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um dia reduzir a sua Inquisição aos mesmos termos. O outro pretexto que move o Imperador, é que a Inquisição de Portugal dá aos Castelhanos aquelle refugio que tinham quando em Castella eram mal tratados, e tambem aquelles que fugiam de Portugal, todos ou por uma ou por outra, ficavam sob o Poder do Imperador ou dos seus, e em Flandres ha um grande numero e todos quantos precisam dão dinheiro.» Da influencia politica do Infante D. Luiz, expõe: «Junto do Rei nas cousas importantes, pode muito o Infante Dom Luiz, por auctoridade que se arrogou quasi violentamente.» E accrescenta : << os irmãos do Rei querem ser tratados como o rei. E n'estas condições recommenda-se: « É preciso que o Nuncio saiba quem préga e quem confessa as pessoas principaes.» O Conde da Castanheira é um d'esses mais preponderantes por muita amisade que lhe tem o rei. É este um homem pessimo, appellando sempre para a sua consciencia e devoção, para se entender por este meio com os frades que tratam com o rei continuamente. O Conde de Vimioso tambem tem certa auctoridade junto do rei. Da rainha D. Catherina destaca-se esta nota viva: « Dizem que a Rainha toma deliberadamente parte nos negocios publicos, e quer mostrar e fazer parecer, que é assim. É senhora muito devota. Principalmente fallando com ella, reduzir todas as cousas o mais que se puder (como em verdade se deve fazer) ao serviço de Deus e bem da Egreja, fazendo sempre menção da consciencia, do outro mundo, e do perigo da heresia, das censuras da Egreja, em summa,

de tudo o que faz medo ás senhoras religiosas e que produz n'ella todo o effeito.» Ve-se como insinuava a suggestão do fanatismo para explorar a obsessão dos terrores da outra vida, que soffria esta filha de Joanna a Doida, a rainha D. Catherina.

O estado de depressão moral da nação é assim notado: « Em Portugal são de continuo infinitos os litigios matrimoniaes e tambem ecclesiasticos.» E tendo o Nuncio Auditor, tem em mão todo o reino, pela causa principal ou outras dependencias,» — «A Nobreza, e grande parte do povo não pode de modo nenhum sair das mãos da Sé Apostolica, nem fazer qualquer cousa sem Roma, por que todos ou por via das Commendas ou dos Beneficios com Habito, ou emphyteutas ou parentes de padres, vivem de bens da Egreja com bullas e provisões da Sé Apostolica, sem a qual ninguem se julga seguro... A decadencia de Portugal era já reconhecida em Roma: << Portugal ao presente está reduzido a pouquissima força; o Rei, além de ser pobrissimo e com dividas grandissimas dentro e fóra do reino, com enormes juros, é muito grandemente mal visto do povo, e muito mais da nobreza, não por sua má natureza, que deixado a si mesmo não procederia assim, mas pelos mãos conselhos e actos d'aquelles que estão junto d'elle.» « As cousas de Portugal com França pelos conflictos das navegações e da irmã (a Infanta D. Maria) filha da Rainha de França, que os francezes reclamam, com o Imperador e com outras paixões secretas, estão reduzidas ao ponto, que se receia uma total ruina.>

N'esta crise de depressão moral e politica é que a Companhia de Jesus entrou em Portugal, recommendada pelo celebre pedagogista Dr. Diogo de Gouvêa e pelo embaixador D. Pedro de Mascarenhas, que estava na intimidade de Carlos v. Os da Companhia de Jesus arrogavam-se o titulo de Apostolos; Dom João III pedia para Roma ao Geral Ignacio de Loyola alguns socios para as missões no Oriente. Ŏ fervor que elles produziam era quasi um delirio; o Infante D. Luiz queria professar na Companhia, á imitação do Duque de Gandia, mas foi preciso intervir auctoritariamente o proprio Loyola, para o afastar d'essa obsessão que podia desmascarar a propaganda capciosa ou os raptos da Companhia na mocidade das familias fidalgas. Dom João III, que sob o influxo dos Dominicanos considerava o ser Inquisidor-Geral como de mais valia que a propria realeza, entregou-se em absoluto á Companhia de Jesus, concedendo as mais latas e inconsideradas doações áquella nova ordem, que chegou a alterar as leis civis, podendo receber doações de bens de pessoas na menor edade! Liberto do conflicto das ambições de Augustinianos e Dominicanos, que o dominavam, emancipava se agora um pouco entregando-se passivamente á disciplina dos Jesuitas, que lhe lisongearam a vontade occupando-se da organisação dos Collegio das Artes em Coimbra e de Santo Antão em Lisboa, para expurgarem as disciplinas humanisticas do erasmismo com que estavam inquinadas em Portugal e Hespanha. O rei, obedecendo a esta suggestão, dizia que aos escholares os queria mais catholi

