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tas de Tarento, Heraclito do Ponto e Echecrates, e ainda Timeo de Locres, já tinham affirmado theoricamente a doutrina da esphericidade da Terra; faltara-lhes uma demonstração positiva, verificavel, e d'ahi a critica negativa de Ptolomeu a essa doutrina bem exposta por elle, mas sarcasticamente. Copernico, pela sua cultura humanista conhecia a velha doutrina dos philosophos gregos, e tornou-a scientifica pela verificação do descobrimento da America e existencia de antipodas, demonstrando a esphericidade da Terra. A obra de Copernico ficou inedita durante trinta e seis annos, tal era a potencia das ideias impostas pelo dogmatismo clerical e erudito; appareceu o livro em 1543, (Nuremberg) quando já a Renascença descambava para o seu periodo de decadencia, em que o humanismo ia ser desnaturado pela Companhia de Jesus; e foi condemnado pela Congregação do Index em 1616, quando a Egreja já impotente para vencer o espirito moderno, encarcerava execrandamente Galileo.

Não era sómente a Egreja catholica, que reagia contra este facto capital da Renascença, que dava uma orientação positiva á mentalidade moderna, libertando-a pelo criterio scientifico dos preconceitos tradicionaes do saber antigo em que tinham sido elaborados os dogmas religiosos; o Protestantismo combateu o facto com mais desplante. Luthero, que com a sua audacia germanica atacava a auctoridade hierarchica latina, estava immerso no atrazo do espirito theologico, e a concepção cosmica de Copernico mereceu-lhe os mais violentos sarcasmos. Consignem-se as memo

randas palavras que lhe mereceram as ideias de Copernico: «Falla-se de um novo astronomo, que pretende provar que a Terra é que gira, e não o Céo ou firmamento, o Sol, a Lua. Tal váe o mundo hoje em dia. Quem quizer campar por esperto não se deve contentar com o que praticam e sabem os outros. O parvo quer alterar toda a arte da Astronomia; mas a Sagrada Escriptura diz que foi o Sol que Josué mandou parar e não a Terra.» Não admira que ao frade augustiniano, que derivava da interpretação da Biblia todo o saber humano, não chegassem as noticias de factos ignorados que alteravam fundamentalmente as concepções humanas; e se os conhecesse e comprehendesse, por ventura em vez de se insurgir contra a simonia das indulgencias, seguiria com ardor a nova synthese cosmica.

A emoção profunda causada por esses Descobrimentos entre os sabios acha-se assim descripta por Damião de Goes, na Chronica do Princepe D. João: «Das quaes navegações admiração foi então tamanha, que por esse respeito vieram a estes reinos muitos homens letrados e curiosos, dos quaes uns vinham com tenção de ir vêr estas terras, provincias e novos costumes dos habitadores d'ellas; ou para tambem ajudarem a descobrir outras com esperança do proveito que d'isso podia seguir; outros vinham sómente para vêrem as cousas, que d'estas novas provincias os nossos traziam; ou para escreverem o que ouviam d'aquelles que das taes Navegações tornavam;... o que estes homens estrangeiros faziam ou de suas proprias vontadas, ou

mandados de Cidades, Republicas e princepes desejosos de saberem a certeza de tamanhas novidades.» O interesse que estes Descobrimentos provocavam provinha das suas immediatas consequencias. Primeiramente o apparecimento dos Portuguezes na India sustou na Europa a invasão crescente dos Turcos, que tiveram de ir luctar na Asia para mantêrem o seu dominio. Em seguida Veneza perdeu o seu imperio commmercial, que se fazia pelo Mediterraneo, e o fervor pela actividade mercantil substituiu-se ao cavalheirismo esgotado das cruzadas religiosas e das guerras privadas. No dominio do pensamento, o conhecimento da esphericidade da terra, da ubiquidade do homem em todos os climas, de outras raças, religiões e sociedades, alargam essa libertação das miragens do passado da sciencia verbalista e dos dogmas theologicos, dando mesmo aos estudos dos Humanistas o gosto da serena amenidade comprehendida no ideal antigo. Sem o successo grandioso dos Descobrimentos, a Renascença do seculo XVI não teria sido um regresso á Natureza, o acordar do pezadello claustral da Edade média; sem esse impulso realista e rejuvenescente, as Litteraturas classicas tornariam a ser esquecidas, como na primeira Renascença do seculo XIII, e a Refórma religiosa não encontraria nas nações de origem germanica a effervescencia do individualismo, que determinou os progressos politicos e a actividade industrial e mercantil.

