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CAMÕES

EPOCA, VIDA E OBRA

Ao iniciar as expedições maritimas do seculo XV, o genio da raça lusitana manifestava o caracter ethnico da sua origem ligurica. Os grandes Descobrimentos e as temerosas navegações imprimiram ao Povo portuguez o vigor de uma Nacionalidade autonoma entre os outros Estados peninsulares; e a essa nacionalidade uma acção historica, exercendo a missão impulsora de uma nova Era, na marcha progressiva da humanidade. Confinado entre o continente e o mar, Portugal, pela tenacidade de raça inconfundivel, realisara no seculo XII a aspiração tradicional da independencia como estado politico; mas foram os seus portos, as suas armadas dominando no Mare librum que lhe crearam os recursos economicos, deixando então de ser um appendice da Hespanha. A sua burguezia não se af

firmou pelas revoltas communaes, mas nas luctas do trafico mercantil dos productos de inexploradas regiões, apeando o emporio exclusivo de Veneza. Quando esses vastos dominios geographicos reclamaram colonos, capital e confiança para o credito, as exiguas condições d'este pequeno povo foram causa material da sua decadencia ante o concurso das poderosas nações da Europa, e nunca uma degenerescencia imaginaria.

No seculo XVI, o maior seculo da historia, é quando resplandecem todas estas condições vitaes da Nacionalidade portugueza, nos aspectos mais delicados do sentimento, da intellectualidade e da acção individual. Na Litteratura e Arte quinhentistas o sentimento nacional inspirou as mais bellas creações estheticas: no Theatro, revelando-se em Gil Vicente a tradição mantida na vida popular; no Lyrismo, a passividade amorosa designada pelos criticos estrangeiros-alma portuguezapela sua emocionante expressão; na Architectura, revivescendo na época manuelina no mosteiro dos Jeronymos, fórmas ainda communs á Hespanha lusa ou occidental, com a ornamentação do gothico-florido com os novos productos das regiões orientaes; no Direito, sancionando o costume do reino, ou as antigas garantias populares, embora os reinicolas as codificassem segundo as leis romanas e canonicas. E' n'este seculo quinhentista, que a Lingua portugueza entra na disciplina grammatical, iniciada por Fernão de Oliveira, proclamando o Doutor Antonio Ferreira, que se falle, escreva e cante essa lingua, adaptada ás narrativas da Historia por

João de Barros e Damião de Góes, tornandose uma manifestação organica do nacionalismo. Bem dizia Frederico Schlegell: «Feitos memoraveis, grandes successos e largos destinos, não bastam para captar a attenção e determinar o juizo da posteridade. Para que um povo tenha este privilegio, é preciso que elle saiba dar conta dos seus feitos e dos seus destinos. E' esta harmonia que caracterisa o genio portuguez no seculo XVI, na affirmação complexa de profundos symptomas de vitalidade.

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Mas sob este esplendor da éra quinhentista, trabalhava uma força depressiva de desnacionalisação, exterior á nacionalidade, pela ambição do unitarismo iberico dos seus monarchas, coadjuvados pelo unitarismo catholico. Ao encetar-se o ultimo quartel do grandioso seculo, Portugal era convertido pelos seus dirigentes temporaes e espirituaes em uma provincia castelhana.

Não se apagou, apesar da dissolução dos caracteres e de sanguinosas violencias, a consciencia da nacionalidade portugueza; Camões deu expressão a essa força latente, e tornouse o Symbolo d'ella. Camões, que nasceu no periodo das fortes energias; que assistiu á transição da generosa Renascença para a phase perturbada e esteril; que viu toda a extensão do dominio portuguez na Africa, India e extremo Oriente, nos seus desfalecimentos mo. raes, Camões foi o luminoso espirito que sentiu a raça na sua resistencia indomavel e deu expressão artistica ou universal a essa consciencia historica. No momento em que se iam apagando os testemunhos que mostravam Por

tugal solidario no desenvolvimento da Civilisação moderna, a Epopêa de Camões foi o pregão do ninho seu paterno, que accendeu nas gerações os impetos da independencia nacional, e pela inspiração universalista impoz aos seculos que este pequeno povo sobreviverá como factor da historia da humanidade. Sob este aspecto escreveu Edgar Quinet: «Quanto mais reflicto, mais me convenço que nada ha de mais vivo e grande, nas cousas e obras humanas, em que se não encontre este duplo caracter: o geral e o particular, a cabeça e o coração, a humanidade e a patria. A immensa Odyssea gravita em torno da pequena Ithaca. Que ha de mais collossal do que o poema de Dante? Transpõe o céo e o inferno, e comtudo nada ha mais florentino. Onde encontrar-se um horisonte mais vasto que nos Lusiadas de Camões? fluctuamos em mares desconhecidos, e comtudo o que haverá de mais portuguez? Topa-se com a Lisboa querida nos confins da terra.» (Revol. d'Italie, p. 74.)

Estudado Camões sob o exclusivo aspecto litterario, apparece a par dos maiores espiritos, mas será incompleta a comprehensão do seu genio, porque ha em Camões uma feição organica que o torna o representante da raça e o fez synthetisar o genio da litteratura portugueza. Descendente de um trovador-fidalgo emigrado da Galliza por luctas politicas, e parente da familia dos Gamas do Algarve, n'elle se unifica a antiga unidade ethnica e territorial da Lusitania, que comprehendeu toda a região do oéste da Hespanha, do Cabo Cronium até ao Promontorio Sacro. Tendo

nascido em Lisboa e passado a mocidade em Coimbra, o poeta percorreu as conquistas da Africa e da India, levando-o a contemplação do dominio portuguez á concepção do ideal da Epopêa gloriosa da nação nunca de outrem subjugada, chegando mesmo ao sonho da Monarchia universal. O contacto da realidade fel-o reconhecer a decadencia moral das classes dirigentes, o abysmo das ambições clericaes, e os prenuncios do iberismo fortificado pela Liga catholica. O regresso com o seu Poema á ditosa Patria tanto amada, foi para um maior soffrimento, assistindo á austera, apagada e vil tristeza em que se afundou a nacionalidade.

E o poeta, que no seu temperamento e caracter individual encarnou a feição typica da raça lusitana, fortificou o ideal da Patria pela Tradição e deu o maximo relêvo artistico, fazendo vibrar o ethos da nacionalidade. A Tradição é que dá unidade moral a um povo, a vibração unisona na emoção nacional. Os Poemas homericos encerram o conjuncto das Tradições hellenicas; sentindo este influxo, o genio grego fortaleceu-se com esses poemas todas as vezes que precisou de affirmar a sua independencia ou unidade moral. Na educação grega, o estudo de Homero formava o nucleo fundamental da cultura; narra Xenophonte, que seu pae intentando fazer d'elle um homem de bem, o mandara decorar Homero: «Quando uma criança começa a apprender alguma cousa, o ensino deve saír de Homero, e esses cantos heroicos devem alimentar sua alma, apenas sahido do berço, como o leite mais puro; elle ficará o compa

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