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applicar uma grande parte dos rendimentos de Santa Cruz aos gastos da Universidade. Durante este periodo de actividade dos Collegios depois de 1527, fôram Priores crasteiros de Santa Cruz D. Dionysio de Moraes (1530 a 1533), Dom Paulo Galvão (1533 a 1536), D. Miguel de Araujo (1536 a 1539); foi então que Dom João III para honrar o Mosteiro, que tanto cooperara com a Universidade com os seus proprios Collegios e com o sacrificio dos rendimentos da communidade, concedeu o titulo de Cancellario da Universidade de Coimbra aos Priores crasteiros de Santa Cruz. No capitulo geral dos Conventos augustinianos celebrado em 5 de Maio de 1539, foi eleito Dom Bento de Camões Prior geral, sendo tambem elle o primeiro que recebendo o cargo de Cancellario da Universi dade o exerceu durante o seu triennio de 1539 a 1542. Não póde este facto ser indif ferente para a vida de Luiz de Camões; primeiramente a convivencia com o homem austero e cheio de auctoridade, incutia áquelle espirito lucido e irrequieto uma comprehensão elevada da existencia, e facilitava-lhe as condições para adquirir uma vasta leitura servindo-se da riquissima livraria do mosteiro. Tambem não era um escholar que passasse desapercebido a seus mestres, no corriculo dos cursos, por que antes dos seus rasgos geniaes fulgirem já o nome de Dom Bento de Camões lhe servia de égide. E só com a convivencia com mestres muito illustrados, como os chamados parisienses Pedro Henriques, Gonçalo Alvares, Vicente Fabricio, os grammaticos João Fernandes, Belchior Bellia

go, Ignacio de Moraes, D. Maximo de Sousa e Dom Heliodoro de Paiva, que regeram Artes e Humanidades durante o quinquenio dos estudos de Camões, é que se póde explicar o profundo saber humanistico por elle adquirido em Coimbra no remanso que o poeta nunca mais teve depois na côrte e muito menos na epoca tormentosa da India.

Quando no Canto III dos Lusiadas o poeta esboça pittorescamente a successão dos reis de Portugal, lembra se da Universidade de Coimbra, ao fallar de Dom Diniz seu instituidor, e descreve-a com emoção viva, sob a impressão que lhe ficára d'aquelles primeiros cinco annos em que fôra restituida á sua antiga séde:

Fez primeiro em Coimbra exercitar-se
O valioso officio de Minerva;

E de Helicona as Musas fez passar-se
A pizar do Mondego a fertil herva.
Quanto póde de Athenas desejar-se
Tudo o soberbo Apollo aqui reserva;
Aqui as capellas dá tecidos de ouro,
Do Baccharo e do sempre verde louro.

(Lus., 111, 97.)

A carta regia de 15 de Dezembro de 1539, em que D. João III outorga o cargo de Cancellario da Universidade aos Priores de Santa Cruz, fundamenta essa distincção: «A quantos esta minha carta virem faço saber, - que considerando eu como em o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra jazem os corpos dos reis de gloriosa memoria, a saber: del Rey Dom Affonso Henriques e del Rey Dom Sancho, seu

filho, primeiros Reys d'este Reyno de Portugal; e bem assi havendo respeito ao dito Mosteiro ser cra por ordenança tambem reformado, e estar em tanta observancia, e se fazer em elle tanto serviço a Nosso Senhor, e em os Collegios que em elle mandei fazer, tanto fruito e proveito dos meus Reynos e senhorios, em as Linguas, Artes e Theologia, pelas quaes cousas recebendo eu muito prazer e contentamento: E querendo accrescentar, honrar e fazer mercê ao dito Mosteiro, de meu proprio motu hei por bem e me praz fazer mercê, como de feito faço ao Prior do dito Mosteiro e Geral da Congregação que ora he, e pelo tempo que fôr, do Officio de Cancellario da Universidade da dita Cidade de Coimbra, do qual officio lhe faço mercê com todas as honras e privilegios, antecedencias, preferencias e prerogativas com que o tiveram e d'elles usaram sempre os Cancellarios que fôram em esta dita cidade de Lisboa até ao tempo que d'ella mudei os Estudos para a dita Cidade de Coimbra. E por esta mando ao Reytor, Lentes, Conselheiros, Deputados, Estudantes da dita Universidade, que ora são, e ao diante fôrem, que hajam pelo sobredito modo o dito Prior, que ora he, e aos que pelo tempo fôrem por Cancellario da dita Universidade; e que todos os gráos de Licenças, Doctorados e Magisterios se dêem pelo dito Cancellario em o dito Mosteiro, onde se farão os exames; e os ditos Gráos se darão pela Bulla e Privilegio concedido á dita Universidade pelo Santo Padre a minha instancia em Theologia, e Canones; e em Leis, Medicina e Artes se darão sempre

