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se elevava acima da psychose de um primeiro e indefinido amor, o arrancou de Coimbra, d'essa florida terra, onde ledo e contente para si vivera. A Canção IV é uma deliciosa e incomparavel despedida de Coimbra; parte como impellido por uma força invencivel:

Oh, quem me alli dissera
Que de amor tão profundo
O fim podesse vêr eu algum'hora!
E quem cuidar pudera

Que houvesse ahi no mundo
Apartar-me eu de vós, minha senhora!

Camões escrevia admiravelmente o castelhano; por certo que o não apprendeu no pouco tempo que frequentou a côrte de Dom João ui, mas conhecia-o das muitas leituras das obras classicas que andavam traduzidas do grego e latim para castelhano. Apontaremos algumas que lhe eram accessiveis na época dos estudos em Coimbra:

1496.

Libro del Ysopo, famoso fabulista. Burgos,

Vidas de los illustres Varones griegos e Romanos. Traducção de Alfonso de Palencia. Sevilha, 14911508.

La Filosofia moral, de Aristoteles: Etica, Economica y Politica. Zaragoza, 1509.

Iliada de Homero, traduzida do grego e latim por Juan de Mena. Valladolid, 1519.

Obras de Aristoteles, traduzidas do latim por Juan Gines Sepulveda. Paris, 1531 e 1532. In-fol. Metaphysica de Aristoteles. Roma, 1537.

- Las Guerras civiles de los Romanos, de Apiano. Trad. por Diego Salazar. Alcalá, 1536.

Leandro y Hero, de Museu. Traduzido por Juan Boscan. Barcelona, 1543.

E' excusado citar as obras castelhanas que elle conhecia, por que pertencem ao tempo da sua maior actividade poetica.

Desde que o poeta não quiz lisongear seu tio seguindo o estado ecclesiastico, de que o afastaram esses precoces amores, a terminação do seu curso de Artes e Humanidades obrigara-o a regressar a Lisboa, á casa paterna, para entrar na lucta da vida, com o favor da côrte, onde eram conhecidos os seus talentos. No Soneto CXXXIII, descreve Camões a partida de Coimbra, sentindo que o pensamento lhe vôa sempre para aquella terra aonde ledo vivera:

Doces e claras aguas do Mondego,
Doce repouso de minha lembrança,
Onde a comprida e perfida esperança
Longo tempo apoz si me trouxe cego.

De vós me aparto, si; porém não nego,
Que inda a longa memoria que me alcança,
Me não deixa de vós fazer mudança,

Mas quanto mais me alongo mais me achego.

A tradição d'esta psychose amorosa de Camões relacionada com a sua partida para Lisboa, syncretisou-se com outros factos; assim nas Lembranças de Diogo de Payva de Andrade, filho do chronista Francisco de Andrade, lê-se em algumas linhas biographicas de Camões:

«Por estes amores foi quatro vezes desterrado: uma de Coimbra, estando lá a côrte, para Lisboa; etc. »

E' presumivel, que terminado o Curso na Universidade em 1542, seus paes o obrigassem a regressar a Lisboa, affastando-o d'essa paixão incipiente, de que elle falla com tanto enlêvo accentuando o forçado e inesperado apartamento. D'ahi essa impressão de um

primeiro desterro. Mas essa lembrança que o acompanha, vae delir-se na côrte, exaltando o seu estado de espirito em que qualquer galanteio feminil o empolgaria; ahi tudo convergia para exaltar-lhe o temperamento vibrati e o éstro repentista, sendo o talento deslumbrante, a graça espontanea, a vivacidade communicativa que o impozeram, mais do que o nascimento, as altas amisades pessoaes e a sua excepcional cultura humanista.

