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anno em que Camões partiu para a India. Sem dependencia do prelado diocesano, a Capellania das Chagas administrava sacramentos aos homens do mar e navegantes da India, e ao entrarem as Náos da India, repicavam os sinos da Egreja das Chagas, por que eram da Irmandade os homens que mareiam e governam as Náos que vem da India. Só se pode tornar verdadeira a lenda, considerando que na trasladação da Irmandade das Chagas para a sua Egreja em 1553, Camões antes de partir para a India assistira a essa festa a que concorreu a côrte, e então veria pela ultima vez Catherina de Athayde no séquito da Rainha. Com as prerogativas de Parochia ahi se poderia celebrar as Chagas antes da Sexta feira da Paixão, realisando-se a partida da Armada no domingo de Ramos, em 26 de Março.

Da interpretação chronologica da Canção VII conclue o Dr. Storck, á luz de um quadro mais exacto da epoca da vida de Camões na côrte: « Bastará assentarmos como certo que os amores de Luiz Vaz começaram na primavera de 1544, na temporada paschoal, e que um anno mais tarde, na primavera de 1545, principiaram as tristezas, os desconsolos, os revézes e os perigos causados pela má vontade dos mexeriqueiros e intrigantes palacianos. > ' Confirmam-nos estas datas o facto psychologico de começarem os amores tendo

1 Carlos Testa, Artigos dispersos: A Egreja das Chagas, p. 35 a 46.

2 Vida e Obras, p. 328.

Catherina de Athayde os seus treze annos, achando-se na intensidade em que se denunciaram dos quatorze para os quinze annos. Essa tenra edade é sempre accentuada nos versos do poeta.

Na Egloga á morte de D. Catherina de Athayde, se encarece o facto da sua morte prematura:

Como não te applacou tão tenra edade
Ao cortar de seu fio, oh Parca dura,
Que agora o mundo matas de saudade?

No texto do Cancioneiro de Luiz Franco, em tercetos que se não encontram na lição de Faria e Sousa, insiste o poeta na circumstancia da juventude da namorada:

Quem cuidara que huns tão tenros annos
E uma tal claridade, que excedia
Quanto podem cuidar peitos humanos;

E aquelle olhar brando, que fazia
Ao mesmo Amor guerra livremente
Podesse perecer em algum dia!

Ah morte! morte dura e fera!
Como não te movia uma beldade,
Que até as duras pedras commovera!

Como não te moveu uma tenra edade,
Como não te moveu a sorte dura

Dos que agora sentem sua saudade.

No incomparavel Soneto á morte de Natercia, sob a impressão abrupta da noticia recebida em Gôa, Camões para accentuar a magoa sem remedio de perdel-a, insiste na circumstancia de ter falecido:

Tão cedo, d'esta vida descontente...
Roga a Deus, que teus annos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a vêr-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

(Soneto XIX.)

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E' certo, que esta circumstancia da tenra edade, tenros annos, a fatalidade que tão sedo lhe encurtou os annos, e a observação do linhagista, morreu no Paço moça, discrimina peremptoriamente as duas damas da Rainha, uma que morreu nova e casada em sua casa em 1551, e outra que morreu no Paço moça, quando o poeta já se achava havia tres annos na India, cujo passamento consagra. Mas acima d'este resultado historico, ha o facto psychologico capitalissimo, que nos revela o caracter que tomou essa paixão amorosa por uma criança bella, descuidada, que sentia acordar-se-lhe na alma o primeiro impulso affectivo deslumbrada pelo genio primacial que ella via admirado por todas as outras damas da côrte. Esse galanteio com que a criança brinca, fazendo soffrer o poeta, torna-se já na mulher surprehendente de belleza uma paixão absoluta, irrefreavel, que á primeira decepção a levará até á morte. Nos

1 Escreveu o Dr. João Teixeira Soares : « A identidade de D. Catherina de Athayde discute-se principalmente com relação a duas senhoras: a filha de Alvaro de Sousa, de Aveiro, morta n'aquella cidade em Fevereiro de 1551, dois annos antes da sahida de Camões para a India e já casada com Ruy Pereira Borges, e a filha de D. Antonio de Lima, morta em 1556, isto é, tres annos depois d'aquella sahida.» Cousas Camonianas. (Na Epoca, n.o 33, Ponta Delgada, 19-VIII 1882.)

Sonetos de Camões é que patentemente se destacam estas phases do seu amor, confundidos pelos compiladores que os foram publicando; e sómente pelo processo psychologico se descobrem todas essas phases passionaes, que se tornam um drama intensamente doloroso. O criterio psychologico só modernamente foi comprehendido, e d'elle depende uma nova luz na historia.

O estudo da obra de Camões, para ser bem comprehendida,. impõe o conhecimento da sua vida; mas tendo passado uma existencia desapercebida para os seus contemporaneos, poucos factos chegaram a nós os vindouros, sendo necessario muitas vezes pelas referencias autobiographicas nas suas obras reconstruir o quadro da sua vida. Qual o processo critico para reconhecer essa physionomia moral do Poeta, sem divagações phantasistas, mas com segurança e verdade nas deducções, que se tornem inferencias historicas? Pelo processo psychologico, illuminando a biographia sobre o fundo tambem reconstruido e melhor conhecido do meio social ou da sua epoca. Maudsley, na Physiologia do Espirito, insiste no alcance psychologico das biographias: «Todo o homem destinado a uma actividade qualquer, e os seus actos resultando evidentemente das suas relações com as circumstancias, é claro que a biographia, que collocar simultaneamente em linha de conta o individuo e as circumstancias, bem como a sua acção e reacções reciprocas, poderá só assim patentear o homem de uma maneira adequada. Qual foi a força de caracter de tal homem? qual foi a das circum

stancias? Como é que elle as combateu? ou como é que foi affectado por ellas? O que resultou d'esta lucta, attendendo ás condições particulares da evolução do individuo ? - São estas as questões a que uma boa biographia deve procurar responder. Ella considera os homens como sêres concretos; toma nota, se quer cumprir conscientemente o seu plano, dos seus antecedentes atá vicos; descobre-lhes as dissimilhanças dos seus caracteres e capacidades; fixa a justa parte que compete á influencia benefica ou funesta do ambiente; considera a trama da vida como o resultado inevitavel dos elementos e das condições com as quaes e sob as quaes foi entretecida, e desenvencilha pacientemente os fios emaranhados. Em summa, a biographia é a applicação da sciencia positiva á vida humana, e a consequencia necessaria do progresso da philosophia inductiva. Não é para maravilhar que a biographia fórme hoje parte tão consideravel da Litteratura...» (Op. cit., p. 13.) Maudsley, considerando a biographia como processo para a psychologia scientifica, diz:

Ella nos fornece o fio do desenvolvimento do espirito no individuo, na sua evolução através das influencias da hereditariedade, da educação e das condições em meio das quaes viveu. E considerando o meio social, observa: Effectivamente o individuo é a unidade social, que Augusto Comte tão bem caracterisou, e elle não pode ser comprehendido a fundo independentemente do meio social no qual vive; o estudo das relações da sua organisação psychica com a natureza humana, de que é a unidade, é tão indispensa

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