cos e menos latinos. Era a regressão á apathia medieval. A religião christã pela passividade mystica conduz ao estado de apathia. Se no seculo XVI o espirito da Antiguidade pagã não tivesse contraminado pelos exemplos da sociabilidade prevalecendo sobre a personalidade, ou a acção heroica, este emocionismo christão teria embaraçado a éra nova de actividade que poz termo á Edade média.

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Agora os Jesuitas vinham com a pratica dos Exercicios espirituaes exacerbar a concentração subjectiva e doentia, pela contemplação da morte e dos terrores do inferno; pelas confissões frequentes apagando todo o individualismo diante do padre director. O Infante D. Luiz, o discipulo do Dr. Pedro Nunes, submettia-se á direcção espiritual do jesuita P.e Diogo Mirão; o Cardeal D. Henrique, que fôra nomeado Inquisidor Geral, apagou o seu resentimento contra a Companhia e tomou como director espiritual o P.e Leão Henriques. Outro Apostolo o P. Gonçalo de Mello dirigia ou estava de posse das timoratas consciencias da Infanta D. Isabel e de seus filhos D. Duarte, D. Maria, princeza de Parma, e da Duqueza de Bragança D. Catherina. Dom João III era confessado e governado pelo astuto P. Simão Rodrigues, que se apoderou da educação do Princepe D. João, afastando da confiança do monarcha o egregio humanista Damião de Góes, por ter sido amigo de Erasmo e ter fallado com Luthero. Multiplicavam as devoções ridiculas por varias ermidas da côrte, como se vê pela Carta de Camões em que allude aos Aposto

los, a quem o povo chamava com despreso os Franchinotes, escarnecendo-os pelos trajos que usavam de pelotes com mantéo curto, bordão de cana e alforges pendurados a tiracollo com fitas de ourello. Estas exterioridades impressionavam mulheres crédulas, como a rainha D. Catherina, em que recrudescia a loucura da mãe pela exaltação religiosa sob os terrores da morte. '

A doutrina dos Jesuitas, para se apoderarem das consciencias pelas mais fortes emoções, consistiu em concentrar todos os meios de representação imaginosa para dar relêvo impressionante á ideia da morte. Era a base unica da sua ascese, levada até á preoccupação do delirio e da monomania. O grande alienista Maudsley examinou o effeito d'esta ideia da morte: « ella é appresentada ao christão com todos os horrores imaginaveis, como a consequencia e a punição do peccado, o maximo terror, o ultimo inimigo, o momento em que os diabos contentes se apoderam da sua preza, a entrada possivel para os tormentos inexprimiveis durante toda a eternidade. Parece-nos que será impossivel conceber as horas infinitas de tormento, a intra

1 O caracter sombrio e exageradamente fanatico da Rainha D. Catherina é explicado pelos antecedentes do seu nascimento e mocidade: « Filha posthuma de Philippe o Bello, nasceu em Torquemada, durante o phantastico cortejo funebre em que a viuva (Joanna a Doida levou a Granada o corpo do defuncto rei. E viveu sempre em severa reclusão ao pé da mãe em Tordesillas, d'onde saíu directamente para occupar o throno portuguez.» D. Carolina Michaëlis, A Infanta Dona Maria de Portugal, p. 92, Nota 194.

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