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Agora a inferencia de Manoel de Faria e Sousa, sobre uns apontamentos do Registro da Casa da India, que lhe chegaram ás mãos em 1643; ahi na Lista dos Homens de Armas, que se inscreveram para irem na Náo S. Pedro dos Burgalezes em 1550, vem o nome do poeta com vinte e cinco annos. Partindo as náos da carreira da India na entrada de Abril, esta seguiu no 1.o de Maio, tendo o poeta 25 annos feitos, (ou começados os 26, que usualmente se contam só quando terminados.) Latino Coelho e o Dr. Storck fizeram observações á arithmetica de Faria e Sousa: «Pois então, cincoenta menos vinte e cinco dão vinte e quatro...» (p. 140.) Na Carta de perdão passada a Luiz de Camões em 7 de Março de 1553, pelo ferimento de Gonçalo Borges, ahi se lê: «e elle he hum mancebo e pobre, e me vay este anno servir á India... Isto dá uma base a que poucos mezes tinha além dos vinte e cinco annos feitos, na sua primeira inscripção.

Ha ainda uma terceira inferencia, para fixar o nascimento de Camões em 1524; na Canção XI vem uma queixa á fatalidade que o acompanhou desde o berço:

Quando vim da materna sepultura

De novo ao mundo, logo me fizeram
Estrellas infelices, obrigado.

da morte de Camões (1579, segundo o Epitaphio errado): parece que não passou de cincoenta e cinco. Tirando a esse anno de 157955, temos fixado a nascimento em 1524.

Correu uma temerosa prophecia pela Europa, que em Fevereiro de 1524 haveria um grande diluvio. E foi tamanho o terror em Portugal, que a rainha D. Leonor, no anno de 1523, mandou escrever pelo Licenciado Frei Antonio de Beja, da ordem de S. Jero. nymo, um opusculo contra o juizo dos astrologos; o mesmo fez Carlos v, acceitando a dedicatoria de um opusculo de Cristobal de Arcos, refutando a aterradora prophecia, 1 que tanto alarmava os povos. Esta circumstancia tão extraordinaria, de que ficaram manifestos documentos, não podia pela coincidencia do nascimento do poeta n'esse anno deixar

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1 Eis o titulo do folheto portuguez:

Contra os juizos dos astrologos. Breve tratado contra a opinião de alguns ousados astrologos: q por regras de astrologia no bem entendidas ousam em publico juyzo dizer: que a quatro ou cinco dias de Fevereiro do anno de 1524, por ajuntamento de alguns planetas em ho signo de Piscis: será grã diluvio na terra. Ho qual tratado pera consolaçam dos fiees: fez e copilou de muytos doutores catholicos e sanctos ho licenciado frey Antonio de Beja da ordem do bemaventurado padre e doctor esclarecido da ygreja sam Hiermimo; e foy per elle dedicado e oferecido aa christianissima senhora ba senhora raynha dona Lianor d' Portugal. Aqui veram tambem q cousa he astrologia: é os males e erros q causa sua incerteza e pouca verdade: e como se nô deve dar fé em nenhuma cousa aos astrologos. Ho q tãbem manifesta per ditos d' muy antigos e sanctos doutores. A qual obra se imprime por madado de sua alteza. - GERMAN GALHARD. (Tarja gravada em madeira.) In-4.o com 45 folhas, em caracteres gothicos, numeração romana. Seguem-se duas paginas de Index; no verso da ultima as Armas reaes, com o seguinte colophão: «Foi imprimida esta obra a louvor de ds' e consolaçam dos fieys; novamente em a çidade

de suscitar-lhe a coincidencia pessimista, do destino inicial da sua vida.

O Dr. Storck acceitando a data do nascimento do poeta como provada, vê nas estrellas infelices allusão á orfandade do recemnascido, e illogicamente conclue: «Th. Braga tentou uma decifração muito diversa que é impossivel acceitar. Julga reconhecer em aquellas palavras, que fallam tão claramente de infortunio pessoal, allusões geraes ao anno de 1524, que teve os mais tremendos vaticinios, visto que alguns prophetas prognosticaram um diluvio resultante do ajuntamento e conjuncção de todos os Planetas no signo de Piscis. Pelo que sei, o tal desesperado pro

nobre de Lisboa, per Germã Galharde emprimidor, por mando da serenissima e muito alta senhora ha senhora raynha dona Lianor, a sete dias de Março de mil quinhentos e vinte e tres annos. >

O folheto de Cristobal de Arcos intitula-se: Reprobacion nuevamente ordenada contra la falsa prognosticacion del diluvio que dicen que será el anno de 1524 por el aguntamiento y conjuncion de todos los Planetas en el signo de Piscis.

