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torre do Mosteiro; o achador, Aleixo de Figueiredo, ia subrepticiamente passando o thezouro para casa de seu pae, por nome Nuno Borges. Divulgado o successo, entendeu Dom Bento de Camões que o thezouro era propriedade do Mosteiro de Santa Cruz; pelo seu lado el rei Dom João III, fundado na Ordenação do reino reclamava o thezouro como pertencendo á corôa. Tornou se o facto litigioso; diz o chronista cruzio: «Sobre este thezouro andou o Prior Geral Dom Bento em requerimentos e demanda com El-rey, dizendo pertencer ao mosteiro, mas deram sentença por El-rey » (Op. cit, p. 290.) Logo no anno seguinte, em 20 de Outubro de 1540, vagaram as rendas avultadas do PrioradoMór de Santa Cruz por morte do Infante D. Duarte, irmão de D. João III, que as disfructava sendo casado; Dom Bento, como Prior Geral apoderou-se d'essas rendas em prol do seu Mosteiro, tão cerceado pelas refórmas e fundações de D. João III. O rei não esteve pela apropriação, e appellou para o Papa Paulo III, que convindo lhe captar o poder real, mandou em 1541 que essas rendas fossem deferidas a um outro D. Duarte, filho bastardo de D. João III e de uma D. Isabel Moniz, môça da camara da rainha D. Leonor, terceira mulher de D. Manoel. Merece considerar-se a religiosidade fanatica de D. João III como se conciliava com a liberalidade com que dotava seus irmãos e filhos bastardos com os bens ecclesiasticos. A este bastardo Dom Duarte, falecido em 1543, com vinte e dous annos, dera D. João III as abbadias de San Miguel de Refoios de Basto, de

San Bento, de San Martinho de Caramos, de San João de Longavaros, e ainda o Priorado Mór de Santa Cruz de Coimbra, dandolhe a mais em 1542 o Arcebispado de Braga, vago pelo falecimento de Frei Diogo da Silva. Estas rendas do joven bastardo passavam pela mão de D. João III e eram dispendidas a seu arbitrio; pela avidez do monarcha, presuppõe-se que a austeridade de D. Bento de Camões o affrontava, convertendo-se a antiga estima em surda antipathia. Estes factos levam a inferir que mais tarde, quando o moço poeta Luiz de Camões entrou na côrte de D. João III, como sobrinho de Dom Bento estas hostilidades fôssem habilmente recordadas por mediocres invejosos do seu talento.

Sob o governo do terceiro reitor da Universidade, Frei Bernardo da Cruz, bispo de S. Thomé, que não sympathisava com os Conegos de Santa Cruz, soffreu o Cancellario Dom Bento de Camões, conflictos de jurisdicção, em que teve de intervir o reformador Dom Frei Braz de Barros reclamando para Dom João III: «vêr esta casa que V. A. mandou reformar, em que ha tanta virtude e religião, ser assi tratada e posta em tanto perigo e dasassocego como a cada dia põe o bispo reitor. E porque eu em o principio d'estes desassocegos cuidei que esto se podia temperar com algumas boas palavras e com alguns bons meios e com humildade d'estes religiosos, todavia não aproveitei, ante cada dia se vae o fogo mais ateando; nem para temperar esta ha hi lembrança dos merecimentos d'esta casa por respeito dos Reis que em ella estão sepultados, nem da boa religião que em ella se

guarda, nem que alguns Collegios em algumas outras Universidades e Estudos Geraes teem outras maiores prerogativas que esta casa; nem o proveito que a dita casa tem feito e faz em esta Universidade, assi em mantêr Collegios como em crear letrados que ajudem a sustentar, mas todo o intento parece que é prival-a assi das graças que por V. A. de seu proprio motu lhe foram dadas como das outras com que por bem de sua reformação está decorada; e deixo as outras offensas e affrontas passadas, que o dicto bispo tem feitas a esta casa depois da sua vinda por reitor e que já o Padre Prior disia; quero contar o que agora aconteceu estando em costume depois que estes Estudos se começaram, de os religiosos d'esta casa arguirem, e fazerem seus autos escholasticos de dentro de uma grade da egreja e do Geral de Santa Catharina e d'outros onde se fazem; hoje em este dia estando Dom Affonso prestes com licença do conselho da Universidade para fazer um auto de bacharel que se diz Tentativa; e tendo as despezas pagas e as conclusões mandadas e o Cancellario e Doutores juntos em o Geral, e o presidente para se subir á cathedra, o dicto bispo reitor mandou aos ditos mestres e bedeis, que se Dom Affonso se não fosse ao Geral que não se fizesse o dito auto; e assi foi que todos se foram; e porque o dicto Cancellario que é ora o vigario da casa, e entende isto, como era rasão, quizera mandar por as provisões que tem de V. A. aos officiaes e lentes o contrario, eu lhe disse por se não fazer assuada nem outros desmanchos que em semelhantes divisões acontecem, que

