Oh, bem aventurados fingimentos, Que n'esta ausencia, tão doces enganos No Soneto LXXV, o poeta reconhece que mais do que a ausencia é a lembrança do castigo que a motiva e que lhe dóe: Ditoso seja emfim qualquer estado Mas triste quem se sente nagoado De erros em que não póde haver perdão, Ainda na Ecloga II, descreve o poeta a indole d'este amor, que o dominara em absoluto: Não póde quem quer muito ser culpado Amor não será amor, se não vier Perigos, linguas más, murmurações, Estas são verdadeiras penitencias Mas isto tem o amor, que não se escreve E d'onde é mais o risco, mais se atreve. N'isto fenecem pensamentos vãos, Lagrimas e suspiros arrancados Andam com seu tormento tão ufanos, O poeta não soube guardar o segredo da sua felicidade; os impetos da paixão davamThe ousadias descuidadas que o denunciavam, e de que os invejosos do peregrino talento sabiam tirar partido para o perderem. Nathercia, na namorada travessura da edade juvenil, ia lêr os versos que elle lhe improvisava e logo fugindo vergonhosa. Na Ecloga III, Camões já afastado da côrte representa uns imaginosos encontros com a sua namorada, e exproba-lhe o esquecimento; a realidade salta no dialogo : -Oh aspecto suave e peregrino! Pois como, tão asinha assi se esquece «Que me queres, Almeno, ou que porfia Se com amor o fazes, eu te digo, Que amor, que tanto mal me faz em tudo Não és tu de saber tão falto e rudo, Onde viste tu, nympha, amor sisudo? Como te esquece já, gentil pastora, Porque a memoria tão á pressa perdes E como te não lembras do perigo E escondendo-te logo na espessura Se más tenções puzeram nodoa fêa Quem d'esta fé, quem d'este amor não cura, Que o firme amor como a alma eterno dura. Mal conheces, Almeno, uma affeição; Mas teu sobejo e livre atrevimento Um só segredo meu te manifesto: E pois de teus descuidos e ousadia Em uma lição manuscripta d'esta Egloga encontrou Faria e Sousa mais dois tercetos, em que se revela que a namorada do poeta pensou em recolher-se á vida religiosa da clausura: E verdade; mas já tenho perdida Amor casto, divino amor tomei, E' presumivel que para applacar a Rainha, se offerecesse Catherina de Athayde para entrar em um convento; a Rainha estava sob a angustia inconsolavel da perda de sua filha a princeza D. Maria, morta de parto em 1545. Isto a levava a esse sombrio retrahimento, não consentindo mais estas galanterias na côrte. Era o occaso do espirito de D. João III, que faz epoca no seu governo. Outras circumstancias influiram para a imposição de um regimen de austeridade nas relações da côrte. Dom João III, como se vê por uma anedocta da Arte de Galanteria, era severo com os escandalos amorosos no Paço. «Bien pudiera aqui traer lo del Conde de Vimioso, que veniendo de un Consejo de Estado adonde se havia tratado el grossero modo de galantear, que habia acaecido en Palacio, por que condemnó á muerte el dichoso cumplice, que despues de perdonado de cuchillo, se le executó de casamiento.» (Op. cit., p. 167.) Nos versos dos poetas contemporaneos allude-se a este escandalo amoroso acontecido nos Paços de Santarem em 1546; foi o caso, que nos aposentos da formosa D. Juliana de Lara, filha do Marquez de Villa Real, entrara de noite o filho do Conde Barão de Alvito. No Cancioneiro de Evora vem umas Trovas á Sentença dada contra um fidalgo, que contrastou o crime com a ventura do culpado: A sentença já é dada; E pois se punha em direito E devera de lembrar Todos n'este caso erraram, Honrados e deshonrados Accusaram o Senhor; Devendo de ser lembrados |