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so privilegio da nobreza em uma scena da Tragicomedia Triumpho do Inverno, em que apparece uma náo em perigo:

MARINHEIRO:

PILOTO:

MARINHEIRO:

Tomastes vós hoje a altura,
Por saberdes onde estaes?
Co' Rio dos Bôs-Sinais
Me faço a Deus e á ventura.
Ou na Aguada da Boa Paz;
Ou seremos tanto ávante,
Como o Rio do Infante
Segundo o tempo aqui faz;
Ou co' Cabo das Correntes.
Isso é lobo ou rã,

Ou feixe de lenha ou armo de lan;
Isto fazem adherentes.

Quem vos houve a pilotagem
Para a India, d'esta náo?
Porque um piloto de páo
Sabe mais na marinhagem.

Esta é uma errada,

Que mil erros traz comsigo,
Officio de tanto p'rigo

Dar-se a quem não sabe nada.
Este ladrão do dinheiro

Faz estes máos terremotos;

Que eu sei mais que dez pilotos,
E sempre sou marinheiro.

(Obras, t. II, pag. 469.)

Na sua residencia, ainda em Coimbra, houve do seu casamento dois filhos, um que se occupou no serviço das Armadas, Simão Vaz de Camões, e Bento de Camões, que recebeu o habito de Conego Regrante do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, ordem rica onde professava a nobreza de nascimento, e em cujos Collegios recebia a joven fidalguia a educação dos Estudos menores.

Na Chronica dos Conegos Regrantes, de D. Nicoláo de Santa Maria, fallando-se do Prior Geral, em 1539, lê-se: «Teve o nosso Prior D. Bento de Camões um irmão por nome Simão Vaz de Camões, que herdou a casa de seu pae, e casou com D. Anna de Macedo, dos Macedos de Santarem, da qual houve o famoso poeta Luiz de Camões, que não teve successão e n'elle feneceu este ramo do tronco dos Camões n'este reino. (Op. cit., p. 290.)

A residencia de Simão Vaz de Camões em Lisboa, e a antiga posse da Quinta do Judeu em Santarem, que pertencera a Vasco Pires de Camões, relacionam-se com o seu casamento com Anna de Macedo, filha de Jorge de Macedo, que viveu em Santarem pelos annos de 1470, e de sua mulher...? de Oliveira. 1

Por Alvará de 4 de Outubro de 1529, agraciou D. João III a Simão Vaz com a prerogativa de cidadão de Lisboa, «pelos serviços e trabalhos que tem nos Armazens da Guiné e India, nas Armadas e cousas do meu serviço. »

Embora n'este documento não venha o appellido de Camões, a data e circumstancias

1 Nobiliario do Abb. de Perozello, t. iv, fl. 160. Ms. da Bibliotheca do Porto.

2 Chancell. de D. João 11, Liv. 17, fl. 133. — No Assento da Casa da India de 1550, o nome inscripto do pae do poeta é Simão Vaz; e na Carta de perdão de 7 de Março de 1553 passada ao poeta, vem: «Luiz Vaaz de Camões, filho de Symão Vaaz, Caval." fidalguo de minha casa, tambem não traz o appellido; era por essa fórma usualmente conhecido.

especiaes quadram com a situação do pae do Poeta; effectivamente Simão Vaz de Camões era natural de Coimbra, residindo em Lisboa, occupado no serviço das Armadas, serviços que se acham allegados no alvará da tença a seu filho. Pedro de Mariz, na biographia do Poeta, conheceu a vaga tradição dos serviços de Simão Vaz de Camões nas Armadas, escrevendo laconicamente: «foi por Capitão de uma náo á India, naufragando nas cóstas da Terra firme de Gôa.»

O pae de D. Anna de Macedo, Jorge de Macedo era sobrinho neto de D. Philippa de Macedo, que dos seus amores com D. Affonso de Portugal, depois Bispo de Evora, teve a D. Francisco de Portugal, 1.o Conde de Vimioso, e pae do poeta D. Manoel de Portugal, amigo de Camões. Isto explica a tradição de ter a Casa de Vimioso mandado a mortalha com que se enterrou o poeta, e a protecção que no paço lhe prestava D. Manoel de Portugal.

