Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

dilhas que as Damas repetiam. O poeta o disse na sua Carta II: « E porque não digaes que não sou gente fóra do meu bairro, vêdes, ahi vae uma Volta, feita a este Mote, que escolhi da manada dos engeitados, e cuido que não é tão dedo queimado, que não seja dos que El Rei mandou chamar; o qual falla assi Não quero, não quero Jubão amarello...»

Vejamos como se preparou a entrada na

côrte.

As relações de Camões com Francisco de Moraes, auctor do Palmeirim de Inglaterra, que regressara de França em 1543, como secretario do embaixador D. Francisco de Noronha, 2.o Conde de Linhares, e a circumstancia de ser este o Camareiro-mór da rainha D. Catherina, é que nos explicam como o poeta dedicou o seu Idyllio (Ecloga v) áquelle fidalgo. Começa: «A quem darei queixumes magoados?» Vê-se que era uma das suas primeiras offertas litterarias. Nas edições primeiras traz a rubrica: « Feito do Autor na sua puericia.» Ainda não tinha os vinte annos o poeta; póde-se portanto acceitar a inducção tradicional da rubrica. A rubrica da edição de 1595: « A Dom Antonio de Noronha » veiu complicar a comprehensão, pelo anachronismo; mas mantinha a verdade de um elemento tradicional. O Dr. Storck esclareceu o problema: « A tradição levando-nos á casa dos Condes de Linhares, não erra. Erra apenas a pessoa que indica. D. Francisco de Noronha é o Senhor famoso e excellente especial em graças entre a gente, a quem os suspiros

[ocr errors]

magoados do primeiro Idyllio camoneano se dirigem, e não o pequenino D. Antonio... que mal contava de sete a oito annos. Ao pae, e não ao filho, diz o Poeta :

Por partes mil lançando a phantasia
Busquei na terra estrella, que guiasse
Meu rudo verso, em cuja companhia
A santa piedade sempre andasse;
Luzente e clara como a luz do dia,
Que o rudo engenho meu me alumiasse;
E em vossas perfeições, grão Senhor, vejo
Ainda além cumprido o meu desejo.»

O poeta dedicando ao Conde de Linhares aquelle quadro idyllico das - vãs querellas, brandas e amorosas - revela o alto pensamento que lhe absorve a mocidade, a Epopêa que sonha e elabora como expressão das suas aspirações:

Em quanto eu apparelho um novo esprito
E voz de cysne tal que o mundo espante,
Com que de vós, Senhor, em alto grito
Louvores mil em toda a parte cante;
Ouvi o canto agreste em tronco escrito,
Entre vacas e gado petulante:

Que quando tempo fôr, em melhor modo
Hade-me ouvir por vós o mundo todo.

Eram então muito lidas na côrte as duas Eclogas Trovas de dois Pastores (Ecloga III de Bernardim Ribeiro) e o Crisfal, de Christovam Falcão, em edições anonymas em folha volante. Camões foi attrahido para esses quadros bucolicos, começando pelo monologo idyllico. Mas a sua aspiração era mais alta, e a ella alludia com viva confiança. Como camareiro-mór da rainha D. Catherina, seria

D. Francisco de Noronha, quem lhe preparou a entrada nos serões da côrte? Achamos natural esta inferencia, sabendo-se que a fama do talento primacial do poeta provocava curiosidade nas damas do paço. O Idyllio amoroso (Ecloga v) exprime uma situação vaga, anterior á paixão que o empolgou; essas estrophes, carregadas de tintas mythologicas, pertencem áquellas composições em que de livre peito, com palavras forjadas trazia as damas contentes e illudidas sobre o objectivo que o inspirava. Depois das festas do casamento da princeza D. Maria com o princepe Philippe, herdeiro da corôa de Hespanha, em 1543, começaram as festas de Almeirim, em 1544, sendo jurado herdeiro, do throno portuguez o Princepe D. João. É no meio d'estas alegrias, que mascaravam grandes tristezas, como a da subita decepção da Infanta D. Maria, e os aziagos prognosticos do Infante D. Luiz, que Luiz de Camões começa a ser admittido no paço e a brilhar pelos lampejos de seu genio. Foi rapido esse periodo, em que o forçaram sem culpa sua a ausentar-se da côrte terriveis circumstancias que se reflectiram na sombria transformação do caracter de D. João III e da côrte portugueza.

