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d'amore; a cultura litteraria revelava-lhe a casuistica subjectiva da paixão trobadoresca, ainda conservada na tradição lyrica dos nossos Cancioneiros provençalescos portuguezes do seculo XIV. Não é questão indifferente o estudo dos ascendentes do poeta, cuja familia tem por tronco em Portugal um trovador da Galliza; nem mesmo o problema da sua naturalidade, em que evolucionou a floração da infancia.

A naturalidade de Camões tem sido um problema para os seus biographos, terçando uns por Lisboa, outros por Coimbra, entrando tambem na liça mantenedores por Santarem e Alemquer; succedeu lhe como a Ho

mero:

Esse que bebeu tanto da agua Aonia,
Sobre quem tem contenda peregrina
Entre si Rhodes, Smyrna e Colophonia.
(Lus., v, 87.)

O testemunho mais antigo e admittido como decisivo é o do licenciado Manoel Corrêa, que no commento á primeira estancia

1 No Cancioneiro da Vaticana existem cinco Canções do trovador Joham Nunes Camanes, n.o 252 a 256; e no Cancioneiro Calocci-Brancuti, conservam-se mais tres, n.o 209 a 211, d'este mesmo trovador. Embora se não possa decidir, como opina Storck, se este trovador Joham Nunes Camanes, da pleiada dos poetas dionysios, pertence ao tronco Camões,» (Vida, p. 95, nota 3.) é elle na realidade um dos representantes do lyrismo galecio-portuguez, que visitara à côrte de D. Diniz quando ella era um centro hegemonico de toda a actividade poetica peninsular. Camanes é uma fórma patronymica de Camano, como apparece nas genealo

dos Lusiadas affirma categoricamente: «O Autor d'este Livro foy Luiz de Camões, portuguez de nação, nascido e creado na cidade de Lisboa, de pais nobres e conhecidos.» Corrêa allude á intimidade que tinha com o poeta segundo tinhamos estreita amisade.» (Cant. IX, st. 59); e faz alarde das suas conversas: «e eu em sua vida pratiquei isto com elle... A asserção de Corrêa foi seguida por Manoel Severim de Faria e depois por Manoel de Faria e Sousa, apoiando-se no Assento da Casa da India, de 1550, em que se lia: «filho de Simão Vaz e Anna de Sá, moradores em Lisboa, á Mouraria.» Na Carta de perdão de 7 de Março de 1533, o pae do poeta vem designado como Cavalleiro fidalgo, morador em a cidade de Lisboa; vê-se que pela sua categoria era obrigatoria a residencia na capital, e embora fôsse natural de Coimbra, pelo seu casamento aqui estabeleceu domicilio, mesmo como capitão de mar e guerra da India. Tudo isto justifica as palavras de Manoel Corrêa: nascido e creado na cidade de Lisboa. Outros biographos, como D. Francisco Alexandre Lobo, ainda recorrem a argumentos tirados dos versos do poeta, como os da Elegia III: «mas o poeta parece declarar a sua naturalidade na Elegia III, em que de certo modo se diz desterrado da patria, ao mesmo tempo que é constante que a escreveu andando desterrado de Lisboa.» Storck con

1 D. Francisco Alexandre Lobo, Obras, t. 1, 29. Em carta publicada por Innocencio Francisco da Silva, na Gazeta setubalense, com data de 15 de Septembro de 1872, sobre este problema, lê-se:

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tradicta a inferencia: «Na dita Elegia, o Poeta confessa, sim, andar desterrado. Mas desterrado, não de tal terra. Desterrado do bem, que em outro tempo possuia.» Ha ainda um argumento a favor de Lisboa: na edição das Rimas de Camões de 1607, dedicada por Domingos Fernandes A' inclyta Universidade de Coimbra, dá o poeta como natural d'essa cidade; mas ao dar publicidade em 1613 aos Commentarios de Manoel Corrêa, que Pedro de Mariz arrematára em leilão mandado fazer pela Legacia, não emendou o facto da naturalidade de Lisboa, que contradictava a li sonja que seis annos antes fizera a Coimbra. Não foi isto devido a esquecimento, mas a mudança de opinião, reduzida ao facto comprovado, de ser Camões oriundo de Coimbra pelos ascendentes, mas nascido na cidade de Lisboa.» As mesmas relações dos as

Para mim a patria de Camões é indubitavelmente Lisboa. Entre as muitas rasões de congruencia que assim m'o persuadem, não é das menos attendiveis ou talvez prepondera sobre todas, equivalendo quasi a prova testemunhal, a auctoridade de Manoel Corrêa, contemporaneo e amigo do poeta, ao qual tratára de perto, e de quem positivamente affirma ser elle aqui nascido. Para invalidar um testemunho tão valioso quanto insuspeito, haver-se-iam mister (ao menos assim o creio) argumentos mais concludentes que os até agora adduzidos pelos que se declaram a favor de outras naturalidades. (Na Obra monumental de Camões, I, p. 11.) José do Canto, na Collecção camoniana, p. 9, n.o 18, comprova-o cabalmente.

