Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

atacar toda a vitalidade da Renascença prevertendo o humanismo. Nos humanistas catholicos da phase sincera, a cultura litteraria subordinava as suas crenças religiosas ao bom senso ou predominio de uma rasão clara, não se lançando em exaltações de um dogmatismo imaginoso de exegetica sobre os textos hebraicos e gregos da Biblia. Observa Jules Soury: «Esses humanistas não eram, como Luthero, homens de fé e de acção; orthodoxos eruditos, prelados ciceronianos e philosophos, eram incomparavelmente mais instruidos e mais livres de todos os preconceitos ecclesiasticos. Foi precisamente esta largueza de espirito, e estes refinamentos de instrucção, que os impediram de reagir contra a Egreja.» N'esta corrente é que se educou Camões, ao qual a reacção violenta tanto The repugnava no campo protestante (Allemanha e Inglaterra) como no campo catholico, (França e Italia) como se vê nas estrophes dos Lusiadas. Camões imprimiu o seu poema quando já o humanismo da Renascença estava monopolisado pelos Jesuitas no ensino dos seus Collegios, e deturpado no gosto insulso da sua rhetorica fria.

O syncretismo da mythologia pagã com as symbolisações do christianismo, que apparece no poema de Camões e nos poetas da segunda metade do seculo XVI, taes como Tasso (discipulo dos Jesuitas) Lope de Vega e Cervantes, é considerado como consequencia d'esta declinação da Renascença, em que era imposta a censura ecclesiastica, e determinadas imagens para excluirem o emprego das entidades polytheicas. Escreve Tobias

Barreto: «a reacção catholica teve tambem o effeito de acabar com o espirito da Renascença. Os grandes Poetas do tempo de Camões, Tasso, Cervantes, Lope de Vega, prestam-se bem ao estudo d'este phenomeno. N'elles se observa como que o processo de transformação do espirito de uma epoca, da mythologia pagã na mythologia christã. Sem fallar na bem conhecida intervenção de Venus em prol dos propugnadores da cruz, cabe aqui recordar que na Galatea de Cervantes, na Arcadia de Lope de Vega, os templos dos Deuses e os claustros apparecem ao lado uns dos outros. A intuição da contra Refórma só chega a fazer-se completamente valer em Calderon, uma geração depois de Cervantes.»

Carlos ve Philippe II fundaram a sua politica imperialista servindo-se dos dois instrumentos da Egreja, Inquisição e Companhia de Jesus, para o engrandecimento da Casa de Austria. A reacção catholica contra a sociedade civil e o individualismo da Refórma, disciplinada no Concilio de Trento, dissolve a Renascença pela chateza da educação ou intervenção pedagogica dos Jesuitas, e pelo ataque ao pensamento na Censura ecclesiastica. Essa tristeza para que pende o alegre e vigoroso Seculo XVI no seu sensualismo artistico, sentiram-na em Portugal Sá de Miranda e Camões, na Italia Miguel Angelo, e na Allemanha Alberto Dürer, synthetisando-a no seu quadro da Melancholia. Camões termina a Epopêa nacional com essa nota realista do occaso da grande época, e resume toda a decadencia de Portugal em: «Uma austera, apagada e vil tristeza.>>

