Melhor fôra ter caladas As novas que ha n'esta terra, A gente é peor em dobro, E põem as armas em cobro. Não ha conversação como d'antes Nenhum remedio a meus danos Senão vendo aquelle dia Que hade ser fim de dois annos... Da guerra novas mais certas Isto não é praguejar, Tudo são queixas em vão, E em uma segunda Carta, Manoel Pereira de Ocem exprime a mesma melancholia camoniana, terminando cada estrophe com dois versos centonicos de romances velhos: Andando só, como digo, Apartado da manada, Que emfim não fundem nada... Vinham de esporas douradas Gentes de muitas maneiras Contar feitos esquecidos Quizera dizer-vos mais, N'estas duas Cartas em trovas de Manoel Pereira de Ocem, além da vida desconfortada da guarnição descreve-se uma d'essas frequentes escaramuças contra os assaltos dos bandos berberes nas suas depradações e surprezas. Foi n'uma d'estas escaramuças aventurosas e inglorias que perdeu Camões o olho direito, em risco de morte por falta de tratamento. Deixando a lenda infundada de um combate naval batendo-se ao lado de seu pae, como conta Faria e Sousa, é certo o facto, que perdió el ojo derecho, aviendole dado en el una centella de un canonazo.» (Vida seg., § 14.) Na Canção XI, em que o Poeta recapitula toda a sua vida, allude ao facto de ter provado o fructo acerbo de Marte nos olhos, em que ficou a marca do infesto fogo. No retrato gravado, cópia de um retrato a oleo, que se publicou em 1624 nos Discursos varios de Manel Severim de Faria, é representado Camões de meio corpo, de tres quartos para a esquerda, cego do olho direito; authentíca a nobre cicatriz do poeta. Tambem na Carta primeira da India chasquêa do seu defeito, ao qual torna a apontar em um magoado Epigramma, e no A B C feito em mo tes: Galathêa sois, senhora, Segundo os costumes da epoca, o serviço em Ceuta era obrigatorio por dois annos, para poder-se entrar na posse de qualquer rendosa commenda. Foi cumprindo este requesito, que Gonçalo Mendes de Sá, o primogenito de Sá de Miranda, morreu em 1553 na 1 Nas copias d'esta gravura inverteu-se por impericia a imagem, ficando Camões cego do olho esquerdo na copia de 1639, na de 1641, e na de 1731. Faria e Sousa fez uma copia á penna de um retráto a oleo, que pertencera ao licenciado Manoel Corrêa; n'elle estava leso o olho direito. surpreza perto de Ceuta, desastre memoravel na historia portugueza. Manoel Pereira de Ocem, que se achava em Arzilla, assim o confirma na Carta: Nenhum remedio a meus danos Senão vendo aquelle dia Que hade ser fim de dois annos. O que determinaria o regresso de Camões a Lisboa, e como fixar-lhe a data? Em Novembro de 1549, o velho Capitão de Ceuta, D. Affonso de Noronha, foi chamado á côrte para partir para a India como Vice-rei na Armada de 1550. Camões acompanhou-o para Lisboa, no empenho de seguir com o valente cavalleiro para a India. A resolução do poeta, abandonando agora o pensamento africano, que tanto o inspirava no seu ideal épico, obedecia ao desgosto da inanidade de todo o esforço, vendo desmoronar-se o Imperio que os antepassados cimentaram com o seu sangue. Em 1549, mandou D. João III que se abandonasse Arzilla e Alcácer-Ceguer; a demora de Camões em Africa era um confrangimento de espirito. A India apparecia-lhe agora como a miragem da Era dos Descobrimentos, e lá esperava encontrar as tradições vivas do heroismo, com que fôra fundado o Imperio oriental. Não era o ânimo de lucro que o impellia para a India, mas a ardente aspiração de dar realidade ao novo Pensamento. O abandono de Arzilla e Alcacer Ceguér deixou o vestigio da sua lethal impressão nos versos de outros poetas; por ventura as Outavas em endéchas sobre o despejo de Arzilla, de um anonymo, pertenceriam a Manoel Pereira de Ocem? Desde que Dom João III mandou abandonar Arzilla em 1549, considerando mais vantajosa a concentração de forças na India por se segurar e explorar com mais vantagem aquelle remotissimo imperio, a Africa tornava-se um campo esteril para o heroismo portuguez. Este golpe abrupto na aspiração de Camões, que comprehendia a necessidade da acção de Portugal no norte de Africa para salvaguardar a segurança das nações meridionaes, veiu desnorteal-o na sua actividade pensando em acompanhar para a India Dom Affonso de Noronha, que fôra chamado pelo rei. O abandono de Arzilla deixou um ecco doloroso na poesia d'esse tempo; existem umas Outavas em endechas Sobre o despejo de Arzila em dia de S. Bartholomeu, nar. rando o vergonhoso acontecimento: Quem a meu pranto dará companhia Que a Mouros e Africa fez tão crûa guerra, Oh quanto ditosos e bem afortundos Morreram por Patria, por pram de seus fados, |