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sabia achar pittorescos argumentos; em Plauto encontrou o gracioso thema comico dos amo. res de Jupiter por Alcmena, rendendo-lhe as esquivanças sob a fórma simulada de seu marido Amphytrião, e apezar de todo o prestigio da fórma classica elaborou o no typo do Auto vicentino. Em Coimbra tinha Gil Vicente representado diante da côrte, quando alli se demorou, a sua farça dos Almocreves, o Auto da Serra da Estrella, e a Tragicomedia da Divisa da Cidade de Coimbra. Por certo que estes espectaculos nacionaes e unicos não estavam ainda esquecidos, tendo-se divulgado em folhas volantes em semi gotico algumas das mais populares composições de Gil Vicente. No Auto dos Enfatriões, escripto por Camões para esses divertimentos da Universidade, em que elle foi por ventura o ensaiador, ou mesmo um dos representantes, é manifesto o seu conhecimento da Tragicomedia Dom Duardos de Gil Vicente. A creada Bromia, entra cantando o romance de Flérida, com que Gil Vicente terminou o seu Auto, e que foi glosado por varios poetas no seculo XVI, tornando-se popular; eis o texto de Camões: Voyme a las tierras estrañas A do ventura me guia.

E seguia uma versão oral, ou variante, por que no texto representado em Evora por Gil Vicente em 1533, vem:

Voyme á tierras estrangeras

Pues ventura allá me guia. 1

1 Alludindo ao emprego do Centão, escreve D. Francisco de Portugal, na Arte de Galanteria:

Camões segue tambem o preceito de Gil Vicente no emprego do castelhano; quando Mercurio falla, como companheiro de Jupiter para a seducção de Alcmena, exprime-se em portuguez; quando se encarna no criado Sosia, emprega o castelhano para o fingimento ou disfarce. O thema da comedia plautina prestava-se á fórma italiana do imbroglio, mas Camões que abraçara no Lyrismo o gosto petrarchista, preferiu seguir no theatro as formas vicentinas, em redondilhas, o Auto na sua estructura perfeita. A paixão pelo theatro não pareceu um accidente simples da vida escholar; em Lisboa essa paixão leva-o á intimidade com o poeta tunante Antonio Ribeiro Chiado. O Auto dos Enfatriões foi como obra da mocidade desprezado pelo poeta; ou perdido entre aquelles que o representaram ;

«Que solamente los sufrimos en esto de valerse de versos, los que la antiguidad estabeleció aprobaciones, una vez en la vida, otra en la muerte, dexando exceptuado por comision particular el Auto de Dom Duardes, en aquellas certezas echas de molde para successos materiales:

O que agua tão saborosa,

Toda se me apresenta en el corazon.
O responde como vistes

O vistes como respondes,
Sagrada flor de las flores.

Y lo de Artada a Julian, para las criadas en las desesperaciones, si mi consejo tomara no se iria, aunque con riesgo de que le suceda como al (D. Juan de Silva, Conde de Portalegre) que trayendo por resposta dos versos de un Romance a uma dama dixo ella: O que cansada cosa, discretos de cartapacio.» (P. 160.)

1 Eschola de Gil Vicente, p. 204.

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sómente em 1587 é que appareceu posthumo em uma collecção de Autos populares. E' um precioso documento para revelar a vida escholaresca de Coimbra, e uma pagina palpitante da mocidade do poeta n'esse meio culto. Os biographos não comprehenderam o seu valor historico. Montaigne, nos seus Ensaios, descreve os divertimentos dramaticos que se usavam no Collegio de Guyenne sob o principalado de Mestre André de Gouveia: «eu desempenhei os primeiros personagens nas Tragedias latinas de Buchanan, de Guerente e de Moret, que se representaram no nosso Collegio de Guyenne, com dignidade.» (Liv. I, cap. 25). Na descripção d'este Collegio por Gaullieur, reconhece-se que: «No Collegio de Guyenne o theatro era em certa maneira uma parte da educação.» Foi nos estudos de Coimbra que se revelou o gosto dramatico de Jorge Ferreira de Vasconcellos e do Dr. Antonio Ferreira. Estes divertimentos conservaram-se com fervor, pois que em 1551, quando o Prior do Crato, filho natural do Infante D. Luiz, acabou os seus estudos de Philosophia e Metaphysica, ao dar-lhe o Prior Geral D. Francisco de Mendanha, Cancellario da Universidade, o gráo de Bacharel em Artes, houve uma grande festa dramatica. Lê-se na Chronica dos Regrantes: «Ordenou então o mesmo Prior Geral, que este acto se fizesse com grande solemnidade. Para isso houve provisão de El-rei D. João III, que podesse o sr. D. Antonio receber o dito grão em Santa Cruz, na Aula do Geral em que se fazem os Quodlibetos e Augustinianas. E que seu mes tre o Padre D. Braz lhe orasse no acto, e lhe

