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Um caminho direito, que Ulpiano,

Scevola, e outros fizeram, e, inda escuro,
Com outros o abriu mais Justiniano.
Dão sentença final, que é mais seguro
(Ou seja emfim direito ou seja tôrto)
Baldo e Jazão seguir, que Palinuro.

E por isso a este filho o pae avaro

Quer que em Leis se gradue, até ser n'ellas
Das burlas e das trampas casa e amparo.
Estuda mais que Cépola Cautellas,

Só De pane lucrando escreve e trata;
Refaz demandas mil sem desfazel-as.
Intenta sempre ajuntar ouro ou prata,
Morre emfim mal e pobre este trampista,
Que nunca de ser rico a sêde o mata.
Ao irmão terceiro o pae faz canonista,
Dos falsos; e por mais te honrar, Mafoma,
Depois de em contas ser fino algorista.
A' pratica mandal-o assenta a Roma,

Que as Decisões da Rota e a Curia vêja;
E faça de conluios grande somma.
E por manha ou dinheiro, inda que seja,

Como Simão, que a graça compra e vende,
Trabalhe de acquirir dos bens da Egreja.
E eis o coitado em Roma, e eis do que entende
Em Reservas, Regressos, Beneficios,

E n'ellas rico e visto ser pretende... 1

Falcão de Resende escrevia no ultimo quartel do seculo XVI, quando a decadencia portugueza fôra uma consequencia fatal da politica dos seus monarchas; os seus versos são o reflexo da degradação dos espiritos. Os heroes da grande Éra dos Descobrimentos ti nham-se atascado na indigna chatinagem :

1 Poesias de André Falcão de Resende, p. 296. (Edição de Coimbra.)

N'outro tempo valeu mais que ouro o engenho;
Agora engenho tem quem tem mais ouro,
E só ter ouro é um geral dissenho.
Esta falsa cobiça de thezouro

Leva cega apoz si honra e nobreza,
Do Tejo, Ana, Mondego, Minho e Douro.
Não fallo já no mais da redondeza;

Cá em nosso Portugal principalmente
Sangue e saber por vil metal se présa.

Quantos vimos, por ser interesseiros,
Escurecer o nome e illustre fama
De Portuguezes fortes e guerreiros?
Que se o nobre desejo os leva e chama
Além de tantos mares exquisitos,
Cubiça de ouro os escurece e infama.

(Poes., p. 273 e 278.)

Camões, que até ao momento em que se estrangulava a Nacionalidade em 1580, observara este processo de tremenda decadencia, tambem notou a differença que ia dos homens da sua épocaа

á Gente lusitana,

Por quantas qualidades via n'ella
Da antiga tão amada sua romana,
Nos fortes corações, na grande estrella,
Que mostraram na Terra tingitana,
E na lingua, na qual, quando imagina,
Com pouca corrupção crê que é a latina.

(Lus., 1, 33.)

Já não são os heroes que alliavam a penna e a espada que elle contempla; mesmo na Epopêa dos Lusiadas, escripta em parte sob a impressão deprimente da decadencia que o envolvia, esses homens de acção já não têm o estimulo da gloria:

Não tinha em tanto os feitos gloriosos
De Achilles, Alexandro na peleja,
Quanto de quem o canta, os numerosos
Versos; isso só louva, isso deseja ;...

Vae Cesar subjugando toda França,
E as armas não lhe impedem a sciencia;
Mas n'uma mão a penna, e n'outra a lança,
Egualava de Cicero a eloquencia.

O que de Scipião se sabe e alcança
E' nas comedias grande experiencia;
Lia Alexandro a Homero, de maneira,
Que sempre se lhe sabe á cabeceira.

Emfim, não houve forte capitão
Que não fôsse tambem douto e sciente,
Da Lacia, Grega ou barbara nação,
Se não da Portugueza tamsómente!
Sem vergonha o não digo; que a rasão
De algum não ser por versos excellente,
E' não se vêr presado o verso e a rima;
Porque quem não sabe a arte não na estima.

