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tavam nas costas do Algarve, em Faro ou Lagos. Da Canção XVI infere Juromenha, que a não em que ia Camões para Ceuta aportara junto a Villa Nova de Portimão, no sitio da ribeira de Buyna, fundando-se nos seguintes

versos:

Por meio de umas serras mui fragosas,
Cercadas de sylvestres arvoredos,
Retumbando por asperos penedos,
Correm perennes aguas deleitosas
Na Ribeira de Buina, assi chamada.

Storck não acceita esta inferencia plausivel, pela serenidade que inspira a Camões este trecho da paizagem algarvia: «Contra a opinião de Juromenha falla a serenidade ou mesmo a intima alegria em que os versos de Camões envolvem o quadro da paizagem assim como a affeição candida e terna da homenagem prestada na estrophe final á dama querida.» (Vida, p. 400.) E' justamente a expressão intima do regosijo moral que lhe deixou a noticia Que algum bem lhe podia estar guardado, o que dá certo aspecto de verdade á Canção XVI e ás suavissimas endechas da despedida para Ceuta.

Na Canção XI, que é uma Autobiographia de Camões, encontra-se a impressão d'esta viagem forçada :

Agora peregrino, vago, errante,

Vendo nações, linguagens e costumes,
Céos varios, qualidades differentes,
Só por seguir com passos diligentes
A ti, Fortuna injusta, que consumes
As edades, levando-lhes diante

Uma esperança em vista de diamante: etc.

A Carta de Camões, que começa pela locução tradicional: « Esta váe com candêa na mão morrer nas de v. m.»> 1 é considerada pelo Dr. Storck como tendo sido escripta de Ceuta.

O estado melancholico de uma tristeza idealmente systematisada, que prevalece na Elegia II, é o que transpira de toda esta Carta, em que elle, servindo-se de uns versos de Garcilasso, allude á situação material:

La mar en medio y terras he dejado
A cuanto bien, cuitado, yo tenia:

E fazendo considerações sobre a sua situação moral, intercala na prosa pittoresca versos da Ecloga Crisfal, então em voga, que o poeta sabia de cór :

Emfim en la tierra queda

E o mais a alma acompanha.

Na estrophe 85 do Crisfal, lê-se:

Cá fica o aver na terra,

O amor a alma acompanha.

Prosegue Camões: « Ao alvo d'estes cuidados jogam meus pensamentos á barreira, tendo-me já por costume tão contente de triste que triste me faria ser contente por

1 Era uso metter na mão do moribundo uma candêa accesa, como conta o P. João Figueira que assim estivera, querendo significar o estado mortal a que chegou. (Lendas da India.!

8 Vida, p. 405.

Que o longo uso dos annos

Se converte em natureza.

(St. 10)

Pois o que é para mór mal
Tenho eu para mór bem.

(St. 12)

Na prosa epistolar intercala Camões: mas a dôr dissimulada dará seu fructo, que a tristeza no coração é como traça em panno.» Na strophe 43 do Crisfal, vem:

Anda a dôr dissimulada,
Mas ella dará seu fruito.

A Carta é originalissima na fórma pela prosa faceta entresachada de Voltas, comêços de Esparsas, e um fragmento de Soneto, que a termina, em que representa o jogo de vaza de ouros, alludindo á pobreza por cujo motivo se oppozeram ao seu amor:

Forçou-me Amor um dia a que jogasse,
Deu as cartas, e az de ouros levantou;
E sem respeitar mão, logo triumphou,
Cuidando que o metal que me enganasse;

Dizendo, pois triumphou, que triumphasse
A uma sota de ouros, que jogou;

Eu então por burlar quem me burlou
Tres páos joguei, e disse, que ganhasse.

Tres páos é uma phrase que designa a fôrca; n'este sentido a emprega Camões na copla « A humas senhoras, que jogando perto de uma janella, lhes cahiram tres pãos e deram na cabeça de Camões:

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Vê-se que a Carta estava ainda vibrando ás emoções dos recentes dias em que se homisiara da côrte.

Na Elegia II, com que se fundamenta a estada do poeta em Ceuta, aponta elle a transição para esse novo meio:

Já quieto me achava co'a tristeza;

E alli não me faltava um brando engano,
Que tirasse desejos da fraqueza.

Mas, vendo-me enganado estar ufano,
Deu á roda a Fortuna; e deu commigo
Onde de novo choro o novo dano.

Camões devia sentir a surpreza da importancia d'esse soberbo emporio de Ceuta, que desde que ficou sob o dominio portuguez em 1415, não decahira da sua florescencia primitiva. Ceuta (Sebtah) era então o entreposto de um immenso commercio com o Levante, Africa e Italia, como observa Vivien de Saint Martin. N'esse centro de sciencias e de artes, tinham os Arabes introduzido a fabricação do papel, a cultura do algodão, e os trabalhos afamados da seda, do fio de ferro e de latão mantinham ainda a actividade de outr'ora. Era bastante rendosa a pescaria do coral; verdadeiramente a ruina industrial de Ceuta começou a partir do momento em que ficou em

1 Obras, t. IV, p. 191. (Ed. Jur).

poder dos hespanhóes.» (1580.) Camões espera que este novo espectaculo o arranque á sua concentração:

A's vezes cuido em mi, se a novidade
E extranheza das cousas, co'a mudança
Poderiam mudar uma vontade.

E com isto figuro na lembrança

A nova terra, o novo trato humano,
A estrangeira progenie, a extranha usança.

Subo-me ao monte, que Hercules thebano
Do altissimo Calpe dividiu,

Dando caminho ao Mar mediterraneo;

D'alli estou tenteando d'onde viu
O pomar das Hespéridas, matando
A serpe, que a seu passo resistiu.

Estou-me em outra parte figurando
O poderoso Anteo, que derribado
Mais força se lhe vinha accrescentando;

Porém, do herculeo braço subjugado,
No ár deixando a vida, não podendo
Dos soccorros da mãe ser ajudado.

Mas, nem com isto emfim que estou dizendo,
Nem com as armas tão continuadas,

De amorosas lembranças me defendo.

Embevecido na melancholia das suas recordações, o poeta procura nas perspectivas da natureza um alivio, uma acalmação ás saudades:

Ando gastando a vida trabalhosa,

E esparzindo a continua soidade
Ao longo de uma praia soidosa.

Vejo do mar a instabilidade,

Como com seu ruido impetuoso
Retumba na maior concavidade.

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