pozesse as insignias de Mestre em Artes. Ordenou mais para a tarde d'aquelle dia uma Tragedia do Gigante Golias, em latim, que representaram os Estudantes actuaes da Universidade, na Claustra da Portaria, que fica anterior ao Mosteiro. (Liv. x, p. 183). «De tarde se representou a Tragedia do Gigante Golias na Claustra da Portaria, com grande apparato e se acabou com uma musica mui suave, cantando a córos aquella letra do triumpho de David, que teve do Gigante:

Saul percussit mille Et David decem millia». (Ib., t. II, p. 319.) Na linguagem popular portugueza ainda se encontra o nome de Goliardo, significando o frascario, derivado das tropelias que faziam os estudantes que representavam de Golias. Chiado, que era verdadeiramente um ex-frade goliardo, diz na Pratica de outo Figuras: «Em beber sou um Golias.» Por esta narrativa da festa dramatica no bacharelato de D. Antonio, Prior do Crato, nas Escholas de Santa Cruz, se nos revela como e em que condições foi representado o Auto dos Enfatriões, por ventura escripto por Camões para celebrar a recepção do seu gráo de bacharel latino. Estes cos

1 Escreve Juromenha: «Consta-nos que no Archivo da Universidade de Coimbra existem matriculas muito antigas, que vão ao tempo da trasladação, e registo das formaturas; porém tendo-se ali procurado a do nosso Poeta não se encontrou.» (Obras, t. I, p. x, not. 2). E' uma omissão explicavel. Nas leis organicas da trasladação da Universidade de Lisboa para Coimbra, acham-se disposições prohibindo aos estudantes frequentarem as aulas e fazerem formatura sem terem effectuado a matricula nos diversos annos. O rigor da

tumes escholarescos communs a todas as Universidades, explicam-nos esse caracter impetuoso de valentão e arruaceiro, que manifestou Camões já fóra de Coimbra. Descreve este costume Quicherat na Historia do Collegio de Santa Barbara, gloriosamente regentado pelos nossos Gouvêas: «Formou-se no seio das escholas uma classe de professores valentões e espadachins, que argumentavam puchando pelos cópos; e ainda mais os disci

lei mostra quanto este abuso estava inveterado, chegando-se até a provar a frequencia para receber o gráo por testemunhas. Em uma Carta régia de 3 de Novembro de 1539, lê-se: «que alguns estudantes se não querem assentar na matricula d'essa Universidade... e os annos que cursarem não poderão provar por testemunhas, etc. - E em uma Portaria de 18 de Março de 1540, acha-se concedida licença a dois estudantes para provarem a sua frequencia por testemunhas, visto não estarem matriculados: «Reverendo Reitor Amiguo, eu El-Rey vos envio muito saudar. Vi a carta que me escrevestes e que dizees como nã quizestes que se contassem os Cursos aos Bachareis que ora se querem graduar, senã aaquelles que se acham matriculados segundo forma da Provisão e Regimento que sobre ello passei foi assi bem feito e assi ei por bē que se cumpra e guarde, e porem pelas rezons que na dita Carta dais, ei por be que a Gaspar Antunes, scholar de Leis e a Luis Daraujo studante de Canones, se receba a prova de testemunhas para elles provarem ho dito Gaspar Antunes tres annos que diz que studou nesse studo de Coimbra sem ser matriculado, e a Luiz de Araujo dous annos que outrosi diz que studou no dito estudo sem se matricular, e provando os ditos cursos por testemunhas lhe seja contados no numero dos cursos que ha de ter para se graduarem de bachareis assi como se lhe contárã se estiveram matriculados. Anrique da Mota, a fez a dezenove de Março de mil quinhentos e quarenta.»

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