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pulos das classes superiores auctorisavam-se com o exemplo para trazerem debaixo da capa a espada curta... Em carta régia de D. João III, de 26 de Agosto de 1538, determina-se: <que nenhuü studante dos Studos da minha cidade de Coimbra tragua espada de dia pela cidade assi como tenho mandado que as nã traguã de noite, e trazendo-as contra esta minha defeza mando ao meirinho da Universidade que lhas tome e se perquã para elle. — e assi ei por bō que nã traguã punhal nē dagua sob a mesma pena.» Foi esta carta publicada em 7 de Outubro pelo escrivão da Universidade Heitor Rodrigues. As regalias das Universidades permittiam certas festas turbulentas ou as Soiças, sobretudo na celebração dos Reis Magos. «N'este dia, como escreve Quicherat, as portas dos Collegios ficavam abertas, e os escholares livres de toda a vigilancia, saíam cobertos de andrajos, e com o fato do avêsso, ou com qualquer outro arranjo ridiculo. Iam a um logar formar uma grande assembléa... Alli nomeava-se por acclamação o Roi des Sots.» Em uma Provisão de D. João III, de 4 de Julho de 1541, determina-se: «quanto aa Soiça muito custosa que alguns studantes este anno fizera de que vos escandalisastes por nã ser cousa de studantes, ei por be avendo respeito ao que dizees, que se nã faça mais e vós lho defendee.»

As cerimonias do gráo de doutoramento tambem admittiam certas praticas grotescas dos escholares, a que se dava o nome de Vejamen e tambem de Invectivas, segundo se costumava em Paris: «e ho que receber o gráo ficará em baixo assentado em huã cadeira e

diante hua mesa com seu banqual e estarão com elle dous bachareis ou licenciados, e leraa huma breve lição... ; e acabado esto, hum homem honrado louvará então letras e costumes do graduando e em linguagem per palavras honestas diraa alguns defeitos gra ciosos pera folguar que nam sejam muito de sentir, e nisto o scrivão lhe dará juramento em fórma antes que suba a receber o gráo.> Guerra y Orbe falla d'este costume nas Universidades hespanholas: «Los Vejamens habianse introduzido en España á imitacion del Gimnasio de Paris, sustituyendo ó parodiando con picantes burlas y sazonados dictos los enfadosos panegyricos. Llamase Vejamen el de los medicos e juristas, y se escribia en lengua castellana; pero decian Gallo, Actus gallicus, como allusion de su origen, al de los theologos pronunciado en latin.» Em carta regia de 1 de Julho de 1541, prohibiam se os versos satiricos ás portas da Universidade de Coimbra: «Eu El-rei faço saber a vós Lecenciado Estevão Nogueira, Conservador (juiz privativo) da Universidade de Coimbra, que eu ei por bë e me praz, que quando se pozerem alguas Invectivas ou cartas ou Trovas de mal dizer aas portas das Scholas, ou dentro das ditas scholas que sejam defamatorias contra alguaãs pessoas, que possam tirar devassa sobre quem as taes Invectivas, cartas ou trovas fez e assi sobre que as pos nas di tas scholas; e achando alguas pessoas culpadas as prenderees e procederees contra ellas como vos parecer justiça segundo fórma de minhas ordenações, dando appellação e aggravo nos casos em que couber...>

Além d'estas liberdades estudantescas que pertubavam os esplendores da reforma, tornavam-se excessivos os Descantes ou musicas nocturnas, a que o solicito D. João III teve de acudir em carta de 20 de Junho de 1539, dirigida ao Reitor: «Reverendo Bispo Rector amiguo. Eu El-rey vos envio muito saudar. Eu são enformado que algus studantes d'essa Universidade nã esguardando ho que cumpre a serviço de deus e meu e ha honestidade de suas pessoas, andam de noite com armas fazendo musicas e outros autos não mui honestos por essa cidade, de que se segue escandalo aos cidadaons e moradores e pouqua authoridade e honra aa Universidade; e por que recebo desprazer de taes cousas se fazere, vos encomendo que vos enformees disso. e ho estranhai aas pessoas que ho fizerem segundo a qualidade de suas pessoas; e mandae chamar o meirinho da Universidade e lhe dizee de minha parte que olhe por isso e cum. pra minhas ordenaçoens, e assi as ordenanças que sobre isso tenho feitas, porque nã ho fazedo assi eu proverei no caso como ouver por bem e vós me escrevee ho que neste caso passa mui decradamente. Anrique da Motta a fez ê Lixboa aos vinte dias de Junho de mil quinhentos trinta e nove.>

