vel como o estudo das relações entre a sua organisação physica e o meio ambiente.» (Op. cit., p. 53.) Seguindo este criterio psychologico na manifestação passional de uma criança para quem o amor é ainda galanteio apparecendo como um brinquedo de sociabilidade, resalta logo o realismo dos mais exaltados versos de Camões deslumbrado por uma belleza sobrehumana, que o domina pela inconsciencia da sua incomparavel formosura. Os soffrimentos, as venturas inesperadas, os desalentos subitos e a condemnação d'esses amores, tudo deriva de uma tenra edade auctoritariamente protegida. O retrato, todo de expressão moral da mulher que foi a Circe fascinadora do Poeta, desenhado delicadamente no Soneto XXXV, revela-nos uma criança ingenua, timida e sensivel, n'aquella edade com que Bernardim Ribeiro nos deu a conhecer Aonia : « donzella d'antre treze ou quatorze annos, sem saber que cousa era bemquerer... N'esta edade se define toda a psychologia d'esse amor, nas suas crises de indifferença, de descuido, de rigor, depois de paixão absorvente que vae até á morte. Notando esta circumstancia especialissima, comprehender-se-ha em toda a sua luz o Soneto: Um mover de olhos brando e piedoso, Sem vêr de que; um riso brando e honesto Um desejo quieto e vergonhoso, Um repouso gravissimo e modesto, Um encolhido ousar; uma brandura, Esta foi a celeste formosura Da minha Circe, e o magico veneno E' verdadeiramente a menina e môça, que encanta pela. passividade da sua brandura, pela serenidade modesta, de um pudor que se denuncia involuntariamente. No Soneto LXXVIII retrata-a com as mesmas côres, que fixam a sua physionomia moral: Leda serenidade deleitosa, Que representa em terra um paraiso; Presença moderada e graciosa, Onde ensinando estão despejo e siso, Falla, de que ou já vida ou morte pende, Estas as armas são com que me rende O poeta era visita da casa de D. Antonio de Lima, e n'essa frequencia via de perto as qualidades da encantadora criança, como revela no Soneto LXXXVII: Conversação domestica affeiçôa, Ora em fórma de limpa e sã vontade, Se depois, por ventura vos magoa Não são isto, que fallo, conjecturas, Metida tenho a mão na consciencia, O poeta lembrando-se que a vira uma vez com os seus cabellos louros ondados esparzi dos, outra prezos, enastrados por sua mão bella, anceia o momento em que poderá mais outra vez vel-a: Se imaginando só tanta belleza De si com nova gloria a alma se esquece; Mas a criança, porque «sem saber que cousa era bem querer,» brinca com o amor, mostra-se rigorosa, desegual, dissolvendo irrefletida todas as esperanças que suscitara por travessura. No Soneto CXX com que periphrase denuncia a crueza que ella lhe inflige: Tornae essa brancura á alva açucena, Tornae á suavissima Sirena D'essa voz as cadencias deleitosas; Tornae á bella Venus a belleza; A Minerva o saber, o engenho e arte, Despojae-vos de toda essa grandeza Todos esses caprichosos rigores com que a criança se diverte, accendem mais a paixão na alma do poeta: Porém, se então me vêdes por acêrto, Oh gentil cura! Oh estranho desconcêrto! E submisso áquella magestade, que lhe prostra todos os sentidos, pede lhe que imponha uma norma, comtanto que a possa vôr: Dae-me uma lei, senhora, de querer-vos, Tudo me defendei. se não de vêr-vos E dentro na minha alma contemplar-vos: (Sonet. LXVII.) E n'estes brincos de amorosos rigores, a crueldade inconsciente da criancice vae até provocar o ciume; no Soneto LXX o poeta emprega pela primeira vez o nome de Nathercia, em que vae a queixa desolada: Quando Liso, pastor, n'um campo verde Porque te vás de quem por ti se perde, No Soneto CXLVII tratando-a ainda pelo anagramma de Nathercia, nome que o poeta inventara e que é uma cousa sua, exprobalhe a attenção que dava a outro: Ah, Nathercia cruel! Quem te desvia Que foi d'aquella fé que tu me deste? Quando esses olhos teus n'outro puzeste, Aquelle ciume provocado era uma experiencia de pura infantilidade feminina; Catherina não lhe previra o effeito deprimente, e para acudir ao mal que estava causando, facilmente convenceu o poeta, de que as suas queixas eram injustas. No Soneto XCIV o poeta concluindo: Que eu só da culpa vossa pague a pena», desenha o quadro d'esta reconciliação: Se tomo a minha pena em penitencia Do erro em que caiu o pensamento, |