Trazeis todo decorado o Metamorphoseos; de rir de vós. homem mofino, (Canc. geral, m, 121.) Nas Moradias da Casa do rei D. Manoel vem a lista dos mancebos nobres que estudavam Grammatica á sua custa; a cultura clas. sica era um caracteristico da fidalguia. Imitava-se a côrte franceza. Em uma carta de Al. ciato de 3 de Septembro de 1530, refere-se que o rei Francisco i entrara em contracto com um certo Julio Camillo para aprender a fallar grego e latim, tanto em prosa como em verso, com tanta elegancia como Demosthenes e Cicero, Homero ou Virgilio, e isto no decurso de um mez. D. João III não penetrou no latim, mas estimulou com os melhores mestres os infantes seus irmãos, chegando a Infanta D. Maria e as damas da côrte a escreverem, traduzirem e versificarem n'essa lingua classica. Conta André de Resende, na Vida do Infante D. Duarte, como se vira forçado a fallar latim, quando em 1534 lhe appresentou o seu mestre Nicoláo Clenardo: «fez-lhe Clenardo uma breve falla, e o infante me disse que lhe respondesse e dissesse quanto com sua vinda folgava. Eu, para logo começar a desenvolver o Infante, lhe respondi: Senhor, bocca tem vossa alteza, ella por si lh'o diga; e pois hade ser seu mestre, não se acovarde a lhe fallar latim; o Infante assim o fez, que começou e ajudei-o eu. E pareceu-lhe tão bem o que eu fiz, que logo assentou, que d'ahi em diante como o mestre viesse e estivessem á lição, todos os presentes fallassem latim. Muitos houve, que tinham opinião de letrados, que por não descobrirem o fio de quam mal sabiam fallar latim, escolheram antes não ir á lição, nem entrar emquanto o mestre lá estivesse, e não é necessario nomeal.os. O Infante D. Duarte, como principe discreto, e que em publico não queria que se lhe enxergasse qualquer falta, me chamou a seu aposento o disse-me: - Bem vistes como o Infante meu senhor poz lei que todos fallassem latim; as lições se começarão d'aqui a tres dias; folgaria que se não enxergasse tanto em mim este defeito; qualquer affronta que por isso houver de receber seja antes aqui com vosco só. Alegrei-me em extremo e louvei-lhe muito isto, e comecei logo a fallar-lhe latim, e a desempecer a lingua; foi a cousa de tres dias em maneira, que perdido o primeiro medo, se desenvolveu tanto que, quando veiu a primeira lição fez espanto aos que tal não esperavam vêr, quam facil e não laboriosamente fallava.» (Op. cit., cap. 10.) Nos Collegios de Santa Cruz, ainda om 1550, como o consigna um documento <a todos é opprobrio fallar salvo em a lingua latina ou grega.» Camões esteve submettido a este signo de latim. O Dr. Storck, que traduziu magistralmente toda a obra do poeta, notou o effeito d'esta cultura latinista no seu lexico o estylo haurido em «leituras constantes e vastas, um peculio copiosissimo de pa 1 lavras e phrases latinas: Fornecem a prova irrefutavel, de um lado os seus vastos e profundos conhecimentos, verdadeiramente pasmosos, de historia e mythologia classica e em especial da litteratura latina, -conhecimentos até de pormenores minimos que elle explica, como propriedade intrinseca sua, mesmo nas regiões onde não podia ter á mão livros de consulta, como por exemplo em Ceuta, Gôa e Macáo, -o de outro lado a maneira audaz como o Poeta enriqueceu a lingua patria de muitos termos e neologismos classi- . cos que se nacionalisaram depois — trabalho sempre melindroso, que requer, além de um fino sentimento da individualidade do idioma moderno, um saber profundo e seguro.» ? E' decisivo este testemunho de um erudito allemão, reconhecendo a genuinidade da expres. são portugueza realçando sobre uma vasta cultura humanista. Os