por minha auctoridade, como até ao presen te, se darão segundo a fórma do meu Regimento e Estatutos da Universidade. Dos quaes Gráos o dito Cancellario passará Cartas em fórma aos graduados, com declaração da auctoridade por que foram dados expressa nas ditas Cartas feitas pello escrivão da Universidade e assinadas por elle dito Cancellario. E mando que das portas a dentro do dito Mosteiro e da sua Capella de S. João, e de todos os seus Collegios, a saber, do Collegio de S. João e do Collegio de Santo Agostinho e do Collegio de Todos os Santos, o dito Padre Cancellario haja e tenha toda a jurisdicção em os Mestres, Estudantes e Officiaes que em elles lêrem, estudarem e servirem. A qual jurisdicção se entenderá em os Mestres sómente em o que tocar ás liçõens e faltas dos lentes, e em o fazer dos exercicios e disputas, e em as horas que hão de lêr, e em lhes dar as licenças pera irem fóra, e pera lêrem outros por elles, e em lhes mandar pagar seus salarios, e em os mandar multar em elles, quando em as sobreditas cousas lhe fôrem desobedientes. E em os Estudantes e Collegiaes em lhes dar licenças, e em os reprehender e emendar, quando fôrem escandalosos, mal ensinados ou deshonestos, e em as cousas que dão torvação a bem estudar.

E quando acontecer o dito Cancellario ser ausente, ou ter outro impedimento, tenha suas vezes em o dito officio aquelle Religioso que as tiver em a governança do dito Mosteiro, e pela dita maneira hei por unidos e incorporados os ditos Collegios com a dita Universidade; e mando que d'aqui em dian

te todo seja e se chame hua Universidade, e todos juntamente hajam e gozem de uns mesmos privilegios, assi dos que até qui lhe são concedidos, como de todos os que ao diante se concederàm á dita Universidade.» 1

Por aqui se vê a importancia que o cargo de Cancellario deu aos Priores de Santa Cruz de Coimbra na refórma da Universidade em 1537, incorporando n'ella os seus Collegios do Mosteiro, já afamados no ensino publico. Não é pois possivel equivoco sobre o facto de ter Luiz de Camões sido alumno da Universidade de Coimbra.

Eleito Prior geral em 5 de Maio de 1539, foi Dom Bento de Camões o primeiro que exerceu o alto cargo de Cancellario da Universidade; d'elle escreve D. Nicoláo de Santa Maria, na Chronica dos Regrantes: «tomou o habito de Conego regrante no Mosteiro de Santa Cruz antes da refórma (1527) e foi um dos Conegos que a acceitaram, e por isso e por sua qualidade, letras e virtude, muito estimado de El-Rei D. João III, que festejou muito ser elle o primeiro Prior Geral (1539) e o fez tambem primeiro Cancellario da nova Universidade de Coimbra... (Ib., p. 290.) O governo de Dom Bento de Camões foi perturbado por conflictos que como Prior geral de Santa Cruz teve com o poder real. Em 14 de Agosto de 1539, um collegial do Collegio de Todos os Santos achou um grande thezouro debaixo das escadas que iam para a

1 Chronica dos Regrantes, Liv. vi, cap. 14. Historia da Universidade de Coimbra, t. 1, p. 458.

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