A Renascença da tolerancia dos humanistas affundava-se nas Guerras de Religião; a admiração dos bellos modelos da Litteratura classica apagava-se ante os ouropeis da falsa rhetorica dos Jesuitas; as ordens architectonicas gregas deturpavam se com o baroco. E como a toda a elabaração das ideias corresponde um movimento social acompanhado de effeitos politicos, a essa dissolução do poder espiritual ante as novas concepções da natureza e da historia, contrapôz-se uma concentração do poder temporal na fórma do impe· rialismo, que estabelecia um novo equilibrio europeu. A fixação do imperio Othomano, alargando-se por todo o Mediterraneo, e a queda da importancia commercial de Veneza, pela passagem do Cabo da Boa Esperança ás Indias orientaes pelos Portuguezes, desmoronaram o velho equilibrio dos estados da Europa; a situação de Hespanha sob Carlos V, pelo seu seu fanatismo catholico e pela necessidade de resistencia contra o poder dos Turcos, deu ao chefe da Casa de Austria todas as condições para encarnar em si as duas tradições do Santo Imperio romano com o Imperio germanico. Carlos v, visando a completar a unidade iberica, realisada pela fusão de Castella e Aragão, com a incorporação de Portugal por meio de casamentos reaes, desposou uma filha do rei D. Manoel, e mais tarde o principe Philippe, que foi o II, com a princeza D. Maria, filha de Dom João III. Um laço commum os aproximava: o exagerado fanatismo, que o proprio Carlos v estimulava na familia real portugueza, provocando em D. João III os esforços para o estabeleci

mento da Inquisição em Portugal; foi tambem o Geral hespanhol, Francisco de Borja que veiu secretamente a Portugal tratar do juramento de D. Carlos, princepe herdeiro no caso do falecimento do recem-nascido D. Sebastião. Todas as energias heroicas do caracter portuguez estavam empenhadas na fixação do nosso dominio oriental, e o commercio era um monopolio do poder real, que traficava por fórma directa e exclusiva. Todas estas riquezas tornaram-se um meio de corrupção, suscitando a avidez dos confiscos pelos processos inquisitoriaes, e as fundações de mosteiros e dotações opulentas de mil reli giosos diligentes, como os retrata Camões en um verso immortal. A lucta contra o Protestantismo, e a necessidade de combater o desenvolvimento da marinha dos Turcos, que se tornaram senhores das costas da Grecia, Siria e Africa, e tomado Chypre aos Venezianos, ameaçando as potencias occidentaes, levaram Philippe II a tornar-se o chefe da Santa Liga, da campanha contra os Turcos e das reacções catholicas sangrentas. O espirito de nacionalidade e patriotismo portuguez tinha sido apagado pelo castelhanismo da côrte, e pela educação jesuitica de duas gerações em quem imprimiram a intransigencia catholica. Antes de findar o grande seculo em que Portugal, como o principal impulsor da civilisação moderna, attingiu o maximo relevo das suas energias e capacidades ethnicas, estava reduzido sem violencia á condição de provincia castelhana. O sentimento da raça elevou-se

Terra Portucalense á fórma de Nação historica; o apagamento d'esse individualis

mo ethnico pelo fanatismo hespanhol, absorveu a nacionalidade no imperialismo caste. lhano ou iberico.

A grande vitalidade que se desenvolve na Hespanha na constituição das Nacionalidades, no fim da Edade média, manifesta-se em todo o seu esplendor no Estado Portucalense, erigindo-se em Nação autonoma. Portugal competiu n'esse concurso de uma civilisação nascente com a bella poesia dos Trovadores, com a liberdade civil e politica das Cartas de Foral, com a fundação da Universidade, com o estabelecimento do Ministerio publico. E emquanto Portugal se conservou em antinomia com Castella, chegou á consciencia nacional e á missão historica dos Descobrimentos. A approximação politica de Castella, a começar pelo casamento do filho-herdeiro de D. João II, assignala um tremendo influxo de dissolução. A Litteratura inspirada pela vibração d'essa actividade heroica, brilha em toda a época dos Quinhentistas, mas coincidindo com a marcha simultanea de uma irreparavel decadencia da nacionalidade. A approximação da côrte castelhana descobre esses fermentos lethaes: a Hespanha está dominada pelo fanatismo sanguinario da Inquisição, e os Reis catholicos lisonjeando esse poder como regimen policial, desvairados pelas riquezas da recente descoberta da America, vão demolindo com acinte as instituições e as franquias populares e apossam se do delirio da Monarchia universal na odiosa feição do germanismo. O casamento austriaco, de que Carlos v foi o producto, trouxe este espirito de uma monarchia absorvente e exclusi

« VorigeDoorgaan »