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va ante a qual a liberdade politica foi eliminada e abafada a liberdade de consciencia. A esta altura é que o rei D. Manoel ligando os seus interesses pessoaes á unificação iberica, realisada em parte por Fernando e Isabel, seus sogros, é envolvido nos planos ardilosos de Carlos v, que trabalhava no seu imperialismo germanico para formar a Monarchia universal. Esta vesania de megalomania real tambem atacou o rei D. Manoel, como a Francisco I e a Henrique VIII.

Pela renovação dos estudos da Antiguidade classica, reappareceu nas doutrinas politi cas do seculo XVI esse sonho monstruoso da Monarchia universal. Começara esta ideia a lisongear os Jurisconsultos que no seculo XIII trabalhavam pela independencia do poder monarchico no conflicto do Sacerdocio e do Imperio. A Eschola de Bolonha sustentou pela primeira vez esta utopia do mundo antigo, e sendo abraçada pelos juristas Bulgarus, Martinus, Jacobus e Hugo, conheceram-se os seus effeitos pelo modo como foi funesta á nacionalidade italiana. A Renascença do seculo XVI avivara o typo politico da Antiguidade a unidade absoluta do Estado sob a fórma de Monarchia universal. Canonistas, philosophos e poetas, dissidentes emquanto a theorias moraes ou artisticas, entendiam se quanto a esta face do novo problema social. Enéas Sylvius, que teve intimidade com o humanista portuguez Ayres Barbosa, nega o direito das nações a uma vida independente, e diz que o Imperio é o Papado na sua fórma temporal; d'aqui deduzindo, que o imperador está acima da lei, sendo um crime desobede

cer-lhe mesmo quando commette uma injusti ça. São tremendos os consectarios; Bellarmino sustenta que «julgar conveniente mais do que um monarcha, é ir cahir no polytheismo.» Rabelais, o violento satirico do seculo XVI, ridicularisou no Pantagruel a monomania da Monarchia universal, descrevendo este sonho da realeza: «sem resistencia elles tomarão cidades, castellos, fortalezas. Em Bayona aprehendereis todos os navios, e costeando para a Galliza e Portugal, pilhareis todos os logares maritimos até Lisboa, aonde tereis refôrço de toda a equipagem requerida a um conquistador.» (Liv. 1, c. 33.) Se não fosse a Refórma, com o seu espirito individualista e depois nacionalista, Carlos v realisaria o sonho da Monarchia universal. Segundo o livro de Sleidan, De Quatuor summis Imperiis, formava a Allemanha a quarta Potencia universal. Os sonhos da Monarchia universal espalhavam-se entre o vulgo por meio de prophecias fabricadas com astucia e pelas allegorias apocalypticas applicadas ao poder dos Turcos. Escreve Bayle, apontando Carlos v como um dos reis mais embevecidos n'este ideal cesarista: «Fizeram correr uma prophecia, que promettia a este Imperador a derrota dos Francezes, a dos Turcos e a conquista da Palestina... » Antonio Pontes, que em 1535 acompanhara Carlos v á expedição de Tunis, consignou em uma relação d'esse feito, que para augmentar a coragem dos soldados se espalhou entre elles uma prophecia. N'esta expedição concorreu a aristocracia portugueza com o Infante D. Luiz, que foi tambem poeta, e o grande galeão portuguez San

João quebrou as grossas correntes que obstavam á entrada da armada na Goleta. E' crivel que depois da tomada de Tunis, no regresso dos nossos expedicionarios viessem essas prophecias, que se parecem pelo seu espirito com as Trovas messianicas do Bandarra, conhecidas antes de 1541, e com as que David Pareus introduziu no seu commento ao Apocalypse.

Francisco 1, escrevendo a Paulo III e respondendo a accusações de Carlos v, diz: «O Imperador crê que tal é o seu destino, e quer tirar a liberdade a todos, tanto aos seus amigos como aos inimigos e reinar sósinho no meio da dissolução universal.» Em 1539 o embaixador de França escrevia de Roma, a proposito dos planos de Carlos v: «O papa e toda a côrte romana suspeitam fortemente que o Imperador aspire á Monarhia universal.» O casamento do princepe Philippe com a princeza D. Maria, filha de D. João III, era mal visto em toda a Europa, como refere Audin; assim se preparava o abysmo em que iria afundar-se a nacionalidade portugueza.