1 Em uma carta de D. João I, de 25 de Novembro de 1540, ao Bispo reitor, vem a noticia de um estudante cábula, que perturbava os estudos pela sua desenvoltura: Eu sou enformado que huă studante d'essa Universidade que se chama Araujo, he home que nã vive honestamente no studa como deve fazer, e despende mal ho que lhe seu pae dá; e porque isto ale de

Como existia na Universidade uma Cadeira de Musica, disciplina que fazia parte do Trivium, muitas d'essas Soiças e Descantes nocturnos seriam mais do que simples me. lodias populares mas composições de Cançonetas e Arias no gosto francez, a que allude Gil Vicente, e a que Antonio Prestes chamava musicas jusquinas (do maestro Josquin des Prés). N'estes divertimentos é que se deve estabelecer a convivencia de Camões com Jorge de Monte-Mór, que em Coimbra se tornava profissional de canto e composição contrapontica.

As referencias que faz Camões na Canção IV ao tempo em que ledo e contente vivia pelas margens do Mondego, levam a aproximal-as da narrativa que faz Jorge de MonteMór de egual época da sua vida, inferindo-se que ambos os poetas conviveram na familiaridade das escholas. Escreve Jorge de MonteMór, na Epistola a Sá de Miranda:

ser perda para elle he máo exepro pera os outros, vos encomendo que o mandees chamar e o amoestae, e aconselhae que se emende e stude, como bom studante deve fazer, porque nã se emendando eu proverei n'isso como ouver por be e mandarei que nã estee no studo no na cidade. Anrique da Mota a fez em Lixboa aos vinte cinquo de Novembro de mil quinhentos trinta e nove.» E em carta de 23 de Setembro de 1539: «Eu sou informado que algus studantes nã esguardando o que cumpre a seu habito e aa honra d'esses Studos, por alguas leves cousas que os a isso movem estando nas scholas ouvindo os lentes, pateam com os pees e batem com os tinteiros aos que vão tarde a ouvir, e a outros, ho que não ei por be e me despraz d'ello encomendovos e mandovos que d'aqui em diante o defendaes que se nã faça as semelhantes cousas sob penas que vos bē parecer, etc.»

Riberas me crié del rio Mondego.

El-rio de Mondego y su ribera
Con otros mis eguales passeava,
Sugeto al crudo Amor y su bandera;
Con elles a cantar me exercitava, etc.

Esta precocidade na paixão amorosa, que acordava o sentimento poetico, é revelada simultaneamente pelos dois poetas, e em edade que tanto os aproximava. Jorge de Monte-Mór, nascido em 19 de Março de 1523, não seguiu em Coimbra o Curso de Artes e Humanidades, mas estudou theorica e praticamente a Musica, como carreira profissional. Quando Camões veiu para Lisboa, tambem Jorge de Monte-Mór se appresentou na côrte habilitado para entrar como musico da Capella da princeza D. Maria, que em 1543 casára com o principe D. Philippe. Jorge de Monte Mór viera para Coimbra frequentar as aulas de Musica do Mosteiro de Santa Cruz; era ahi que, como Escholar pobre elle podia encontrar recursos para a frequencia d'aquella disciplina, que formava parte obrigada do quadro pedagogico das Universidades. No Mosteiro de Santa Cruz havia o costume tradicional das Rações cobertas, que os PrioresMóres destinavam a pobres honrados, por intenção do fundador San Theotonio; nas reformas ordenadas por D. João III desde 1527, essas Rações cobertas foram destinadas a auxiliar estudantes pobres, conservando a intenção primitiva. Eram vinte e quatro as Rações cobertas, e a ellas concorreram e se formaram com esse auxilio escholares que se graduaram na Universidade, que foram

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