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Arriaga, que tanger!

O Cego, que grão saber
Nos orgãos! e o Vaena!
Badajoz e outros, que a penna
Deixa agora de escrever.

Pintores, Luminadores
Agora no cume estão;
Ourivisis, Esculptores

Sam mui subtis e melhores...
Vimos o gram MICHAEL,
E ALBERTO e RAPHAEL;
E ha em Portugal taes,
Tam grandes e naturaes
Que vêm quasi ao olivel.

E vimos singularmente
Fazer representações
De estylo mui eloquente,
De mui novas invenções,
E feitas por Gil Vicente:
Elle foi o que inventou
Isto cá, e que o usou

Com mais graça e mais doutrina,
Postoque Juan del Encina

O pastoril começou.

Faltava ainda n'esta assombrosa expansão do genio portuguez a creação da Epopêa nacional coroando a sua acção historica. Os eruditos, como André de Resende, João de Barros, Ferreira e o chronista Castanheda, tinham a intuição d'essa necessidade. Esse ideal foi realisado não como um producto do saber humanista, mas como uma expressão da raça, como consequencia da acção servindo a patria com braço ás Armas feito, e mente ás Musas dada.

III

O Individualismo e o Espirito moderno

E assim como o seculo merece ser considerado como o maior da Historia, os homens ou melhor as individualidades que n'elle actuaram, fôram excepcionalmente grandes : originalidade de invenção, vigor intellectual, firmeza de vontade, caracter definido, acção energica, multiplicidade de faculdades e de aptidões intervindo na corrente nacional ou na sua época, são as feições com que se manifestam os homens do seculo XVI, até nos seus vicios e crimes. O genio esthetico appresenta-se complexo, como em Miguel Angelo e Leonardo de Vinci; os escriptores são historiadores, poetas, diplomatas; o sentimento religioso de contemplativo torna-se activo na propaganda, nas missões longinquas, convertendo-se a apathia claustral das ordens monasticas na intervenção social da Companhia

de Jesus, pelo ensino e pela direcção espiritual nas cortes entre o elemento preponderante. E' n'este seculo e entre tão grandiosa floração do invividualismo humano que apparece Camões, destacando como um typo representativo da sua nacionalidade, e simlultaneamente como o creador da fórma poetica que idealisava a actividade da Renascença. E' á luz de uma tão assombrosa época, que o vulto de Camões recebe todo o seu relêvo, destacando-se como um Symbolo, que se torna claro ao tomar se conhecimento da sua vida, em que a raça, a feição nacional e a aspiração da época se reflectem intensamente.

Estudando o Reflexo do mundo exterior na imaginação de Camões, Alexandre de Humboldt ao descrever os descobrimentos do fim do seculo XV, notou esse phenomeno moral da revelação de altas individualidades: < A imaginação sobreexcitada impellia para as grandes emprezas, e por outro lado, a audacia que se manifestava quer no prospero quer no adverso successo, por si agitava a imaginação e mais vivamente a inflammava. Assim, n'este maravilhoso tempo da Conquista, tempo de esforço e de violencia, em que todos os espiritos estavam possuidos da vertigem dos descobrimentos por terra e por mar, muitas circumstancias se reuniram, que, apezar da ausencia de toda a liberdade politica, favoreciam o desenvolvimento dos caracteres individuaes, e coadjuvavam, nos homens superiores, á realisação dos grandes pensamentos, cuja origem reside no imo da alma. Engana-se quem julgar, que os conquistadores fôram guiados unicamente pela

sêde do ouro ou pelo fanatismo religioso. Os perigos elevam sempre a poesia da vida, ө de mais a época vigorosa da qual investigamos n'este momento a influencia sobre o desenvolvimento da ideia do mundo, dava a todas as emprezas e ás impressões da natureza que produzem nas viagens longinquas um encanto, que começa a apagar-se na nossa epoca culta em meio das innumeras facilidades que abrem o accesso a todas as regiões. Não se tratava sómente de um hemispherio: quasi duas terças partes do globo formavam um mundo novo e inexplorado, um mundo que até então tinha escapado aos olhares, como essa face da lua eternamente vedada aos olhos dos habitantes da terra, em virtude das leis da gravitação.» (Cosmos, II, 328.) A coragem, a valentia, o sacrificio tornavamse heroismo; e em vez da imitação das figuras ideaes dos cyclos épicos medievaes, admiravam-se os vultos biographados por Plutarcho, e a galeria dos seus Varões illustres era reproduzida ao vivo pelos homens de acção. O genio da Renascença renegando as ficções poeticas da Edade média, encontrára uma outra craveira para avaliar os individuos, comparando-os aos heroes da Grecia e de Roma; Camões segue esse criterio ao considerar as façanhas portuguezas:

Que excedem as sonhadas, fabulosas;

Que excedem Rhodamonte e o vão Rogeiro
E Orlando, inda que fôra verdadeiro,

(Lus., st. 11.)

Raro será o heroe portuguez celebrado nos Lusiadas, que não seja comparado em to

das as suas virtudes a um heroe grego ou romano. A fidelidade de Egas Moniz é comparada á de Zopiro, aio e valido de Dario (Cant. III, 41); uma derrota que soffreu D. Affonso Henriques é equiparada á de Pompeu na Pharsalia, (III, 71 a 73); Inez de Castro assassinada, encontra um símile em Polyxena (III, 131, 132); os amores do rei D. Fernando assemelha-os aos de Hercules e aos de Marco Antonio (III, 141 a 143); o Conde Andeiro é confrontado com Astyanax (IV, 5); o Condestavel Nun'Alvares, que possuido do ideal mediévico imitava o typo cavalhairesco de Galaaz, dos poemas da Tavola Redonda, é comparado a Cornelio e a Scipião (IV, 201; e VIII, 32); os traidores que seguiram a causa de Castella, reproduzem Coriolano, Sortorio e Catilina (IV, 23); o Infante Santo, que é sacrificado para não ser entregue Ceuta, imita a abnegação de Atilio Regulo (IV, 53); quando o rei D. Manoel convida Vasco da Gama para a empreza da descoberta da via maritima da India, o navegador algarvio offerece se para exceder os trabalhos de Hercules, sendo os seus companheiros assemelhados aos Argonautas (IV, 79, 80, 83); esse martyr da causa publica, Duarte Pacheco, eguala Belisario. Antonomasias historicas tira as Camões tambem da analogia dos nomes, como o de Heitor da Silveira comparado ao Heitor troyano (x, 60); ou D. Leonis Pereira com o Leonidas grego: «Mais do que Leonidas fez em Grecia, O nobre Leonis fez em Malaca.» (Son. 228.) A morte do seu joven amigo D. Antonio de Noronha, em uma derrota em Africa, lembra lhe a de Euryalo:

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