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Oh, bem aventurados fingimentos,

Que n'esta ausencia, tão doces enganos
Sabeis fazer aos tristes pensamentos!

No Soneto LXXV, o poeta reconhece que mais do que a ausencia é a lembrança do castigo que a motiva e que lhe dóe:

Ditoso seja emfim qualquer estado
Onde enganos, desprêsos e isenção
Trazem um coração atormentado.

Mas triste quem se sente nagoado

De erros em que não póde haver perdão,
Sem ficar na alma a magoa do peccado.

Ainda na Ecloga II, descreve o poeta a indole d'este amor, que o dominara em absoluto:

Não póde quem quer muito ser culpado
Em nenhum erro, quando vem a ser
Este amor em doudice transformado.

Amor não será amor, se não vier
Com doudices, deshonras, dissensões,
Pazes, guerras, prazer e desprazer;

Perigos, linguas más, murmurações,
Ciumes, arruidos, competencias.
Temores, nôjos, mortes, perdições.

Estas são verdadeiras penitencias
De quem põe o desejo onde não deve,
De quem engana alheias innocencias.

Mas isto tem o amor, que não se escreve
Senão d'onde é illicito e custoso;

E d'onde é mais o risco, mais se atreve.

N'isto fenecem pensamentos vãos,
Tristes serviços mal galardoados,
Cuja gloria se passa d'entre as mãos.

Lagrimas e suspiros arrancados
D'alma, todos se pagam com enganos;
E oxalá foram muitos enganados!

Andam com seu tormento tão ufanos,
Que gastam na doçura de um cuidado
Apoz uma esperança muitos annos.

O poeta não soube guardar o segredo da sua felicidade; os impetos da paixão davamThe ousadias descuidadas que o denunciavam, e de que os invejosos do peregrino talento sabiam tirar partido para o perderem. Nathercia, na namorada travessura da edade juvenil, ia lêr os versos que elle lhe improvisava e logo fugindo vergonhosa.

Na Ecloga III, Camões já afastado da côrte representa uns imaginosos encontros com a sua namorada, e exproba-lhe o esquecimento; a realidade salta no dialogo :

-Oh aspecto suave e peregrino!

Pois como, tão asinha assi se esquece
Uma fé verdadeira, um amor fino?

«Que me queres, Almeno, ou que porfia
Foi a tua tão áspera commigo?
Minha vontade não t'o merecia.

Se com amor o fazes, eu te digo,

Que amor, que tanto mal me faz em tudo
Não pode ser amor, mas inimigo.

Não és tu de saber tão falto e rudo,
Que tão sem siso amasses, como amaste.

Onde viste tu, nympha, amor sisudo?
Por que já não te lembra que folgaste
Com meus tormentos tristes, e algum'hora
Com teus formosos olhos já me olhaste?

Como te esquece já, gentil pastora,
Que folgavas de ler nos freixos verdes
O que de ti 'screvia cada hora?

Porque a memoria tão á pressa perdes
Do amor que me mostravas, que eu não digo
Se o vós, oh altos montes, não disserdes?

E como te não lembras do perigo
A que só por me ouvir te aventuravas,
Buscando horas de sésta, horas de abrigo?

E escondendo-te logo na espessura
Ias fugindo, como vergonhosa
Da namorada e doce travessura,

Se más tenções puzeram nodoa fêa
Em nosso firme amor, de inveja pura,
Por que pagarei eu a culpa alheia?

Quem d'esta fé, quem d'este amor não cura,
Nunca teve sujeito o coração;

Que o firme amor como a alma eterno dura.

Mal conheces, Almeno, uma affeição;
Que se eu d'esse amor tenho esquecimento
Meus olhos magoados t'o dirão.

Mas teu sobejo e livre atrevimento
E teu pouco segredo, descuidando,
Foi causa d'este longo apartamento.

Um só segredo meu te manifesto:
Que te quiz muito em quanto Deus queria;
Mas de pura affeição, de amor honesto.

E pois de teus descuidos e ousadia
Nasceu tão dura e áspera mudança,
Folgo; que muitas vezes t'o dizia.

Em uma lição manuscripta d'esta Egloga encontrou Faria e Sousa mais dois tercetos,

em que se revela que a namorada do poeta pensou em recolher-se á vida religiosa da clausura:

E verdade; mas já tenho perdida
Essa affeição que em ti mal empreguei,
E n'outra mais honesta convertida:

Amor casto, divino amor tomei,
Amor, a cujo amor está sujeito
Quanto vive; por este te deixei.

E' presumivel que para applacar a Rainha, se offerecesse Catherina de Athayde para entrar em um convento; a Rainha estava sob a angustia inconsolavel da perda de sua filha a princeza D. Maria, morta de parto em 1545. Isto a levava a esse sombrio retrahimento, não consentindo mais estas galanterias na côrte. Era o occaso do espirito de D. João III, que faz epoca no seu governo. Outras circumstancias influiram para a imposição de um regimen de austeridade nas relações da côrte.

Dom João III, como se vê por uma anedocta da Arte de Galanteria, era severo com os escandalos amorosos no Paço. «Bien pudiera aqui traer lo del Conde de Vimioso, que veniendo de un Consejo de Estado adonde se havia tratado el grossero modo de galantear, que habia acaecido en Palacio, por que condemnó á muerte el dichoso cumplice, que despues de perdonado de cuchillo, se le executó de casamiento.» (Op. cit., p. 167.)

Nos versos dos poetas contemporaneos allude-se a este escandalo amoroso acontecido nos Paços de Santarem em 1546; foi o caso,

que nos aposentos da formosa D. Juliana de Lara, filha do Marquez de Villa Real, entrara de noite o filho do Conde Barão de Alvito. No Cancioneiro de Evora vem umas Trovas á Sentença dada contra um fidalgo, que contrastou o crime com a ventura do culpado:

A sentença já é dada;
Pero foi mal requerida,
Toda pessoa culpada
Deve estar arrependida.

E pois se punha em direito
Esta tal condemnação,
Houveram de ter respeito,
Que ainda que era feio o feito
Era fermosa a rasão:

E devera de lembrar
Ao Senhor e aos Doutores,
Que os erros por amores
Erros são de perdoar.

Todos n'este caso erraram,
Todo o mundo n'elle errou;
Erraram os que julgaram,
Muito mais o que julgou.
Só Dom Fuão acertou ;
E postoque não responde,
Nem o querem escuitar,
Mais queria ser o Conde.
Que El Rey, que o manda matar.

Honrados e deshonrados

Accusaram o Senhor;

Devendo de ser lembrados
Que Deus ao bom amador
Nunca demandou peccados.
Mas quem tem má condição
N'ella faz seu fundamento,
E póde mais a tenção,
Do que póde o entendimento,

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