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nacionalidade que o inspirou. Mas ha no seu organismo influxos atá vicos, que explicam o genio poetico como uma remota vibração da tradição do lyrismo galecio-portuguez; ha a nevrose, que lhe exaltou a emotividade e fez d'elle um aventureiro em que a existencia se dispendeu pelo mundo em pedaços repartida. Não o venceram as decepções, porque um sentimento o absorveu, e lhe deu um fim consciente ás suas capacidades,, tornando-se a voz de um povo. Os ascendentes do poeta, os seus contemporaneos e amigos, os meios sociaes em que viveu, venturas e desastres que o temperaram, tudo isso é necessario conhecer para assistir á floração de um genio que acima do seu seculo sobreleva na humanidade.

Para recompôr a sua vida, cheia de incognitas, é indispensavel destacar os problemas de factos e datas capitaes, que a critica vae laboriosamente estabelecendo, na falta de documentos authenticos, por testemunhos de contemporaneos e inferencias luminosas. Defronta-se a critica logo com o problema da data do seu nascimento, e da localidade em que viu a luz. 1

1 Eliminamos do texto todas as hypotheses que já caducaram, porque complicam o conhecimento dos factos apurados; por vezes convém deixar em notas a historia dos problemas, para accentuar o estado da questão.

A) Origem e genealogia da familia de Camões. - Nascimento
do Poeta. Primeiros annos.

Um facto politico, mas de consequencias historicas na intellectualidade portugueza, deu causa á origem da familia de Camões em Portugal. Travara-se uma lucta contra Pedro o Cruel, (filho de Alfonso XI e da formosissima Maria) levantando os fidalgos hespanhoes, impellindo contra elle o bastardo Enrique II, (filho de Alfonso XI e D. Leonor de Gusman.) N'esta lucta, que chegou ao fratricidio com que Enrique II se apossou do throno, o rei de Portugal Dom Fernando envolveu se em uma guerra de successão dispendiosa (13691385). Alguns fidalgos que seguiram o partido de Pedro o Cruel, depois do seu assassinato em 1368, refugiaram-se na côrte do seu alliado, em Portugal. N'essa corrente vieram, Fernão Caminha, que foi o sexto avô do poeta Pero de Andrade Caminha, um dos avós de Sá de Miranda, e Vasco Pires de Camões, terceiro avô do immortal épico. O esplendor com que a época quinhentista se manifesta, e em que tanto brilham estes poetas, era como uma revivescencia da unidade lusitana, pela alliança galecio-portugueza. Sobre Vasco Pires de Camões existem abundantes noticias genealogicas, historicas e litterarias, indispensaveis para a comprehensão do seu glorioso descendente. 1 Refugiado em Portugal em

1 Na Pedatura Lusitana, de Christovam Alão de Moraes, (Ms. n.o 445 da Bibliotheca do Porto) lê-se: Este appellido se entende ser o mesmo que Gandara, nas Armas e Triumphos da Galliza, p. 584, chama

1370, aqui obteve extraordinarias doações regias; casou com uma filha de Gonçalo Tenreiro, appellidado Capitão-mór das Armadas de Portugal, chamada D. Maria Tenreira. 1 Nasceram d'este casamento tres filhos, d'onde provieram tres ramos genealogicos importantes, de que o menos vasto se extinguiu com o Poeta. Eis o simples prospecto:

1.° Gonçalo Vaz de Camões, d'onde descendem numerosas familias aristocraticas, e em que ha homonymos do nosso poeta;

2.o João Vaz de Camões, bisavô do poeta ; 3.o Constança Pires, (linha em que ha varios homonymos de João de Camões e Simão Vaz de Camões, de Coimbra) de quem descendem os Severim de Faria, que honraram o poeta com o primeiro estudo biographico e com um retrato gravado.