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Nos documentos officiaes, como o Registo da Casa da India e os alvarás da tença ao

1 Nos Ineditos goesianos, de Guilherme João Carlos Henriques, p. 166, vem um pequeno esboço genealogico de Jorge de Macedo: «Viveu em Santarem pelos annos de 1470, e depois segundo outros authores, viveu em Azambuja: casou com... e teve:

1-Francisco de Macedo, que teve de Guiomar de

Freitas...

2- Anna de Macedo, que casou com Simão Vaz de Camões, Capitão de mar e guerra na India, e fôram paes do insigne poeta Luiz de Camões.

3 Ignez de Oliveira de Macedo, que casou com Ruy Dias de Goes.»

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poeta, transferida para sua mãe D. Anna de Macedo, é ella chamada Anna de Sá, 1e em alguns biographos ajuntam-se os dois appellidos Anna de Sá e Macedo.

Nasceu Luiz de Camões em Lisboa, no anno de 1524. Não existe um documento directo e authentico que fixe esta data; os registos parochiaes «livros dos baptisados com os nomes dos padrinhos e madrinhas» só fôram muito depois d'essa data pelo Cardeal Infante Arcebispo de Lisboa D. Affonso estabelecidos nas freguezias da capital. Ha apenas inferencias, que nos aproximam da verdade, convergindo todas para determinal-a. O commentador Manoel Corrêa notara que na estrophe 9 do canto x dos Lusiadas fizera o poeta uma allusão á sua edade; Manoel Severim de Faria acceitou esse facto, e tiroulhe as illações. Vejamos a estrophe, do canto ultimo do poema, em que o poeta trabalhava por 1569 a 1570:

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Vão os annos descendo, e já do Estio
Ha pouco que passar até o Outono;
A fortuna me faz o engenho frio,

Do qual já não me jacto nem me abono.

Alvará de 31 de Maio de 1582; Ementa, de 13 de Novembro de 1582; e Alvará de 5 de Fevereiro de 1585. Os linhagistas ignoraram estes documentos. Pedro de Mariz, chama-lhe: «Anna de Macedo, mulher nobre de Santarem.» (p. 10.) Severim: Anna de Macedo (dos Macedos de Santarem.) O mesmo o linhagista Jorge de Cabedo, e D. Nicoláo de Santa Maria, Chron., p. 290.

O Dr. Wilhelm Storck por esta variante vulgarissima formou duas individualidades, fazendo uma a mãe e outra a madrasta de Camões.

Os desgostos me vão levando ao rio

Do negro esquecimento e eterno somno;
Mas tu me dá que cumpra, oh gram rainha
Das Musas, com o que quero á Nação minha.

Era uso corrente equiparar a marcha da vida ás quatro estações do anno; Manoel Corrêa faz sobre a estrophe estas considerações: <Tambem Luiz de Camões divide em quatro partes n'este logar. A primeira edade, de verão, é té os 25; a segunda, que se compara ao estio, é té os 50, á qual chamam consistencia, porque n'ella está um homem em suas forças; a do outono, que é té os 70, na qual edade se colhe já o fructo da vida; e a do inverno, que é a que chamamos decrepita. O poeta via-se na edade de quarenta annos e mais, e não muito favorecido de princepes, merecendo-o elle tanto, cansado das armas e enfadado com as letras, pelo qual tinha necessidade do favor para proseguir sua empreza; e por isso invoca a Musa Calliope, que lhe dê novas forças e ajuda.» (Fl. 264, 7.) Corrêa deixou a fórmula vaga de quarenta annos e mais; mas indicando a data em que Camões escrevia esse canto x dos Lusiadas, em 1570, (Fl. 297.) em que o poeta confessa que já tem pouco que passar do Estio até o Outono, ou os 50, os annos desciam da sua média além dos quarenta e cinco, apontando o limite que o separava d'essa edade. Assim a 1570 tirando quarenta e seis annos, fixase o anno de 1524, em que nascera.

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1 Severim de Faria, nos Discursos varios politicos, fl. 10, applicou este processo de inferencia á data

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