1 Vida e Obras de Camões, p. 112.

Juromenha, Obras de Camões, t. 1, p. 10. O Dr. Wilhelm Storck adoptou a naturalidade de Coimbra, e dedicou a sua Vida Obras de Camões: A' Cidade de

cendentes de Santarem e Alemquer, por mal interpretadas deram logar ás lendas que vêm confundir o facto positivo da naturalidade de Camões.

Ao alludir á sua ascendencia de Coimbra, importa conhecer a individualidade de Dom Bento de Camões, tio do Poeta, e que tanta influencia exerceu nos seus primeiros estudos, mesmo no desabrochar da sua adolescencia. Quando Jorge Cardoso escrevia o seu Agiologio Lusitano, na Nota c, a 4 de Janeiro, consignou: «Por mais que nos cancemos,. nunca pudémos descobrir com certeza a patria do servo de Deus Dom Bento. Achamos porém indicios de ser Coimbra. E o que mais é, que foi d'aquelles antigos Conegos, que vivendo na largueza da claustra, se quiz

Coimbra (onde o Poeta nasceu e se creou e no Serto Centenario da Universidade ¡1290-1890.)

Eis o seu argumento: O que me move a decidir o pleito sobre a naturalidade de Camões a favor de Coimbra, é, em primeiro logar, o facto de o livreiro da Universidade Domingos Fernandes affirmar positivamente em letra redonda (na Dedicatoria das Rimas de Luiz de Camões, por elle editadas á sua custa em 1607, e dirigidas áquelle inclyto estabelecimento) que o Camões nasceu, se criou e estudou na cidade do Mondego, sendo portanto coimbrão:= por nascimento e creação, por officio e por obrigação; e isto antes de Mariz, Corrêa e Severim se terem pronunciado. Diz elle, depois de enaltecer os meritos da cidade:= fôstes tambem a mesma para com o vosso grande Luiz de Camões, pois nascendo elle n'essa vossa cidade de Coimbra, a vosso peyto como mãe natural o criastes tantos annos: com vossa doutrina como Mestra o ensinastes algūs, e com vossos louvores como fiel amiga, o honrastes tantas vezes, a quem senão a vós se deve encommendar esta proteyção de hum vosso filho, discipulo e amigo, e

espontaneamente sugeitar ao rigor da observancia de uma asperrima vida, á qual deu principio no real Convento de Santa Cruz da mesma cidade, Dom Fr. Braz de Barros, religioso da Ordem de S. Hieronymo, e primeiro Bispo de Leiria, em 13 de Outubro de 1527, por mandado de el-rei Dom João III, e auctoridade apostolica; e com a mesma foi eleito em primeiro Prelado triennal o dito Padre D. Bento, e confirmado em 1539 cujo transito foi em 4 (aliás 2) de Janeiro de 1547, . como se lê nos livros novos dos Obitos d'esta Congregação e de outras memorias.» Faleceu em 2 de Janeiro, como o authentica o assen

mais sendo elle já morto, para se não poder defender, e ainda vivo para poder ser offendido.»

O Dr. Storck volta a apoiar-se na circumstancia dos ascendentes de Camões viverem em Coimbra; e confessando a falta de documentos para a prova do asserto do livreiro Domingos Fernandes, conclue: «Decide a questão, a meu vêr, o facto da residencia da familia Camões em Coimbra, durante seculos; depois a affeição constante do poeta pela cidade do Mondego; e por ultimo, os versos autobiographicos da quarta Canção.» (Op. cit., p. 114 e 117.) A lenda de Coimbra fica reduzida á lisonja banal de Domingos Fernandes, mercador de Livros, que esteve feitorisando por alguns annos a Livraria da Universidade. Quando o mesmo Domingos Fernandes imprimiu em 1613 os Commentarios de Manoel Corrêa aos Lusiadas, nem elle, nem o conimbricense Pedro de Mariz, bacharel em Canones e guardamór da Livraria da Universidade, refutaram o facto affirmado pelo licenciado pelo mais tardar desde 1595.

Tambem o Dr. João Teixeira Soares, nos seus importantes estudos Coisas camonianas, regressou á ideia da naturalidade de Alemquer, sem mais factos do que os trechos poeticos, que originaram esta hypothese.

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