Sobre este simples contôrno, póde-se, sem o perigo de confusão, coordenar todas as particularidades historicas e dados genealogicos, que nos dão conhecimento das hereditariedades que mostram n'esta familia qualidades nevroticas, taes como o sentimento poetico, o

Vasco Fernandes de Camanho, filho segundo de Fernão Garcia Camanho e de sua mulher D. Constança Soares de Figueirôa.» Seu irmão Garcia Fernandes Camanho seguiu a causa de Enrique 11. Esse irmão segundo é tambem chamado no Cancioneiro de Baena, Vasco Lopes de Camões; e nos documentos das Chancellarias de D. Fernando e de D. João 1, é chamado Vasco Pires de Camões, sobrenome usado por sua filha Constança Pires de Camões. E' este o que tem auctoridade historica.

1 Segundo Alão de Moraes; Juromenha encontrou o nome de Francisca. (Obr., 1, p. 13.)

genio da aventura, a paixão pela lucta, a ostentação gastadora e perdularia, as intrigas amorosas; e nos seus cruzamentos e parentescos, as relações que determinaram já a actividade maritima, já as tendencias mysticas da religiosidade, ou da contemplação idealista.

Na Carta ao Condestavel de Portugal, mandando-lhe a collecção dos seus versos, descrevia o Marquez de Santillana a coordenação historica da Poesia peninsular, e n'esse inapreciavel documento ao dar noticia do Cancioneiro portuguez que vira, quando pequeno, em casa de sua avó D. Mecia de Cisneros, falla d'esses trovadores, e diz: «Despues destos, vinieron Basco Peres de Camões é Ferrant Casquicio é aquel gran enamorado Macias, del qual se fallan sinó quatro canciones...» Não se póde entender das palavras do Marquez de Santillana, escriptas em 1449, que as poesias de Vasco Pires de Camões estivessem colligidas n'esse Cancioneiro, que continha Cantigas serranas e Dizeres portuguezes e gallegos, mas que apoz os trovadores D. Diniz, Fernant Gonzalles de Sanabria, se seguira a revivescencia da eschola gallega, representando Vasco Pires de Camões, assim como Macias, a reacção contra os Lais bretãos, e contra as allegorias dantescas, que se imitavam em Castella e Aragão. No Cancioneiro de Baena figura Vasco Pires de Camões em cantares que lhe dirige Fray Diego de Valencia, de Leon, frade franciscano, mestre de theologia, grande letrado, mestre de todas as Artes liberaes, physico, astrologo e mechanico. Todas estas qualidades lhe reco

nhece Baena, nas rubricas do Cancioneiro, que tambem diz: «en su tiempo no se falló ombre tan fundado en todas ciencias como el.» (Ed. Pidal, t. II, 160.) Não se apagara de todo o esplendor da primeira Renascença do seculo XIII, na peninsula; a poesia lyrica torna-se didactica, servindo para expôr problemas psychologicos e theologicos. Eis uma das trovas ou Perguntas de Fray Diego de Valencia de Leon:

«Esta pergunta fizo é ordonó el dixo maestre Fray Diego, contra VASCO LOPES DE CAMÕES, un cavallero de Galisia:

Querriendo saber la cosa dubdossa,
paresce que sea ya quanto escura.
Por onde querria, por vuestra mesura
de vós, Vasco Lope, saber una cosa:
en como sse mata en nuve aquosa
el fuego caliente, é fase tornar
piedras é toriscos, relampagos dar,
é muchas fortunas d'afria dañosa.

O frade, versado na physica do seu tempo, pedia a Vasco Pires de Camões, que lhe explicasse a formação do raio na nuvem aquosa. E' certo que Vasco Pires lhe respondeu, e pelos mesmos consoantes; aqui temos uma composição authentica do terceiro avô do cantor dos Lusiadas:

«Respuesta que dió al dicho maestro Fray Diego... el dicho VASCO LOPES:

Question me fué posta, assas provechosa,
é bien me parece que és de natura,
en su fundamento es de tal figura
en como la agua matar fuego osa.

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