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submissa facilmente acreditava. O poeta reconhece que toda a sua ventura fôra um engano:

Onde porei meus olhos, que não veja

A causa de que nasce o meu tormento?...
Já sei como se engana quem deseja

Em vão amor, fiel contentamento.

(Soneto cx.

No Soneto CLIV, todo em phrases interrogativas, que são os problemas do seu amor, começa pela pergunta:

Que esperaes, esperança ?

Quem d'isso a causa foi? - Uma mudança.

Que sentis, alma, vós?

E emfim, como viveis? Sem confiança.

Desespéro.

Que amor é fero.

Uma lembrança.

Só n'ella espero.

Quem vos sustenta, logo?

E só n'ella esperaes?

Este estado de incerteza prolonga-se, ag. gravado outra vez pelo espinho do ciume; define-o no magoado Soneto CCLXXIII:

Sustenta meu viver uma esperança
Derivada de um bem tão desejado,
Que quando n'ella estou mais confiado
Mór duvida me põe qualquer mudança.

E quando inda este bem na mór pujança
De seus gostos me tem mais enlevado,
Me atormenta então vêr eu, que alcançado
Será por quem de vós não tem lembrança.

Camões não previa a influencia hostil da familia de Catherina, e attribuia a grande desconfiança ao seu desamor, dizendo-lhe com amargura:

Perca-se emfim já tudo o que esperei,
Pois n'outro amor já tendes esperança;
Tão patente será vossa mudança,

Quanto eu encobri sempre o que vos dei.
Dei-vos a alma, vida e o sentido;

De tudo o que em mi ha vos fiz senhora,
Prometteis e negaes o mesmo Amor.

Agora tal estou, que de perdido,

Não sei por onde vou, mas algum'hora
Vos dará tal lembrança grande dôr.

(Soneto CCLXVI.)

Os desalentos da decepção profunda em que cahiu o seu espirito resume-os no Soneto

CCLXXXVIII:

Doce sonho, suave e soberano,

Se por mais longo tempo me durara!
Ah, quem de sonho tal nunca acordara,
Pois havia de vêr tal desengano.

Ah, deleitoso bem! Ah doce engano!

Se por mais longo espaço me enganara!
Se então a vida misera acabara,

De alegria e pesar morrera ufano.

O golpe foi de surpreza, como pela intervenção de um podêr extranho; seria auctori dade paterna, ou qualquer censura da Rainha? O poeta aproxima os extremos com que fulgiu o seu amor:

Ditoso seja o dia e hora, quando
Tão delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando.

Assi cantava, quando Amor virou
A roda á esperança, que corria
Tão ligeira, que quasi era invisibil.

Converteu-se-me em noite o claro dia;
E se alguma esperança me ficou,
Será de maior mal. se fôr possibil.

Esse maior mal veiu, e implacavel; no Soneto CXXI, o poeta vê-o aproximar-se: o apar. tamento forçado.

De mil suspeitas vas se me levantam
Trabalhos e desgostos verdadeiros,

Quando cuido que tomo porto ou terra,
Tal vento se levanta em um instante
Que subito da vida desconfio.

O dia, hora ou o ultimo momento

De vida, em que meus fados me pozeram,
Já minhas esperanças se perderam,
Já não me enganará meu pensamento.

Triste mudança, duro apartamento,
Que perder em tão breve me fizeram
Tudo o que meus serviços mereceram.
Oh quantas cousas muda o mudamento!

Não espero já vêr cousa passada,

Porque vejo que tão longa partida

Me não consente esperanças de tornada.
(Soneto CCCXX).

Dona Catherina de Athayde mal contaria os quinze annos; a sua pouca edade impunha o protegel-a, e tanto mais que a sua famila dispunha de poucos bens de fortuna, como se sabe por uma clausula do testamento da Rainha, e Luiz Vaz de Camões apezar do brilhantismo do talento era filho de um fidalgo pobre. O afastamento do poeta da côrte foi brusco, parecendo por isso um desterro; não teve esse afastamento um caracter offi

cial, parece que seria ordenado pela rainha D. Catherina, muito amiga da sua camareira D. Maria Bocanegra. Camões conheceu d'onde lhe vinha o golpe inflexivel, e na Ode III, descrevendo a desolação em que jaz apartado d'aquella que tanto amava, põe em contraste a sua situação com a de Orpheo, applacando as furias do Orco e conseguindo trazer outra vez á vida Eurydice pelo poder do seu canto:

De todo já admirada

A Rainha infernal e commovida,
Te deu a desejada

Esposa, que perdida

De tantos dias já tivera a vida.

Pois minha desventura

Como já não abranda uma alma humana,
Que he contra mi mais dura,

E inda mais deshumana,
Que o furor de Callirhöe profana?

Oh crua, esquiva e féra,
Duro peito, cruel e empedernido,
De alguma tigre féra

Lá na Hircania nascido,

Ou d'entre as duras rochas produzido.

Ha n'estas estrophes uma insistencia que denuncia uma personalidade conhecida; Juromenha reconheceu-o: «Parece fazer uma allusão á rainha D. Catherina, que mais cruel que Proserpina, lhe rouba a vista da sua amante.» (Obr., II, p. 535.) Conhecida a situação no seu conjuncto, o facto da severidade da Rainha D. Catherina contra os amores do Poeta, deixa de ser uma simples interpretação, mas uma confidencia.

No Soneto XXIV, descreve Camões a despedida e separação commovente pela serenidade que affecta; conversaram até ao alvore

cer:

Aquella triste e leda madrugada,

Cheia toda de magoa e de piedade,
Emquanto houver no mundo saudade,
Quero que seja sempre celebrada.

Ella só, quando amena e marchetada
Sahia, dando á terra claridade,
Viu apartar-se de uma outra vontade,
Que nunca poderá vêr-se apartada;

Ella só, viu as lagrimas em fio

Que de uns e de outros olhos derivadas,
Juntando-se, formaram largo rio;

Ella, ouviu as palavras magoadas
Que poderão tornar o fogo frio.

E dar descanso ás almas condemnadas.

A impressão d'aquella alvorada da despedida, tão bella como a de Romeu e Julietta idealisada por Shakespeare, Camões torna ainda a exprimil-a no delicioso Soneto CCCXVII, colligido no Cancioneiro de Luiz Franco:

Aquelles claros olhos, que chorando
Ficavam, quando d'elles me partia,
Agora que farão? Quem m'o diria?
Se por ventura estarão em mi cuidando.

Se terão na memoria, como ou quando
D'elles me vi tão longe de alegria?
Ou se estarão aquelle alegre dia
Que torne a vêl-os, n'alma figurando?

Se contarão as horas e os momentos?

Se acharão n'um momento muitos annos ?
Se fallarão com as aves e com os ventos?

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