Importa considerar o facto dos Descobrimentos portuguezes sob o aspecto de um plano consciente, realisado não á ventura, nem

por interpretações propheticas, mas por cartas bem rumadas, como notou o cosmographo Pedro Nunes; só assim é que se comprehenderá esse assombroso phenomeno historico, a alta expressão do genio e da nacionalidade portugueza, confundido com a aventura de Colombo, que cuidou ter descoberto Cypango. Copernico alludiu ás navegações feitas sob os Princepes hespanhoes (Fernando e Isabel) e da Lusitania (D. João II e D. Manoel); e quando se frisa o facto capital da edade moderna no descobrimento da America, em 1492, por Christovam Colombo, não se lembram os narradores historicos, que esse facto foi realisado pelos conhecimentos adquiridos em Portugal pelo contacto do genovez com os nossos navegadores, apoderando-se de uma parte do plano dos Descobrimentos que os portuguezes iam realisando. A chegada de Colombo a Portugal, attrahido pela actividade maritima d'esta nação, foi entre 1470 a 1472, quando já estava realisada a exploração das Ilhas atlanticas, primeiro estadio para a exploração dos mares occidentaes. Colombo, relacionado com a familia de Perestrello, casou-lhe com a filha D. Isabel Moniz por 1475, e com sua mulher visitou Philippa Moniz, casada com Pedro Correia, governador de Porto Santo, e tambem navegador. O proprio Colombo confessa o que deveu ás suas relações pessoaes com portuguezes: «estando en Portugal comenzó á congeturar que el mismo modo que los Portugueses navegaron tan lejos al Mediodia, podria navegarse la vuelta de Occidente y hallar tierras en aquel viage.» Assim se expressa He

nando Colon, seu filho, na Vida del Almirante; mas, embora se arrogue a originalidade do descobrimento por congeturas, vê se forçado a confessar, que tambem foi dirigido por los indicios de los navegantes. Foram esses indicios as viagens realisadas ao Labrador por navegadores insulanos, que determinaram Colombo á sua primeira viagem aos mares do Norte: «Yó navegué el año de 477 en el mes de Febrero: ultra Tile, cien leguas...>> E da segunda viagem para o sul, ás possessões portuguezas do Golfo de Guiné em 1481, diz: «Yo estuve en el castillo de la Mina del Rei de Portugal, que está debajo de la equinocial, y ansy soy buen testigo, que no és inhabitable como dicen.» Era essa uma das questões geographicas dominantes antes dos descobrimentos portuguezes. A viuvez de Colombo é que o levou a estas emprezas arrojadas; então se offereceu a D. João II para realisar as navegações para o Occidente. E' aqui que a excusa de D. João II recebe uma explicação nova; não foram as exigencias excessivas de Colombo nem o parecer negativo do Conselho real, que fizeram recusar-lhe os serviços, mas sim o confiarem ao estrangeiro uma viagem isolada, que constituia parte de um plano completo de expedições maritimas; então Colombo parte para Hespanha em 1488, tendo ainda por algum tempo relações com D. João II; desconhecendo o plano das Navegações portuguezas, intenta, sob o terror dos Turcos na Europa, descobrir um Continente para onde se estenda a Fé catholica, e entre os seus livros figuram as Prophecias, com que se suggestionava. O quadro integral das

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