E' dedicado a Carlos v, ao qual dirige as seguintes palavras na dedicatoria: «Como el autor del Almanac en la tabla del año de 1524 haya dicho y pronosticado que por el ayuntamiento y conjuncion de los Planetas en Piscis, será indubitable mutacion... en todo el mundo... hase divulgado por todo el vulgo commumente una adivinanza y opinion que hade ser un muy grande diluvio... y de esta causa muchos ya tienen señalados montes muy altos donde se suban, otros hacen arcas ó náos, otros casas y baluartes para se escapar de tan gran diluvio; assi que, por asegurar y quitar de temor tantas gentes y naciones, hice y ordené este tratadillo.» (Descripto por Gallardo, Ensayo de una Bibliotheca española, t. 1, p. 296.)

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gnostico de 1524 não se realisou em Portugal. As estrellas infelices do nosso Poeta nada têm com estas ineptas prophecias.»> Pelo facto de se não realisarem os prognosticos, nem por isso os terrores populares deixaram de produzir-se em todo o anno de 1523 até o Fevereiro de 1524, a ponto de intervir com o seu piedoso influxo a rainha D. Leonor, viuva de D. João 1 e tia de D. João III, para o licenciado Fr. Antonio de Beja escrever o opusculo Contra o juizo dos Astrologos. Storck desconhecia o documento portuguez; e sendo o successo tão notorio em Portugal, nada mais expressivo para a Canção autobiographica de Camões, do que tomal-o pelo aziago presagio como marco desditoso do anno do seu nascimento.

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Mas n'essa assombrosa Canção, ha outras referencias á infancia do poeta. Por ventura seria o seu nascimento abortivo, por effeito d'esses mesmos terrores? Lê-se na Canção:

Foi minha ama uma féra; que o destino
Não quiz que mulher fosse a que tivesse
Tal nome para mi; nem a haveria.
Assi criado fui por que bebesse

O veneno amoroso, de menino...

1 Vida e Obras de Camões, p. 151. Trad. de D. Carolina Michaëlis.

No anno de 1524, como se sabe pelas Provisões de 15 de Julho, 9 e 13 de Agosto e 18 de Outubro, repetiram-se os casos da terrivel peste de 1523, em que se fizeram dois cemiterios fóra de Lisboa, continuando a agravar-se em 1525, a ponto de quasi se despovoar a cidade. A phrase Estrellas infelices tem um sentido mais que pessoal.

E em outro texto (variante da edição de 1595) repete-se:

Por ama tive uma féra, que o destino
Não quiz que melhor fôsse a que tivesse,
Para o que elle de mi fazer queria.

Esta versão tira todo o sentido figurado á lição antecedente, d'onde se conclue que o poeta foi amamentado por uma alimaria; e sendo em 1585 ainda viva sua mãe, muito velha e muito pobre, vê se que teria casado por 1522, em edade em que o parto seria mais que laborioso. D'ahi a consequencia da amamentação não materna e o ficar unige

nito.

O Dr. Storck considera pouco vulgar a figura do verso: Quando vim da materna sepultura, e diz que a interpretação que admitte é esta unica: que o nascimento de Camões custou a vida a sua mãe.» 1 (Op. cit.,

1 Para comprovar que o poeta ficara sem mãe, allega a estrophe da Endecha que começa :

Naciendo mesquino
Dolor fue mi cama!
Tristeza fué el ama,
Cuidado el padrino.
Vestiose ventura
Negra vestidura;
Huyó la ventura.

(Vida, p. 157.)

Esta Endecha é feita sobre um typo popular então muito em voga na côrte portugueza e hespanhola, tratado em musica e no lyrismo quinhentista. Apparece no

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