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advogados, juizes e desembargadores. Podemos acceitar sem hypothese, que Jorge de Monte-Mór se aproveitou d'este recurso que prestava o Mosteiro de Santa Cruz aos escholares pobres, tornando-se musico profissional, cultivando ao mesmo tempo a poesia com outros seus eguaes na edade e na vocação poetica. Por certo que não era na pobre villa em que nascera, que elle encontrava quem lhe ensinasse Musica; a vocação o impellia a dirigir-se para o centro activo que era o Mosteiro de Santa Cruz, onde a par da mocidade aristocratica havia tambem as Rações cobertas para os desprotegidos da fortuna. Florescia então em Santa Cruz o Conego D. Heliodoro de Paiva, collaço de D. João III, do qual se lê na Chronica dos Regrantes: <Sabia as linguas de Hebraico, grego e latim com toda a perfeição, e as fallava e escrevia como a lingua portugueza. Foi tambem grande escrivão de todas as letras, illuminava e pin

1 D. Nicoláo de S. Maria, Chron. dos Regrantes, Liv. vi, p. 64.

1 O Dr. Storck manifesta-se contra as relações de Jorge de Monte-Mór com Camões, com este debil fundamento Monte-Mór, onde este Novellista nasceu, villa banhada pelas aguas do Mondego, dista de Coimbra ainda boa legua. E da convivencia collegial não se póde fallar, porque Jorge de Monte-Mór nem latim sabia. Sendo assim, relações de intimidade infantil só seriam provaveis, se os paes dos dois rapazes fossem amigos, mas nada consta a respeito. E quanto á quadra da primeira mocidade aos annos proximos de 1537, em que Monte-Mór vivera talvez em Coimbra, servindo-lhe o seu talento musical de ganha-pão camaradagem supposta por Th. Braga, parece pouco acceitavel. (Vida e Obras de Camões, p. 175.)

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tava excellentemente. Era cantor e musico destro e contrapontista, compoz muitas Missas e Magnificat de canto de orgão, e Motetes mui suaves; tangia o orgão e craviorgão com notavel ár e graça, tangia viola de arco e tocava harpa e cantava a ella, com tanta suavidade que enlevava os ouvintes. (Op. cit, p. 327.) Era tambem muito rica de obras theoricas a livraria de Santa Cruz.

Datam d'estes estudos em Santa Cruz de Coimbra as amisades de Camões com a mocidade da principal fidalguia portugueza; ahi conheceu D. Gonçalo da Silveira, filho do an tigo poeta do Cancioneiro geral, D. Luiz da Silveira, a quem celebrou nos seus Lusiadas. Falla o chronista cruzio: «da boa creação que o Padre D. Gonçalo da Silveira teve no mesmo Mosteiro, ou tambem querendo seguir o costume antigo dos senhores do nosso Portugal o velho, os quaes mandavam os seus filhos que haviam de seguir o estudo ecclesiastico ao dito Mosteiro a estudar letras e virtudes, como fez o Infante D. Luiz, a seu filho natural o senhor D. Antonio, e o duque D. Jaime a seus filhos, senhor Dom Fulgencio e D. Theotonio; e o Marquez de Ferreira, D. Francisco de Mello, a seu filho D. João de Bragança; e o Conde de Portalegre D. João da Silva a seu filho D. Antonio da Silva; e finalmente o Conde da Sortelha a D. Gonçalo da Silva.» (Ch. dos Regr., p. 413). No Soneto xxxv Camões celebrando o seu martyrio nas missões, falla d'elle como quem d'elle como quem o conheceu n'aquella penetração intima das escolas :

Mais poderás contar a toda a gente,
Que sempre deu na vida claro indicio
De vir a merecer tão santa morte.

Quando se achava Camões ainda em Coimbra em 1542, o Duque de Bragança D. Theodosio, vindo em romaria a San Thiago, se gundo a costumada devoção da epoca, agasalhou-se no Mosteiro de Santa Cruz, onde se demorou alguns dias, como refere a Chronica dos Regrantes (t. II, p. 298). No Soneto XXI, celebrou Camões o Duque Dom Theodosio de Bragança, na sua visita, e ahi accentua um phenomeno terrivel que se passava na sociedade portugueza:

Ao nosso Portugal, que agora vêmos
Tão differente do seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.