1 Camillo Castello Branco, possuidor do Ms. das Lembranças de Diogo de Paiva de Andrade, transcreveu as linhas biographicas mas não soube interpretar o fundo de verdade que existia na tradição, tomando o seu syncretismo á letra: O desterro de Camões de Coimbra, onde estava a côrte, é a novidade que não póde conciliar com o facto de ter residido D. João mi em Coimbra nos annos immediatos a 1542... Sei tão sómente que o rei esteve em Coimbra por 1527 e 1550.» (Luiz de Camões, Notas biograph., p. 15.) Nas tradições são muitas vezes erradas as circumstancias, e verdadeiro o facto na sua generalidade; outras vezes pela realidade das circumstancias restabelece-se o facto concreto á sua verdade deturpada. E' indispensavel esta base hermeneutica para interpretar as numerosas tradições que envolvem a vida de Camões, que os biographos apontam como curiosidades, sem ihes extrahir os residuos historicos. Diogo de Payva de Andrade, filho do chronista Francisco de Andrade, nascido em 1576, ainda em vida de Camões, era um curioso de antiguidades e um humanista; refutou varios erros de Fr. Bernardo de Brito, no seu Exame de Antiguidades, (1616) e escreveu o Casamento perfeito, (1630) que encerra valiosas noticias da vida civil portugueza. Escreveu tambem um poema latino Chauleidos, no gosto da epopea de Stacio, celebrando o Cêrco de Chaul de 1570-71. As linhas biographicas de Camões resumem a sua vida relacionada com os seus amores; Faria e Sousa, que desconheceu esta fonte, segue as mesmas indicações, o que revela que ambos encontraram um mesmo veio tradicional.

EPOCA SEGUNDA

A Côrte de D. João III

(1543 a 1553)

Conhecido o quadro pedagogico da época em que cursou Camões os estudos de Coimbra, determina-se pelo corriculo dos cinco annos, começados em 1537, que regressaria á casa paterna, tomado o gráo, em fins de 1542. Ju. romenha fixou esta data por um processo laborioso e aproximativo, para supprir a falta de conhecimento do quadro dos estudos que o esclareceria com mais segurança. Interpreta estas palavras da Carta I de Camões, escripta da India, em 1553: «Porque, quando cuido que sem peccado que me obrigasse a tres dias de purgatorio, passei tres mil dias de más linguas, peóres tenções, damnadas vontades, nascidas de pura inveja...» Apezar de Storck achar estranheza que Camões obrigasse um intimo amigo a um calculo arithmetico bastante complicado capaz de ar

rumar devidamente os outo annos com mais tres mezes ou oitenta dias,» é evidente que esse trecho da carta tem um valor chronologico e autobiographico. Os tres mil dias, que se reduzem a outo annos e outenta dias, arrumam-se com verdade diante dos factos positivos: Embarcando Camões para a India em 24 de Março de 1553, (comprehendem-se n'este trimestre os outenta dias) ficam os outo annos, que subtrahidos de 1552, nos reportam ao anno de 1544, no qual effectivamente chegou a ter entrada no paço, onde suscitou, pelo deslumbramento do seu genio as mais profundas invejas. Na biographia manuscripta por Frei Francisco de S. Agostinho Macedo vem a tradição dos epithetos admirativos que lhe davam na côrte: «Era galante com desenfado; aprazivel com primor; cortez com gracejo;... era bem visto e melhor ouvido. Chamavam-lhe Sereia do Paço, Cysne do Tejo.» As damnadas tenções e as cavillosas invejas fôram-se accentuando depois nos epithetos odientos de Trinca-Fortes, Homem das abas grandes, e Cara sem olhos.

Quando Camões regressou a Lisboa contava os seus dezenove annos; como, sem bens de fortuna nem importancia individual, foi elle admittido no paço? Não foi admittido immediatamente. Só quando penetrou na côrte a fama do seu talento poetico incomparavel,

1 Descontando dois annos em Ceuta, é que Juromenha vem á data de 1542, (Obras, t. 1, p. 25) ou 1543, confusamente.

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