foi essa obra de transacção, mas altamente meritoria, de Haya, na qual depositavamos grandes esperanças os que acreditamos serem a moral e o direito os alvos superiores a que tende a humanidade.

E' uma impressão de desmoronamento moral o que sentimos, em face do morticinio dos homens e da quebra dos principios ethico-juridicos. E todos comprehendemos o sentimento do meu eminente collega, dr. Rodrigo Octavio, resolvendo calar-se, não proseguir em suas lições de direito internacional privado, e "aguardar que, passado o cataclisma, pudesse o mundo recomeçar a sua marcha para o progresso".

Mas elle sacudiu de si o abatimento, em nome dos destinos pacificos da America. Tenhamos todos a mesma confiança, e, fechando os ouvidos aos gritos de guerra, que atrôam os ares do outro lado do Atlantico, prosigamos na obra da paz, esperando que esta lição cruel consolide, na America, a orientação da sua cultura desprendida de preconceitos guerreiros e visando o bem estar da humanidade, pelo progresso economico e intellectual, sob o patrocinio da justiça, ao impulso dos sentimentos benevolos.

A. B. 38

I

A vossa presença, neste recinto, é uma prova irrecusavel de que ainda podemos, nesta hora amarga e torva, fallar de cousas espirituaes, e ter esperança na victoria incruenta da justiça. O estrugir do canhoneio não abafará a voz do direito! Os bulcões de fumo não apagarão o sol da verdade !"

I

Tem-se definido o direito de mil modos differentes, desde os hellenos até os modernos philosophos juristas. Tão complexo é o phenomeno juridico, penetra a vida social tão profundamente, e toma aspectos e attitudes tão diversas, segundo os tempos em que apparece, e as relações que dirige, solicito, ou domina, imperioso, que não devemos nos admirar dessa divergencia de opiniões, traduzindo a disparidade das impressões.

Parece-me, entretanto, que podemos todos acceitar uma definição simples: o direito é a organização da vida social.

Assim como não se concebe o homem fóra da sociedade, esta não existe nem se comprehende sem o direito. Não se deve, em rigor, affirmar que o direito é uma creação da sociedade, porquanto elle não representa um momento posterior ao apparecimento do grupo social; nasce com elle, é condição de sua existencia. Os costumes, a moral, a religião, a civilidade tambem estabelecem preceitos, que adaptam o homem ás necessidades da vida em commum, porém nenhuma dessas disciplinas tem o caracter organico do direito, e, quando parecem tel-0, é que lhe assumem as funcções.

Geral e organico, o phenomeno juridico se apresenta sob feições diversas, porque a sociedade, si é uma das fórmas da energia universal, se modifica, de accordo com o meio physico, soffre influencias de outros agrupamentos humanog do mesmo genero, e se transforma indefinidamente, pelo desenvolvimento natural das suas forças.

O direito antigo differe, consideravelmente, do direito moderno. Comparae a organização politica dos grandes imperios de outr'ora com as constituições monarchicas ou republicanas de hoje. A machina politica tem uma engrenagem differente, o valor do individuo não é o mesmo, e varia a porção de liberdade assegurada. Comparae a propriedade e a familia, segundo as organizaram os egypcios, os persas, os assyrios e os gregos, com as fórmas de organização da vida economica e familial dos povos modernos. Tudo differe: a extensão dos direitos e a sua fórma, o numero dos institutos e o seu carácter, as possibilidades individuaes e o influxo social.

E no direito moderno, restringindo-nos, mesmo, aos povos occidentaes, onde ha manifesta communhão de cultura; onde os mesmos alvos ideaes e economicos solicitam os movimentos sociaes; onde se desfruta o acervo moral de idéas elaboradas pelos hellenos e romanos; onde a intelligencia se expande ao mesmo sol e o coração obedece a um rythmo semelhante, quanta differença !

As communicações se estreitam e multiplicam, as fronteiras se abatem, as idéas se generalizam, as instituições se transplantam, os povos se penetram, mas, apesar desse prodigioso trabalho de assimilação, subsistem differenças, que ferem a vista do observador, e algumas delas se podem considerar irreductiveis, porque experimentam particularidades intimas ou necessidades especiaes de cada povo. Vêde o direito publico. Na Europa, a fórma de governo preponderante é a monarchia. Apenas a Suissa, a França e Portugal adoptaram a fórma republicana. San Marino e Andorra podem ficar de lado, ainda que demos razão a LoмONACO,

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