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Assim como sob o excessivo ensino do latim, Camões não perdeu o sentimento da locução popular e caracteristicamente nacional ou portugueza, tambem escapou ás consequencias dissolventes da Dialectica e da Rhetorica, que além de estafarem o cerebro pelo abuso da memoria, dissolviam o caracter fazendo prevalecer á verdade o sophisma, e á sinceridade da expressão a pompa e emphase mascarando o scepticismo. Na Philosophia moral, ou a Ethica, que sob a preoccupação catholica se tornava em uma casuistica, salvou-o a Philosophia natural observada nos phenomenos cosmicos, no percurso da sua tormentosa existencia; elle assim o manifesta:

Se os antigos Philosophos que andaram
Tantas terras, por vêr segredos d'ellas,
As maravilhas que eu passei passaram,
A tão diversos ventos dando as velas,
Que grandes escripturas que deixaram!
Que influição de Signos e de Estrellas!
Que estranhezas! que grandes qualidades!
E tudo sem mentir, puras verdades.

(Lus., cant. v, st. 23.)

Os casos vi, que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiencia,
Contam por certos, sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pela experiencia.
E os que têm os juizos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por sciencia
Vêem do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos ou mal entendidos.
(Ib., st. 17.)

Maudsley considera o effeito d'esta cultura ou - saber de experiencia feito, como o disse o poeta: «novos descobrimentos nos

segredos da natureza conduzem o homem a melhor se adaptar á complexidade do seu meio, dando-lhe uma nova força correspondente;... O melhor mestre é um commercio intimo com a natureza, que nos ensina as lições da experiencia, que deve guiar os homens na conducta da vida; exercendo uma influencia constante e real, que não têm as maximas da philosophia, nem mesmo as doutrinas da religião.» (Op. cit., p. 165.)

Dispõe a carta regia de 9 de Fevereiro de 1537, dirigida ao Prior Crasteiro de Santa Cruz de Coimbra, que então era D. Miguel de Araujo, que a disciplina de Artes se lêsse no Collegio de Todos os Santos: «Vi a carta que me escrevestes, co o debuxo que me enviastes d'essa obra dos Estudos, com os apontamentos em que vem a declaração da largura e altura das paredes, e grandura dos portaes das Aulas e Geraes de Theologia, Canones, Leis e Medicina; agradeço-vos a diligencia com que estas obras se fizeram, que tudo procede do vosso bom zelo e animo virtuoso. Eu sempre fiz fundamento, quando mandei fazer esses Estudos de assentar ahi Universidade e Escolas geraes, pelo sentir assi ser mais serviço de Deus e be de meus vassallos; e por que os Lentes que ora vão pera começar a lêr Theologia, Canones, Leis e Medicina, hão de ser n'essa cidade por todo este mez de Fevereiro, pera começarem a lêr em 1 de Março que ora vem, mandareis preparar esses Geraes com cadeiras pera os ditos Lentes, e bancos para os Estudantes, e tudo o mais que fôr necessario. E as Artes se lerão n'esse vosso Collegio de Todos os San

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tos. Isto mesmo repete D. Nicoláo de Santa Maria, na Chronica dos Regrantes: As Artes, Rhetorica e Grammatica, e linguas de Grego e Hebraico, se liam no Collegio de Todos os Santos.» (p. 293.) Quando D. João III, por alvará de 15 de Dezembro de 1539 tor

1 Na Hist. da Universidade de Coimbra, t. I, p. 456. Ainda em 14 de Dezembro de 1536 os lentes da Universidade de Lisboa representavam a Dom João 11 para que não mudasse os Estudos para Coimbra. Transcrevemos alguns trechos d'esse interessante documento:

<Senhor. - Fará V. A. muita mercê a esta Universidade querer tomar conclusão sobre o requerimento de se não mudar este Estudo para Coimbra pelas rasões conteúdas na carta que lhe escreveu pelos doutores seus procuradores e outros que elles dirão a V. A.; porque além do gasto que lá fazem e perda das lições das suas cathedras, ainda que se lêam por substitutos, saberão assi os lentes como estudantes o que hão fazer, que todos andam indeterminados, porque se V. A. por cima da justiça que parece a esta Universidade que tem para não mudar o Estudo, determina todavia de o mudar a Coimbra, os lentes que lá não houverem de ir requererão o que lhes cumprir de seus salarios e serviços, e os que houverem de ir ordenarão suas cousas em tempo e assi o farão os estudantes que é a principal parte da Universidade, e crêmos que não é seu serviço e desasocego em que os põem não vêrem já claramente a determinação de V. A. sobre isto.