E em vós, grão successor e novo herdeiro
Do Braganção Estado, ha mil extremos
Eguaes ao sangue e móres que a edade. 1

Tinha então Camões dezouto annos, e estava apto para moralisar conscientemente sobre os phenomenos sociaes; elle via ergue

1 Juromenha, computando em 1535 escripto o Soneto XXI, de Camões, ao novo herdeiro da Casa de Bragança, diz: «provavelmente o foi no anno de 1535, no qual intentou acompanhar o Infante D. Luiz á expedição da Goleta.. » (Obr. 1, p 16). Quem é que intentara acompanhar o Infante? Vê-se que Juromenha se referia ou a Luiz de Camões, que então confundia com o homonymo, filho de Duarte de Camões, de Evora, ou a Dom Theodosio, que isso fizera. A redacção de Juromenha é amphibologica; em todo o caso é inadmissivel que Luiz Vaz fizesse um Soneto aos onze

annos.

rem se as fogueiras da Inquisição, que estava desde 1536 estabelecida em Portugal, tendo já um tribunal do Santo Officio a funccionar em Coimbra; via a côrte dominada pelo sanguinario fanatismo castelhano, e a nobreza ávida em apanhar doações regias, commandos de armadas e capitanias. Ao cheiro d'esta canella despovoa va-se o reino, assim já o observara Sá de Miranda, que então vivia desalentado na sua Commenda das Duas Egrejas. Em Coimbra entravam uns padres alcunhados Franchinotes, que se davam a si proprios o nome de Apostolos, e que se haviam de celebrisar no mundo sob o titulo de Companhia de Jesus. Esses padres empregavam todos os meios de captação, a começar pela direcção espiritual do rei e infantes, pelo rapto dos filhos da principal nobreza, como se vira em D. Gonçalo da Silveira, e pela hallucinação do povo com os terrores rhetoricos da morte e do inferno. Tal era o Portugal da segunda metade do seculo XVI, que agora vemos tão differente do seu ser primeiro». 1 A esta visita de D. Theodosio a Coimbra, refere-se mais claramente Camões no Soneto CCXXVII, pelo qual se vê que o duque estava ausente da côrte, tendo aproveitado a passagem por

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Desconhecendo taes factos, é que Juromenha fixa este Soneto xxi em 1535, fundando-se na phrase novo herdeiro, que só podia ser escripta depois da morte do duque D. Jayme em 20 de Setembro de 1533. Como era isto impossivel, por que teria o poeta nove ou dez annos, o Dr. Storck, sem fundamento colloca o Soneto quando Camões já vivia em Lisboa. ¡Vida, p. 275.)

Coimbra, para mandar seus irmãos D. Theo. tonio, que veiu a ser bispo de Evora, e D. Fulgencio, que entre outros pingues benefi· cios foi Dom Prior de Guimarães, para serem educados em Santa Cruz:

Levantae, minhas Tágides, a frente,
Deixando o Tejo ás sombras rumorosas
Fique um pouco de vós o rio ausente.

Vinde ver a Theodosio, grande e claro,
A quem está offerecendo maior canto
Na cythara dourada o mesmo Apollo.

Minerva do saber dá-lhe o dom raro,
Pallas lhe dá o valor de mais espanto,
E a Fama o leva já de pólo a pólo.

Entre as obras da mocidade, d'este periodo de Coimbra, colloca o visconde de Juromenha o Fragmento de uma versão portugueza dos Triumphos de Petrarcha, evidentemente do meado do seculo XVI, mas copiada em magnifica caligraphia em um rico volume encadernado em pergaminho do seculo XVII. A fórma do traslado revela que era muito apreciado o original quinhentista. A traducção é anonyma, pois que falta ao volume a folha do frontispicio; Juromenha, porém, considerou-o um esbôço de Camões, e incluiu-o com o erudito commentario adjunto na edição das Obras do Poeta. Contém o Triumpho do Amor e o Triumpho da Fama (este até ao Capitulo III, 35) em versos endecasyllabos na mesma fórma estrophica de tercetos. Poder-se-ha plausivelmente attribuir essa

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