estudos em Coimbra deram-lhe elementos para todas as manifestações intellectuaes da sua trabalhosa vida. O estudo do grego, simultaneo.com o latim, era disciplina seguida pelos humanistas francezes, tambem praticada nas escholas de Santa Cruz de Coimbra muito antes da trasladação da Universidade, em 1537. Pedro Henriques e Gonçalo Alvares regressaram de Paris em 1528, vindo ensinar o grego em Santa Cruz, com Vicente Fabricio, que dirigia a impressão e revisão dos textos gregos 1 Vida e Obras, p. 207. Nota que o poeta empregou apenas quatro phrases latinas, signal que se não deixou viciar pela conversação latina obrigatoria. na imprensa que trabalhava n'aquelle mosteiro. Em 1534 ahi se imprimiu o livro de Boecio De Divisionibus et Difinitionibus, tendo intercaladas palavras em caracteres gregos. Clenardo ao passar por Coimbra ficou maravilhado com aquelle progresso, recommendando a Vaseo, que se quizesse livros gregos se dirigisse a Vicente Fabricio, animando com isso os Conegos Regrantes. Dom Heliodoro de Paiva, compoz um Vocabulario de Grego e de Hebraico, que dedicou a D. João III, e imprimiu nos prelos do Mosteiro. em 1532. Era então normal no ensino a Grammatica de Theodoro de Gaza. Chamavam-se os estudantes de grammatica Escholares de regras, porque se dividia o seu ensino em gráos; em alvará de 5 de Julho de 1541, D. João III dispensa da collecta ou minerval cos scholares da grammatica da primeira e segunda regra e assi os da schola de Lopo Galeguo...» Completavam o curso de Artes, a Dialectica e a Rhetorica. Na Vida do Infante D. Duarte, por seu mestre André de Resende, aponta-se o quadro d'este ensino: «Liamos um tempo em Lisboa a Dialectica, e de. pois de lhe ter lidos os principios por a Arte de Joanne Cetario, tornamo nos ás Artes; foi o Infante D. Henrique visital.o huma sésta estando nós em lição, levantei-me eu, e davalhe espaço pera pratica e conversação. Não, não, disse o Infante D. Henrique. Eu não quero interromper a lição, sentae-vos e prosegui. — Virei-me para o Infante: Vosso irmão quer estar á lição, bom será que saiba quanto V. A. tem aproveitado com lh'o ouvir de sua bocca. Cerrou o Infante o livro e em latim competente lhe resumiu o tratado de Porphirio De Predicabilibus e as Cathegorias de Aristoteles e Perihermeneias, tão solta e desempachadamente, que o Infante seu irmão ficou attonito.» Depois passa á disciplina da Philosophia moral: «Não é isto bastante quanto agora direi: liamos tambem o livro De Officiis, e lêramos este dia o capitulo De Justicia. Repetiu de cor assim como jaz e des que acabou lhe disse, agora este lho quero dizer ás versas. E começou da derradeira palavra proseguindo até á primeira sem titubear nem fazer intervallo.» (Cap. 10.) Triste documento do emprego material e mesmo absurdo da memoria, tornado depois exclusivo nas escholas dos Jesuitas. Na Logica estudava-se o Organum_de Aristoteles, as Summulas logicales de Pedro Hispano com os Commentarios de Jorge Bruxellense ou de Lefebre d'Etaples, coin repetições, sabatinas e conclusões; eram na linguagem das escholas denominados os scholares de partes. Bartholomeu Latomus dedicando a André de Gouvêa a sua traducção da obra de Agricola De Inventione Dialectica, diz-lhe em uma carta: «Mas como duas sejam as partes em que ella se divide-a de ensinar e a de fallar, a uma das quaes chamam Dialectica e dando á outra o nome de Rhetorica - mui. tas cousas por ellas, tanto n'um como n'outro genero nos fôram transmittidas com grande utilidade.» Fôram estas doutrinas pedagogicas que converteram todo o Humansimo na vacuidade rhetorica, que imperou tres seculos. |