Para os escriptores estrangeiros, a incorporação da nacionalidade portugueza parecia um facto providencial, para fortalecer a Hespanha fazendo-a resistir ao exclusivismo da Monarchia universal. Tavannes, nas suas Memorias, mostra pela Geographia que Deus não quer a pretendida Monarchia unitaria: «Vendo emprezas tão bem projectadas acabarem mal, crê-se que é obra de Deus, parecendo que impoz barreiras para que se não ultrapassasse loucamente: á Hespanha, os montes Pyrenneos e o mar; á França, o mar, os Pyrenneos, o Rheno, as montanhas da

Suissa e do Piemonte; a Italia tem o mar e os Alpes.» E continúa depois de ter descripto as fronteiras naturaes: «Deus fez vêr a sua vontade, que era, que estes limites não fôssem falseados, e que se não fizesse um monarcha uno; fez nascer ao mesmo tempo Francisco I, Solimão, Henrique VIII, para os oppor a Carlos v... De novo parece que Deus continúa n'esta vontade; que a França, a Hespanha e a Inglatarra sejam egualmente poderosas, que se não possam engrandecer com prejuizo das outras; tendo tornado o reino de França pela paz unido, poderoso e formidavel; de outra parte ajuntou Portugal á Hespanha, e a Escossia á Inglaterra, para que ellas tenham força e meios de se guardarem egualmente umas das outras, impedirem a Monarchia e conservarem o seu estado.>>

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Ranke, na obra A Hespanha sob Carlos ve Philippe 11, falla do equilibrio politico europeu fundado sob o terror da Monarchia universal, na fórma do imperialismo germanico: «A ideia do equilibrio europeu tinha-se então desenvolvido de uma maneira particular. Pretendia-se que duas grandes Potencias, cujas forças fôssem pouco mais ou menos eguaes, se mantivessem oppostas uma á outra, para que as potencias de uma cathegoria inferior podessem sempre achar protecção junto de uma ou de outra. A destruição d'este equilibrio conduzia immediatamente para a Monarchia universal. Aconteceu assim, que

1 Mem., p. 266, 380, 381. Ap. Laurant, Études sur l'Histoire de l'Humanité, t. x, p. 23 a 32.

Philippe II foi insensivelmente aborrecido de toda a Europa, d'aquelles que elle atacava e d'aquelles que o seu poder ameaçava de longe. 1

E em outro logar: «O que principalmente trouxe a Philippe II o odio geral e as accusações que pezam sobre a sua memoria, praticou elle nos ultimos vinte annos do seu reinado. Durante este ultimo periodo apoderou-se de Portugal, atacou a Inglaterra, intrometteu-se nas perturbações interiores da França, e emprehendeu reunir este reino ás possessões da sua Casa; no espaço d'estes vinte annos devastou os Paizes Baixos com guerras constantemente violentas e felizes, e destruiu a liberdade de Aragão, arruinando totalmente os recursos do seu reino.»

O seculo do verdadeiro esplendor do genio nacional e da litteratura portugueza, chamado dos Quinhentistas, é aquelle em que a liberdade politica era supprimida pela não convocação das Côrtes e as instituições populares absorvidas no absolutismo estupido do vaidoso rei D. Manoel. A grandeza dos Descobrimentos na Africa, Asia e America, dava á pequena Casa lusitana os fumos inebriantes da Monarchia universal, motivando os casamentos castelhanos de D. Manoel, Dom João III, princepe D. João, e princeza D. Maria. Pelos casamentos completou Philippe 11 a grandeza da Casa de Austria. Emquanto os valentes navegadores realisaram em trinta annos as maravilhas dos assombrosos Desco

1 Op. cit., p. 203-205.

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