poeta ainda se não conformara com as doutrinas e praticas jesuiticas, servindo então a Companhia Carlos v, no seu plano de incorporação de Portugal. Por estas Trovas se observa como o casamento da princeza dera azo a tremebundas preoccupações politicas, que se confirmaram nas maiores catastrophes. O Infante D. Luiz cultivava a poesia, não só a forma do Auto vicentino, como o mais delicado lyrismo petrarchista ; attribue-se-lhe o Soneto que anda entre os de Camões: Ho. ras breves do meu contentamento. «Alguns Sonetos sacros de sentimento profundo e fórma polida andam incorporados nas obras lyricas de Camões. » 1 Barbosa Machado colligiu a seguinte Copla do Infante : Muito vence o que se vence, A tempo fazer-se mudo. Quando se descreve a austeridade da rainha D. Catherina sob uma exclusiva preoccupação religiosa, chega a parecer incompativel com o seu espirito toda a distracção litteraria que nos apparece illuminando os serões da côrte. A educação da mulher, no seu tempo, reflectia toda a cultura mental da Renascença; por isso alguns escriptores lhe dedicaram livros, como o Dr. Affonso de Guevara, lente 1 1 D. Carolina Michaëlis, A Infanta D. Maria, p. 92, nota 201. Em varios manuscriptos encontram-ss com o nome do Infante D. Luiz quatorze Sonetos que os colleccionadores acharam attribuidos a Camões. de Anatomia, Frei Luiz de Granada e Frei Francisco Jimenes. Em um documento da Torre do Tombo, em que se descrevem as despezas da rainha D. Catherina, vem a relação das obras que compunham a sua Livraria, e as contas pagas aos seus impressor Affonso Lourenço e livreiro João de Borgonha. 1 Entre esses livros existem muitos de ascetismo, e devocionarios apreciaveis pelas suas luxuosissimas encadernações; mas destacam.se outras obras de litteratura, que nos definem a corrente do gosto dominante. Ahi se aponta por trezentos reaes « hìa Caroniqa Troyana, que encadernou em bezerro com volta e fitas e quatro tachões dourados.» As quatro partes da Caronica d'Espanha; «960 reaes que despendeu em 25 de Abril do dito anno (de 1544) em mandar guarnecer hum Cancioneiro portugues »; era evidentemente o Cancioneiro geral de Garcia de Resende, publicado em 1516. Além das obras classicas, como as Vidas dos Homens illustres por Plu. tarcho, acham-se descriptas obras castelhanas, taes como os Proverbios de Inigo Lopez de Mendoza (Marquez de Santillana), Las Trezientas de Juan de Mena, e o Cancionero de Juan del Enzina, as Trovas de Jorge Manrique, com Recued el alma adormida com sua glosa; Los Nueve de la Fama encadernado em setim branco com suas fitas verdes, a impressão de Lisboa, por Germão Galhardo 1 Publicado pelo Dr. Sousa Viterbo na memoria academica A Livraria real especialmente no reinado de D. Manoel. de 1530; o Cancionero castelhano, talvez o de Hernã de Castillo; Mingo Revulgo com glosa. Citam-se tambem os Triumphos de Petrarcha, as Consolações de Boecio, o Regimento de Princepes, o Esopo, além de nume rosos livros mysticos. « Todos estes libros se entregarã a Juana Vas por mandado verbal de sua Alteza segund que estan en esta folla.» « E outro livro que se intitula Principio da lingua portuguesa, de purgaminho, escrito de mão encadernado em tavoas, cuberto de veludo aleonado, que ten hữa brocha de prata e na metade d'ella ten hū camafeo falso. A referencia á illustre conimbricense Joanna Vaz, á qual Ayres Barbosa dirigiu uns versos latinos, vem valorisar as palavras que o Dr. João de Barros, no Espelho de casados, publicado em 1540, diz da sua capacidade intellectual : «Joanna Vaz, natural de Coimbra, criada da Rainha nossa senhora, por suas virtudes e doctrinas mui aceita a ella nas letras latinas e outras artes humanas mui docta, de quem vi algumas cartas por que bem se pode provar esta noticia que dou d'ella. Á rainha D. Catherina, que creou desde a mais tenra edade a Infanta D. Maria, quando se lhe apartou casa, entendeu dever fazer parte d'ella Joanna Vaz, que a acompa nhara na sua educação. Encontram-se frequentemente nos Cancioneiros manuscriptos poesias de Jorge Fernandes, denominado o Fradinho da Rainha. Era um poeta da côrte que fora estudar letras humanas por ordem da rainha D. Catherina ; quando ella morreu, e apoz a derrota de D. Sebastião em Africa em 1578, passou a Castella, onde professou na ordem dos Menores da Provincia da Conceição com o nome de Frei Paulo da Cruz. Metrificava em latim com facilidade, e na poesia portugueza versificava na medida velha ao gosto da côrte, e nas fórmas italianas. O Mote glosado por Camões: «Sem vós e com meu cuidado » teve tambem uma Glosa do Frade da Rainha, de que se conservou esta quintilha': Tendo-me esta alma cativa No mesmo Cancioneiro manuscripto, que pertenceu ao visconde de Juromenha, vem tres estrophes ou Vilancete ao Mote; Fostes meu bem, mas agora Nem bem, que vos não desejo. 1 Os versos endecasyllabos que restam de Jorge Fernandes são um extenso Capitulo Do Frade da Rainha em louvor da vida solitaria a um homem que deixando-a se foi viver a hūa quinta; a traducção de uma Ode de Horacio (II, 24 ) e uns tercetos exprimindo os seus desalentos amorosos. O verso endecasyllabo é ainda sem plasticidade e sem brilho. O poema em cinco cantos Outavas ao Invicto Martyr S. Vicente feitas pelo P. F. Paulo 1 Na collecção de versos de Estevam Rodrigues de Castro vem com variantes este Vilancete. (Ineditos de A. L. Caminha, t. 11, p. 194.) da Cruz, chamado o Fradinho da Rainha, traz esta referencia ao seu passado poetico : Seja grato o meu breve ultimo canto, Frei Paulo da Cruz tentou publicar a collecção dos seus versos com o nome de Jorge Fernandes, Fradinho da Rainha, mas foi-lhe negada a permissão; regressando a Castella, morreu em 1631. O medico da rainha D. Catherina, Fran. cisco Lopes, tambem era poeta e auctor do Lôor de Nuestra Señora, em diversos generos de metros. A queixa de Jorge Ferreira de Vasconcellos de se terem as cantigas caste. lhanas apoderado do ouvido portuguez, pode bem explicar-se pela lisonja á rainha D. Catherina, que apreciava dignamente a poesia. Entre as damas da côrte da rainha D. Catherina brilhava a formosissima e intelligente D. Francisca de Aragão, em volta da qual se reuniam os poetas palacianos que a galanteavam, ou que exaltadamente a amavam, como Pero de Andrade Caminha e D. Manoel de Portugal. Ella pedia versos a Camões, distinguindo-o por essa forma de todos os outros; e não deixaria esta homenagem ao genio de influir nas rivalidades e odios que o envolveram. Em uma carta de D. João de Borja (fi 1 Publicado no livro de Diogo Pires Cinza, Vida, Morte e trasladação do invicto Martyr S. Vicente, fl. 114 1614. |