Por isso, e não por falta de natura,
Não ha tambem Virgilios e Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,
Pios Eneas, nem Achilles féros.
Mas o peór que tudo é, que a ventura
Tão asperos os fez e tão austeros,
Tão rudes, e de engenho tão remisso,
Que a muitos lhe dá pouco ou nada d'isso.

(Lus., v, 96 a 98.)

O proprio Camões já não via o caracter romano na Gente portugueza, e com vergonha o dizia, ao observar que o sentimento nacional apagava-se na inconsciencia. Falcão de Resende amplia o quadro esboçado por Camões, mostrando em que consistia esse heroismo universal, que era o abysmo da educação portugueza.

E assim mandar ordena um filho á China,
Instructo e chatim já na mercancia,

Nos resgates das Ilhas, Guiné e Mina;
Inhabil na christã philosohia,

Porque o pae, cego, e tendo por affronta,
Diz que qualquer fradinho isto sabia.
Mas, contador experto em caixa e conta,
Sabe comprar barato e vender caro,
Que para sua cubiça isto é que monta.
E já se embarca, e é seu norte e faro

Sempre o negro interesse, e n'elle a prôa,
Deixa atraz patria, o pae e o amigo caro.
Já o mar bravo aos mimos de Lisboa,

A' vida e alma antepondo a fazenda,
Dobrando Cabos, climas, chega a Gôa.
Tira seu fato e faz taverna e venda;

Trampea e engana, troca, jura, mente,
Como um bofurinheiro emfim põe tenda.
E em que redobre o resto e accrescente
Sempre ao cabedal, mais se desvela
Por navegar os mares do Oriente.
Tenta outra vez Neptuno dando á vela,
Costeia rios, ilhas, enseadas,

Faz viagem á China, até dar n'ella.
Compra na veniaga as mais presadas
Mercadorias; e as que traz vendendo,
Nas embarcações torna carregadas.
Mas c'o dinheiro o amor d'elle crescendo,
Faz a cobiça que inda em vão forceja
As medidas encher; fundo não tendo...
(Poesias, p. 295.)

Estes tercetos pódem ser commentados pela Relação do P. Manoel Godinho: <Iam e vinham ricas frótas do Japão, carregadas de prata; da China traziam ouro, sêdas e almiscar; das Molucas o cravo; da Sunda a massa e noz; de Bengala toda a sorte de roupas preciosissimas; de Pegu os estimados rubins; de Ceylão a canella; de Mussulapatão os diamantes; de Manar as pérolas e aljofares; do Achem o bejoim; das Maldivas o am

bar; de Jafanapatão os elephantes; de Cochim os angelins, tecas e couramas; de todo o Malabar a pimenta e gengibre; de Canará os mantimentos; de Solor o seu páo; de Borneo a camphora; de Maduré o salitre; de Cambaia o anil, o lacar, e roupas de contracto; as baetilhas de Chaul; o incenso de Caxeu; os cavallos da Arabia; as alcatifas da Persia, com toda a sorte de sêdas lavradas e por lavrar; o azebre de Sacotorá; ouro de Sofala; marfim, ebano e ambar de Moçambique; de Ormuz, Diu e Malaca grossas quantias de dinheiro, que rendiam os direitos das náos que por alli passavam. Emfim, não havia cousa de estima por todo o Oriente, que ou por tributo ou commercio, não fôsse do Estado. >>

A decadencia de Portugal observada nos caracteres no pendor do seculo XVI, reconhecia se na insania do governo ao abandonar possessões que foram adquiridas por sacrificios heroicos. A decadencia portugueza em Africa começa sob D. João III, que em 1536 manda abandonar a fortaleza do Cabo de Aguer; em 1542 são abandonados Çafim e Azamor; em 1549 Arzilla e Alcacer ceguer, concentrando-se ou limitando se o dominio a Ceuta, Tanger e Tetuão. Na Asia as perdas começaram em 1571, quando em 4 de Novembro a praça do Chalé foi entregue ao Samorim de Calecut. E o sonho do Santo Imperio catholico ou da Quinta Monarchia, que arrastou D. Sebastião á aventura da conquista do norte da Africa, desfez-se miserandamente em 1578, dando logar á herança castelhana que absorvia Portugal na unidade iberica.

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