1 Por

dilatasse o auto té eu escrever a V. A.» esta carta de Frei Braz de Barros de 15 de Dezembro de 1541, vê-se que o conflicto se passara com D. Bento de Camões. Findo o reitorado de Frei Bernardo da Cruz, restabeleceu-se a harmonia entre o Mosteiro de Santa Cruz e a Universidade, pelo admiravel governo de Frei Diogo de Março, que na Universidade de Louvain tinha sido condiscipulo de Frei Braz de Barros. E' natural que por esta antinomia entre o Cancellario e o Reitor, terminando Luiz de Camões o seu curso de Artes e Humanidades aos dezoitos annos, não proseguisse cursando Leis ou Canones. Parece quasi forçada a sua partida de Coimbra para Lisboa.

Dom Bento de Camões acabou o seu triennio prioral em 5 de Maio de 1542, concentrando-se na apathia contemplativa; descreve-se no Agiologio lusitano este estado ascetico: «Estando pois certo dia recitando algumas devoções, como de costume diante do sepulchro do Santo Rei Dom Affonso Henriques, the appareceu glorioso, dando-lhe as graças de quam excellentemente se havia portado no cargo.» (Op. cit., I, p. 22.) Estas apparições de D. Affonso Henriques eram um truque frequente com que os Cruzios defendiam as suas rendas ou prerogativas nos assaltos do poder real.

A lenda da visão de Dom Bento de Camões indica-nos a via por onde o poeta co

a

1 Corpo chronologico. Parte 1. Maç. 71. Doc. 33. Torre do Tombo.

nhecera as pittorescas lendas que então se colligiam para a sanctificação do fundador da monarchia, taes como o Milagre de Ourique, a fidelidade de Egas Moniz, a praga de sua mãe D. Tareja, que elle soube admiravelmente entretecer nos Lusiadas, e por ventura lidas por concessão especial no pergaminho das Chronicas breves de Santa Cruz de Coimbra. 1

Isto conduz á inferencia, que teria Dom Bento de Camões intimidades litterarias com o sobrinho, que deslumbrava pelo precoce talento.

E' natural que tentasse attrahil-o para a vida ecclesiastica em que a sua capacidade o elevaria a dignidades na hierarchia; é o que

1 D'este Mosteiro de Santa Cruz, póde-se com verdade dizer o que o Dr. Storck applica phantasticamente á Batalha para assentar no espirito profundamente impressionado do Poeta a semente fecunda da epopêa dos Lusiadas, que germinando e avigorando pouco a pouco as suas raizes, saiu lentamente á luz e desabrochou em esplendida poesia, bebendo o ár puro do sentimento nacional, alimentado pelas influencias de um systema completo de philosophia. Nós, os allemães lembramo-nos aqui do mancebo Friedrich Gottlieb Klopstock que, dois seculos mais tarde, se inspirou na cathedral de Quedlinburg aos pés do sarcophago do Imperador Henrique 1, resolvendo cantar com tuba heroica, entre lanças e arnezes aquelle libertador das Terras germanicas. Klopstock não realisou a tenção patriotica; Camões, porém levou o seu rude Canto através dos Mares e continentes, protegendo-o contra os mil aggravos de guerras e batalhas, salvando-o do naufragio medonho, com risco da propria vida, e conservando illeso no regresso ás praias lusitanas aquelle fructo gerado em uma vida de indizivel pesar e amargura.» (Vida e Obras, p. 257.)

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