Um caminho direito, que Ulpiano, Scevola, e outros fizeram, e, inda escuro, E por isso a este filho o pae avaro Quer que em Leis se gradue, até ser n'ellas Só De pane lucrando escreve e trata; Que as Decisões da Rota e a Curia vêja; Como Simão, que a graça compra e vende, E n'ellas rico e visto ser pretende... 1 Falcão de Resende escrevia no ultimo quartel do seculo XVI, quando a decadencia portugueza fôra uma consequencia fatal da politica dos seus monarchas; os seus versos são o reflexo da degradação dos espiritos. Os heroes da grande Éra dos Descobrimentos ti nham-se atascado na indigna chatinagem : 1 Poesias de André Falcão de Resende, p. 296. (Edição de Coimbra.) N'outro tempo valeu mais que ouro o engenho; Leva cega apoz si honra e nobreza, Cá em nosso Portugal principalmente Quantos vimos, por ser interesseiros, (Poes., p. 273 e 278.) Camões, que até ao momento em que se estrangulava a Nacionalidade em 1580, observara este processo de tremenda decadencia, tambem notou a differença que ia dos homens da sua épocaа á Gente lusitana, Por quantas qualidades via n'ella (Lus., 1, 33.) Já não são os heroes que alliavam a penna e a espada que elle contempla; mesmo na Epopêa dos Lusiadas, escripta em parte sob a impressão deprimente da decadencia que o envolvia, esses homens de acção já não têm o estimulo da gloria: Não tinha em tanto os feitos gloriosos Vae Cesar subjugando toda França, O que de Scipião se sabe e alcança Emfim, não houve forte capitão Por isso, e não por falta de natura, (Lus., v, 96 a 98.) O proprio Camões já não via o caracter romano na Gente portugueza, e com vergonha o dizia, ao observar que o sentimento nacional apagava-se na inconsciencia. Falcão de Resende amplia o quadro esboçado por Camões, mostrando em que consistia esse heroismo universal, que era o abysmo da educação portugueza. E assim mandar ordena um filho á China, Nos resgates das Ilhas, Guiné e Mina; Porque o pae, cego, e tendo por affronta, Sempre o negro interesse, e n'elle a prôa, A' vida e alma antepondo a fazenda, Trampea e engana, troca, jura, mente, Faz viagem á China, até dar n'ella. Estes tercetos pódem ser commentados pela Relação do P. Manoel Godinho: <Iam e vinham ricas frótas do Japão, carregadas de prata; da China traziam ouro, sêdas e almiscar; das Molucas o cravo; da Sunda a massa e noz; de Bengala toda a sorte de roupas preciosissimas; de Pegu os estimados rubins; de Ceylão a canella; de Mussulapatão os diamantes; de Manar as pérolas e aljofares; do Achem o bejoim; das Maldivas o am bar; de Jafanapatão os elephantes; de Cochim os angelins, tecas e couramas; de todo o Malabar a pimenta e gengibre; de Canará os mantimentos; de Solor o seu páo; de Borneo a camphora; de Maduré o salitre; de Cambaia o anil, o lacar, e roupas de contracto; as baetilhas de Chaul; o incenso de Caxeu; os cavallos da Arabia; as alcatifas da Persia, com toda a sorte de sêdas lavradas e por lavrar; o azebre de Sacotorá; ouro de Sofala; marfim, ebano e ambar de Moçambique; de Ormuz, Diu e Malaca grossas quantias de dinheiro, que rendiam os direitos das náos que por alli passavam. Emfim, não havia cousa de estima por todo o Oriente, que ou por tributo ou commercio, não fôsse do Estado. >> A decadencia de Portugal observada nos caracteres no pendor do seculo XVI, reconhecia se na insania do governo ao abandonar possessões que foram adquiridas por sacrificios heroicos. A decadencia portugueza em Africa começa sob D. João III, que em 1536 manda abandonar a fortaleza do Cabo de Aguer; em 1542 são abandonados Çafim e Azamor; em 1549 Arzilla e Alcacer ceguer, concentrando-se ou limitando se o dominio a Ceuta, Tanger e Tetuão. Na Asia as perdas começaram em 1571, quando em 4 de Novembro a praça do Chalé foi entregue ao Samorim de Calecut. E o sonho do Santo Imperio catholico ou da Quinta Monarchia, que arrastou D. Sebastião á aventura da conquista do norte da Africa, desfez-se miserandamente em 1578, dando logar á herança castelhana que absorvia Portugal na unidade iberica. |