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da Raynha Christianissima de França, vossa mãy, de que já recebi mercês... De uma situação da Novella do Palmeirim, em que na porta do castello está um escudo em que está esculpida uma mulher, com umas letras brancas no regaço que diziam: Miraguarda, foi pedido a Camões o sentido nas tenções da divisa mysteriosa. Por ventura pedir lh'o-ia a Infanta D. Maria, ou a dama que lhe lembrava que a mirasse com cautella. E' o que se lê nas linhas brancas

Á Tenção de MIRAGUARDA

Vêr e mais guardar
De vêr outro dia,
Quem o acabaria.

VOLTAS

Da lindeza vossa,
Dama, quem a vé,
Impossivel é

Que guardar-se possa.
Se faz tanta móssa
Vêr-vos um só dia,
Quem se guardaria?

Melhor deve ser
N'este aventurar
Vér e não guardar,

Que guardar e vêr.

Vêr e defender,
Muito bom seria,

Mas quem poderia ?

(Obr. iv, 124)

A intelligencia da situação em que se achava Camões, na sua paixão incipiente, leva a sentir n'estas redondilhas um outro sabor

esthetico. Estas relações do poeta com Francisco de Moraes, esclarecem-nos como poderia Camões ter-se encontrado com a Infanta D. Maria. A excelsa princeza cultivando as bellas lettras e a musica como em uma Academia no seu palacio de Santa Clara, rodeada de senhoras intelligentes e instruidissimas, como Joanna Vaz, Paula Vicente, filha do immortal comico Gil Vicente, Luisa Sigêa, mestra de linguas, e Angela Sigêa, excellente musica, pela reserva natural do espirito melancolico e delicado não recebia cavalheiros e poetas aulicos. 1 Grandes soffrimentos moraes a forçavam a esse retrahimento; e é natural que D. João III, que tanto a melindrara, para lhe attenuar a tendencia para o isolamento facilitasse os divertimentos litterarios no Paço da Rainha. Sua tia a rainha D. Catherina cuidara da sua creação desde os dois annos; e como a neta de Isabel de Castella que mais herdou o seu gosto e interesse litterario, facilitou-lhe a mais esmerada cultura humanista.

1 As Academias de senhoras eram então frequentes; a viuva de D. João 11 reunia varias damas formando uma Eschola de Santa Doutrina. A Condessa de Vimioso exercia entre as Senhoras em Evora no seu palacio, quando a visitavam, um influxo de cultura, como refere o P. Fonseca (Evora Gloriosa, p. 627): « O mesmo usava D. Joanna de Vilhena com as senhoras que a vinham visitar, dando a cada uma d'ellas alguns trabalhos com que as entretêr; e entretanto, ou Ihes lia algum capitulo dos documentos que o Conde tinha composto, où lhes contava algum exemplo ou historia santa com que adoçar o trabalho; o que fazia com tanta graça que assim D. Brites, duqueza de Coimbra e Aveiro, com todas as mais senhoras frequentavam com gosto a Eschola de Dona Joanna.›

Alguns dos seus primeiros mestres, como Antonio de Abreu e Manoel Barata, apparecemnos mais tarde apontados entre os amigos de Camões. E' de presumir que esses estudos intensos a que alludem Aspilcueta Navarro, o jurisconsulto Manoel da Costa, o Sutil, e outros humanistas, fossem um meio empregado para a trazer distrahida das saudades de sua mãe, que convolara a segundas nupcias com Francisco I. A Infanta era extraordinariamente rica, e seu irmão D. João III evitava por todos os meios o entregar-lhe a herança paterna. Segundo a informação do embaixador de Veneza á Senhoria, era a princeza possuidora de 400.000 escudos, augmentados com mais 200:000 nos ganhos da chatinagem real da India, além do dote de sua mãe hypothecado ao Condado de Lorena, com os respectivos juros. Era evidentemente uma das princezas mais ricas da Europa, um bello partido para uma casa real. Appareceram-lhe logo tres protectores para dispôrem do seu destino: o Imperador Carlos v, seu tio, que pensou em casal-a com o Archiduque Maximiliano, herdeiro do throno da Allemanha, embaraçando o plano de Francisco I, que pretendia casal-a com o seu filho mais novo o Duque de Orleans. N'este jogo de interesses Carlos v sacrifica a sobrinha, a Infanta D. Maria, casando sua filha a princeza D. Maria com o Archiduque Maximiliano, e cede-lhe como noivo seu filho, herdeiro do throno da Hespanha, o princepe Philippe. Entra no jogo D. João III, e quando o embaixador de Hespanha vem com o pedido da mão da Infanta, o rei como bom pae mas pér

fido irmão substitue-lhe sua filha a princeza D. Maria, casando-a com Philippe em 1543. E' então que a rainha D. Leonor reclama constantemente sua filha, sendo sempre illudida com evasivas e dilações por D. João III. O estado de espirito em que se achava a Infanta D. Maria, no periodo em que frequentou Camões a côrte, encontra-se observado em uma carta de D. Sancho de Cordova enviado extraordinario a Carlos V: Es persona de grande entendimiento y cordura, muy repo. sada y de pocas palabras y bien dichas; es de las valerosas personas que he visto y tenen-se sus determinaciones como de tal... ha mas de dos años que se ensaya en un vestido y recojimiento muy bueno, y mucha oracion, y esto no como hypocrita... O que se encerra n'estas palavras esclarece-se pelo que se relata na vida do seu confessor S. Pedro de Alcantara. A Infanta D. Maria magoada com tanta desconsideração, intentou fazer-se freira; mas impediu-lhe essa resolução o santo confessor, como se sabe pela correspondencia inserta na Vida de S. Pedro de Alcantara. Na obra de Fray Diego de Madrid se diz, que por sua indicação fundara a Infanta o Mosteiro das Descalsas reaes de Evora, denominado Santa Helena do Monte Calvario.

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Attrahida para os serões do paço da Rainha, a Infanta não se mostrava indifferente ás manifestações do talento e da imaginação;

1 Fray Diego de Madrid, Vida de S. Pedro de Alcantara, t. 11. Madrid, 1765. Apud Barrantes, Narraciones Extremeñas, p. 136, nota.

é natural, que pela sua longanimidade désse tambem o seu Mote ou Tenção.

Na Miscellanea poetica do Municipio do Porto (espolio do Conde de Azevedo) encontrou D. Carolina Michaëlis uma Volta Da Infanta D. Maria, que nunca teve dita para casar, sendo grande senhora. E diz:

Já não posso ser contente,
Tenho a esperança perdida,
Ando perdida entre a gente,
Não mouro, nem tenho vida.

Nem descanso, nem repouso,
Meu mal cada vez sobeja;
O que a minha alma deseja
Não posso dizer nem ouso.
Assi vivo descontente,

De assás dôr entristecida :
Ando perdida entre a gente,
Não mouro, nem tenho vida.

Como Mote alheio, foi essa quadra glosada por varios poetas contemporaneos da Infanta, como D. Francisco de Portugal, conde de Vi mioso, Francisco de Sá de Menezes. Luiz de Camões, um Anonymo do Cancioneiro de Evora, e Diogo Bernardes; e já no seculo XVIII por Francisco Rodrigues Lobo e Simão Machado. Sobre a attribuição á Infanta, escreve D. Carolina Michaëlis: «Emquanto não se descobrir um nome de auctor anterior á Infanta, não é illicito todavia propagar a quadra como da sua lavra, tendo em conta de obra de D. Maria tambem a Volta -que é anonyma e falla em nome de uma mulher.»

2 A Infanta D. Maria, p. 57.

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