A) Os Serões nos Paços da Ribeira e de Santa Clara

Aquelle espirito despreoccupado de interesses, generoso e perdulario, apaixonado pela idealisação poetica, destemido e provocador pelas réplicas sarcasticas ás invejas e calumnias que repellia, entrava em uma côrte

1

sombria pelo prestigio do genio, com toda a impericia da sua edade ingenua. A ruina era inevitavel; e tanto mais immediata seria, quanto foi calorosa a admiração do primeiro momento. A mansão regia era quasi monachal: « San Francisco Xavier não duvidou comparar o palacio d'este soberano (D. João III) ao mais observante e bem regulado mosteiro.» 1 É indispensavel conhecer por dentro a côrte de Dom João III, para comprehender a vida de Camões n'esses fugitivos dias de enthusiasmo e galanteio, que duraram desde 1544 a principios de 1546, e que lhe inspiraram as mais bellas creações do seu lyrismo. A Côrte de Dom João III apparece descripta nos seus mais occultos aspectos nas Instrucções sobre as cousas de Portugal, dadas ao Nuncio Aloysio Lippomano, por ordem de Paulo III, por breve de 29 de Outubro de 1542 creditado diplomaticamente junto do monarcha. O que se passava em 1542, pelo que se lê nas Instrucções, era uma situação permanente: « O Rei, e a seu exemplo toda a nobreza que o rodêa, dá grandissimo credito aos Frades; ou seja pela diligencia d'elles ou por negligencia e descuido dos prelados, tornaram-se tyrannos do reino, por via das confissões e prédicas.» Os nomes dos frades mais influentes são ahi apontados ao Nuncio, para saber julgar com esses valores: < Na ordem de Santo Agostinho, tres frades prin

1 Fr. Fortunato de S. Boaventura, Litteratura portugueza em Italia, p. 96.

2 Acham-se em italiano, publicadas no Corpo diplomatico portuguez, t. v, p. 130 a 152.

cipaes: Frei João Soares, confessor do rei, frade de poucas letras, mas de grande audacia e ambiciosissimo, de opiniões péssimas, e declarado inimigo da Sé Apostolica; faz negocios de toda a casta, sob o pretexto da confissão. Os outros dois frades confessam grande numero de pessoas, e andam muito juntos ao rei, são dois castelhanos, Villa Franca e Montoro. O rei, e muitos dos altos fidalgos confiam n'elles bastante. >>

Sob a influencia dos Gracianos é que Dom João III se interessou pelas grandes reformas, tornando os Collegios de Santa Cruz de Coimbra o primeiro nucleo para a reorganisação da Universidade, trasladada para Coimbra em 1537. Esta influencia foi contraminada pelos Dominicanos, desde que Dom João III foi instigado por seu cunhado o Imperador Carlos V, para estabelecer a Inquisição em Portugal. Lê-se nas Instrucções ao Nuncio uma observação referente ao frade hieronymita e valenciano Frei Michele: «não querendo uma vez absolver o rei, não foi mais chamado para o confessar, entrando em seu logar Fr. João Soares.>

Da Ordem de San Domingos, o frade castelhano Padaglier (Frei Jeronymo Padilha) prégador e litterato, era apontado como « homem de novidade e atrevido. E em relação ao Tribunal da Inquisição traz esta indicação pasmosa: «É bem que o Nuncio saiba mais, que se diz que o Infante D. Luiz é muito afferrado sobre a Inquisição, por lhe ser assim imposto pelo Imperador, que se faça o mais rigorosa que se possa em Portugal; porque teme que o exemplo de Portugal possa

« VorigeDoorgaan »