E lembramos a V. A. entre as outras cousas, que ahi ha para se não mudar este Estudo d'aqui, que este bairro em que estes estudantes vivem é o melhor para o gasalhado e saude d'elles, que póde haver em seu reino, e que n'esta cidade quiz El-rei que Deus tem, seu pae, que se fizesse a romaria que se faz por elles cada anno, e assi o Infante D. Henrique, e que aqui quiz el-rei seu pae, que estivesse este Estudo dandoThe casas em que se fizessem as escholas, como diz o prologo dos Estatutos, e assi o quizeram os reis que

nou os Priores do Mosteiro de Santa Cruz Cancellarios da Universidade, deu-lhes a direcção exclusiva «de todos os seus Collegios, a saber: do Collegio de San João, e do Collegio de Santo Agostinho, e do Collegio de Todos os Santos, e toda a jurisdicção em os Mestres, Estudantes e Officiaes, que em

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ante elle fôram, cujas vontades parece rasão e justiça serem cumpridas, e que uma parte da renda d'este Estudo é da Capella de Mangancha, que mandou que se cantasse em S. Jorge d'esta cidade, e que uma principal parte dos estudantes são sacerdotes, que se mantém das capellas que aqui ha muitas, que não ha em Coimbra, e que a republica d'esta cidade de que são os mais dos estudantes receberá mui grande damno, porque não poderão manter seus filhos tão longe; e parece que V. A. devia querer fazer mercê assi aos estudantes como ao povo d'esta cidade, que tem muito amor a seu serviço em lhe não tirar este bem fazendo mercê a Coimbra com tanto damno de Lisboa, principal cousa de seus reinos, e que devia V. A. de haver por seu serviço deixar estar aqui este estudo com sua ordenança, como El-rei que Deus tem, seu pae, o renovou, que muito proveito será a seus reinos haver ahi duas Universidades, pois em outros ha muitas mais. Pedimos a V. A. que com as razões d'esta carta, e da outra que sobre isto lhe escrevemos, com pareceres de letrados e dos do seu conselho, com muita brevidade tome sobre isto aquella conclusão que fôr mais serviço de Deus e seu, e bem commum. N. S. acrescente o real estado de V. A. com muito longa vida. De Lisboa, a 14 de Dezembro de 1536. O Dr. Pedro Nunes-o Dr. Gonçalo Vaz-Dionysiuso licencindo João Alvares o fez Antonio Mendes Lobo - Silvestre AlvaresStephanus licenciatus - Francisco de Leiria - Fernand Affonso Antonius Gonçalves - Jeronymo da Veiga Nunus licenciatus Paulo Antonio Manoel Fernandes. »

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(Corpo chronologico, Parte 1.", Maç. 58, Torre do Tombo.)

elles lêrem, estudarem e servirem. A qual jurisdicção se estenderá em os Mestres sómente em o que tocar ás liçoens, e faltas dos lentes, e em o fazer dos exercicios e disputas, e em as horas que hão de ler... E em os Estudantes e Collegiaes em lhes dar licenças, e em os reprehender e emendar, quando fôrem escandalosos, mal ensinados ou deshonestos... >> 1

Pelos Cursos de Artes e Humanidades que seguiu Camões, e pela circumstancia da sua nobreza, elle foi porcionista, ou bolseiro regio do Collegio de Todos os Santos, no internato de Santa Cruz de Coimbra. As disciplinas de Theologia, Leis, Medicina e Mathematica eram tambem lidas em outros Collegios do mesmo Mosteiro; mas como ainda não estavam construidos os Paços das Escholas, Dom João III unificou-os todos pela nomeação do Cancellario cruzio: «e pela dita maneira hei por unidos e incorporados os ditos Collegios com a dita Universidade; o mando que d'aqui em diante todo seja e se chame hua Universidade, e todos juntamente hajam e gozem de huns mesmos privilegios, assim dos que até aqui lhe sejam concedidos, como de todos os que ao diante se concederem á dita Universidade. Por isto se vê, que nas Escholas de Santa Cruz recebeu Camões o gráo que competia no fim do seu Curso de Artes e Humanidades, como Bacharel latino.

1 Hist. da Universidade de Coimbra, t 1, p. 458. Póde inferir-se do Soneto LIX, glorificando D. João 1 na sua morte.

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